Voice-Chat Arkade: como filmes baseados em videogames podem dar certo
Em edições passadas da Revista Arkade, foi abordado o sempre polêmico assunto de filmes baseados em jogos. Mesmo assim, ainda existe muito terreno para desbravar. Hoje, tentaremos encontrar soluções para os maiores problemas vistos por aí em filmes inspirados em games.
Um dos maiores motivos que compromete a qualidade de filmes baseados em jogos é sua história fraca, acompanhada da caracterização incorreta dos personagens: lutadores certos mas com uma história que não tem nada a ver ou uma história relativamente correta com personagens nunca vistos no jogo.
Este tipo de situação ocorre em vários filmes conhecidos, especialmente os que são baseados em jogos de luta. Os antigos filmes de Mortal Kombat tentaram ao máximo colocar todos os lutadores de uma vez, por isso o tempo para contar uma história era tão curto que tudo pareceu corrido demais, tornando a história apenas uma ponte entre uma cena de pancadaria e outra.
Mortal Kombat pode parecer somente um torneio de luta onde pessoas combatem até a morte e arrancam membros deliberadamente, porém a história verdadeira de Mortal Kombat viaja por dimensões diferentes, personagens com histórias e motivações que se relacionam uns com os outros, vilões tiranos que almejam dominar todos os mundos, raças dominadas que lutam pela liberdade, e muito mais.
Por outro lado, a web-série Mortal Kombat: Legacy, que respeita a história da série, mas insere-a em um contexto mais moderno, usou a primeira temporada inteira apenas para introduzir seu elenco com calma. Na segunda temporada – que ainda está produção – é que a série irá se focar no torneio Mortal Kombat em si.
Assim, muita gente ficou satisfeita com a primeira temporada e pela forma como ela desenolveu com calma o enredo e a origem para cada lutador, e agora a excitação para a próxima temporada é maior ainda graças ao foco no torneio. O detalhe é que tudo isso foi conquistado por fãs da série, que não contam com o orçamento multimilionário que as produtoras de Hollywood têm.
Outra franquia famosa que foi “destruída” por Hollywood é o famoso Street Fighter: em todas as adaptações que saíram, roteiros foram criados sem nenhuma similaridade com a franquia, atores “famosos” foram contratados, cenários e situações sem sentido (E. Honda havaiano? Balrog camera man? Dhalsim cientista que criou o Blanka? Sério?)… tudo isso tornou os filmes uma verdadeira bagunça sem sentido.
O que parece ser impossível de adaptar é na verdade fácil se colocarmos as pessoas certas que realmente gostam da franquia e a conhecem bem. Street Fighter: Assassin’s Fist poderá ser o primeiro a colocar o tom, os personagens e todos os efeitos visuais certos em sua minissérie.
A ideia também veio dos fãs: o grupo conseguiu tanta fama com seu curta Street Fighter: Legacy que a própria Capcom está financiado esta nova web série. Relembre o estiloso curta Legacy abaixo:
Claramente um padrão está surgindo com estes dois exemplos: empresas como Capcom e Warner Bros. estão confiando mais nos fãs em vez de apostar nos engravatados de Hollywood que só pensam em dinheiro.
Com esta confiança depositada nos fãs, um grande erro pode ser corrigido. Antes os diretores e roteiristas destes projetos achavam que a formula era só colocar o maior número de personagens conhecidos nos filmes e pronto, sucesso garantido.
O Street Fighter com Raul Julia e Jean Claude Van Damme fez isto de uma forma tão estranha que acabou ficando cômico; ao final do filme alguém até achou que era uma boa ideia juntar toda a turma para posar para uma foto tão bizarra – que você pode ver no topo deste post – que até o Dhalsim cientista largou seu jaleco e colocou sua roupa de Dhalsim, que estranhamente estava guardada em um laboratório da Shadaloo!
Dito isso, a segunda possível solução surge: não é obrigatório colocar todos os personagens do jogo em um só filme. Para nós gostarmos de um personagem no jogo é preciso de muitas horas, algumas vezes até levamos mais de um jogo para realmente simpatizar com um personagem. É difícil criar uma empatia verdadeira em um filme de 2 horas e pouco, especialmente se já conhecemos o personagem e temos noção de como gosataríamos de vê-lo na telona.
Isaac Clarke consegue ser um personagem satisfatório ao jogador somente nos últimos momentos e durante o percurso do segundo Dead Space, onde nós começamos a simpatizar com seus problemas mentais e emocionais. Já a GLaDOS é uma personagem instantaneamente interessante graças ao seu humor ácido e onipresente. Da mesma forma que Mr. Scratch mostra seu lado psicopata em Alan Wake’s American Nightmare e consegue se sair muito bem desta forma.
