Análise Arkade: Icey é hack ‘n slash, criatividade e metalinguagem para explodir a sua cabeça
Quantos jogos você consegue lembrar em que o narrador vai muito além de simplesmente “narrar” a história, a ponto de se tornar um grande diferencial? Bastion e mais uns poucos, né? Pois prepare-se para rever seus conceitos narrativos em Icey, hack ‘n slash chinês que traz um narrador pra lá de participativo!
Você faz a sua história
Quem joga RPG certamente está habituado com o termo “lore”, que designa não necessariamente a história de um jogo, mas seu universo como um todo. O “lore” é um compêndio de conhecimento sobre tudo o que diz respeito a um jogo.
Icey é o tipo de jogo que tem mais um lore do que uma história. Somos apresentados à protagonista — Icey — que acorda em uma laboratório, e imediatamente é compelida pelo narrador a seguir em frente “seguindo as setas” para derrotar Judas, um suposto vilão malvado que quer destruir o mundo.
Para chegar até Judas, você terá que abrir caminho por hordas de robôs e androides de diferentes formas e tamanhos usando basicamente sua espada e sua fantástica agilidade. Parece um hack ‘n slash bem tradicional, né? Calma, que isso é só o começo!
Metalinguagem FTW
Ao invés de continuar simplesmente descrevendo o jogo pra você, acho mais fácil te mostrar na prática como ele funciona, pois esse é um daqueles jogos que a gente só entende de fato vendo (ou jogando). Então clique no play aí e confira os primeiros quase 15 minutos iniciais da aventura de Icey:
Sacou a ideia? O narrador do jogo se comporta meio que como o produtor/programador também, e, pelo bem da história que ele criou, ele sempre quer que você siga as setas, sem ir para lugares onde não deveria… mas você não precisa obedecê-lo, e é aí que o game se destaca em termos narrativos!
A relação jogador/narrador é o principal triunfo do game, que de outro modo seria “apenas mais um hack ‘n slash” no mercado. Não é nada que torne-o excessivamente complexo e cheio de possibilidades quanto um Dragon Age por exemplo, mas é algo que torna o jogo bem menos linear e muito mais interessante.
É como se existissem dois jogos diferentes em um: o que o narrador quer que você jogue, e o que você pode criar sendo teimoso. Seguindo o que o narrador diz, você vai seguir com a história como ela (teoricamente) deve ser, enfrentando meia dúzia de chefes até o tal Judas. Mas se desobedecer o narrador, vai acabar descobrindo áreas secretas, que levam a história por rumos um tanto… menos convencionais.
Como fã de metalinguagem que aprecia muito obras que “quebram a quarta parede”, achei simplesmente genial o trabalho que os chineses da Fantabade fizeram aqui. É uma narração ácida, debochada, que interage com a personagem e com o jogador. Vale a pena até parar para prestar atenção — aliás, fica a dica: simplesmente ficar parado em certas telas do jogo pode desencadear eventos narrativos bem loucos!
Sério, olha isso!
Eu acho que você ainda não sacou quão legal é a narrativa de Icey, então vou deixar aqui mais um exemplo de uma situação surreal que aconteceu simplesmente porque eu teimei em não dar ouvidos ao narrador. Clica no play aí embaixo:
Viu que louco? O cara achou que eu não estava gostando do jogo dele, então me colocou para jogar outro jogo — dentro do jogo dele — só para me desafiar! É praticamente um Inception gamer!
E, atenção ao detalhe: isso (e muito mais) só pode ser acessado se você não se deixar levar pelo narrador e decidir trilhar outro caminho. E aqui há também o fato de você precisar ser perseverante na “desobediência” para ver o que acontece, pois ele simplesmente não nos deixa “não seguir a seta” de primeira. Aplaudo de pé a sagacidade e criatividade dos caras que conceberam isso!
Ok, já saquei o lance da narrativa, mas e o gameplay?
É legal, também. Um hack ‘n slash simples e acelerado, que lembra um pouco o reboot de Strider que a Capcom lançou há alguns anos. Temos basicamente dois botões de ataque que podem ser combinados para formar combos, bem como um dash multidirecional que pode ser usado tanto para esquivas e fugas quanto para encadear gopes e finalizar inimigos.
Conforme acumula dinheiro, você pode comprar novos combos e power ups com o robozinho que também serve de checkpoint. Algumas combinações são um pouco complicadas de serem executadas em combate, mas rendem golpes bem estilosos.
Veja um gameplay de combate e pancadaria abaixo:
Popam comandos e “atalhos” para finalizar inimigos ou dar uma sobrecarga na sua espada — que causa dano em todos os inimigos da tela — bem como golpes especiais que, como nos jogos dos anos 90, consomem um pouco da sua barra de vida se utilizados. É importante que você se habitue ao timing dos combates e dashes, pois eles vão se tornando mais frenéticos e desafiadores.
Audiovisual
Icey não chega a ser realmente um jogo impressionante visualmente, mas também não decepciona. O visual é limpo, as animações são bacanas e os cenários, ainda que se repitam um pouco, são interessantes e possuem boa profundidade… e também têm lá seus segredinhos e referências, tipo essa:
A trilha sonora também segura a onda, entregando faixas eletrônicas animadas, que combinam com a ação. Os sons de pancadaria também são satisfatórios, mas o grande destaque aqui vai para o narrador, que se entrega ao papel com muita devoção e rouba a cena.
Considerando que este é um jogo chinês, confesso que fiquei curioso para ver se o narrador chinês é tão bom quanto o gringo… porém, eu não entendo nada de chinês, então fica difícil avaliar. Aliás, o jogo está legendado apenas em inglês, então se quiser entender tudo o que o narrador te conta, é bom que esteja com o seu inglês em dia.
Conclusão
Icey é um jogo muito legal, que brinca com sua própria história de formas muito criativas e corajosas. Eu fui atrás dele esperando apenas um hack ‘n slash 2D, mas fui surpreendido com um jogo que possui um lore incrível, e uma das narrativas mais interessantes (e malucas) que tive o prazer de acompanhar.
Esse é o tipo de experiência que só funciona nos videogames, pois são as ações e decisões do jogador que alteram o ritmo da história. Não estamos falando de decisões naquele estilo Telltale, mas ainda assim a forma como elas afetam o andamento do game é tão surpreendente quanto. Esse é aquele tipo de jogo que “explode a cabeça” da gente por sua pura e simples criatividade.
Pela tela de troféus, ficou bem claro que eu deixei de ver e fazer muita coisa em minha primeira jornada com Icey. E eu realmente já quero jogá-lo de novo, talvez sendo mais “obediente” para com o narrador, só para ver onde isso me leva. E quando você mal termina um jogo e já quer recomeçá-lo, sem dúvida é um atestado de qualidade, não é?
Icey foi lançado para PS4 em 8 de agosto. Ele já estava disponível para PCs desde o ano passado.