Nada impede uma empresa de colocar somente alguns poucos personagens no filme, desde que haja uma história realmente interessante por trás deles.
Voltando ao Street Fighter: Assassin’s Fist, que irá sair em 2013, terá somente quatro lutadores, sendo eles Ryu, Ken, Akuma e Gouken. A ideia é que a trama seja sobre o estilo de luta que estes lutadores praticam, e nada mais. Mortal Kombat: Legacy reservou um episódio inteiro para focar apenas no lutador em questão, sem tacá-lo direto em um torneio: assim os fãs não precisam ver todos os lutadores em um único lugar, o que não deixa a trama confusa para quem não é tão familiarizado com o game.
Se o filme der certo, os personagens que ficaram de lado poderão aparecer na sequência ou até ter spin-offs que os coloquem como protagonistas de suas próprias histórias, o que valoriza cada personagem por sua própria história.
Isto também vale para a ambientação do jogo: Half Life 2 tinha a City 17, Assassin’s Creed: Brotherhood tinha a Roma, Batman: Arkham City tinha uma pseudo-cidade inteira cheia de super vilões, Sleeping Dogs tem a cativante Hong Kong ao seu dispor. Todos estes lugares tomam tempo e muita pesquisa para serem produzidos e apresentados ao jogador, e com certeza tomará mais tempo ainda em um filme, formato que conta com pouquíssimo tempo para gastar com tantos componentes.
É por isso que o filme inspirado em Silent Hill agradou mais que a média usual de filmes baseados em jogos, já que os diretores e roteiristas decidiram valorizar elementos-chave de Silent Hill e contar a história de um grupo pequeno de personagens, mesclando uma trama original com a absorvendo fatos dos games à trama. Assim os fãs dos jogos conseguiram o que queriam, e as pessoas que não conhecem a franquia entenderam a história sem nenhum problema.
A nova adaptação, que chega no mês que vem, intensificará a história principal da cidade e ainda introduzirá novos personagens ao enredo.
É engraçado como, em se tratando de quadrinhos, Hollywood já melhorou bastante: diversos filmes foram criados para apresentar os personagens que compõem Os Vingadores. Já pensou se não houvessem os outros filmes, como ficaria confuso para quem não é fã de quadrinhos entender quem é o Tony Stark ou quem é o Capitão América?
Videogames deveriam ter este mesmo cuidado em apresentar personagens e ambientes com calma, antes de fazer uma salada caótica de referências, como vemos na persistente cinessérie Resident Evil, que hoje em dia os “fãs” acompanham mais por teimosia do que por empatia. Não é um trabalho fácil, mas devemos lembrar que a indústria dos games já fatura mais que a de cinema, então, se o cinema quer uma “fatia deste bolo”, deveria proceder com mais calma.
Este novo comportamento visto no seriado de Mortal Kombat e no filme de Street Fighter talvez indique que Hollywood está aprendendo com seus erros, com obras cada vez mais focadas em diferentes elementos da história do jogo, sem tacar tudo de uma só vez na cara do público.
Outro ponto que mostra uma luz no fim do túnel é a preocupação das empresas: a Ubisoft foi esperta ao criar seu próprio estúdio para fazer filmes baseados em seus próprios jogos, com medo de largar suas propriedades intelectuais nas mãos dos engravatados.
Não sabemos como a Ubisoft irá proceder em um filme inspirado em Assassin’s Creed, mas esperamos que ela trate o título com o mesmo carinho que ela o trata no mundo dos games; com personagens densos e interessantes, uma trama rica, fatos se misturando com ficção, tudo aquilo que já aprendemos a gostar nos games da série. O ambiente da Animus não precisaria nem de Desmond, Ezio ou Altäir, poderíamos conhecer novos personagens dentro da mitologia já estabelecida pela franquia
Por tudo o que apresentamos aqui, acreditamos que filmes baseados em games ainda podem dar certo. Com mais gente comprometida com um jogo, apaixonada por uma ideia e menos interessada em lucros, pode ser que ainda vejamos uma boa safra de filmes baseados em games, como hoje em dia já acontece com (boa parte) das adaptações de quadrinhos.
Mas somente o futuro irá revelar se Hollywood está mesmo disposta a melhorar e aprender com seus erros. Por enquanto, precisamos continuar nos envergonhando com filmes medíocres, que apresentam visual de primeira e história de quinta.