Análise Arkade: Cooperação e rivalidade rendem bons momentos de diversão em Gauntlet (PC)
Se você curte games como Diablo 3, Torchlight 2 ou até mesmo Path of Exile, talvez você não saiba mas, além dos RPGs “tradicionais”, eles têm outro ancestral em comum: trata-se de Gauntlet, um hack n’ slash que fez sucesso nos fliperamas da Atari na década de 1980 e que é considerado o precursor dos dungeon-crawlers multiplayer.
Hoje, quase trinta anos depois, eis que a Arrowhead (conhecida pela irreverente e divertida série Magicka) assumiu a responsa de trazer o clássico de volta para a nossa geração. Nós jogamos o reboot Gauntlet (2014), que leva o mesmo nome do original e está sendo vendido pela WB Games no Steam, para descobrir como ele se sai.
Estilo old school
Para entender do que Gauntlet se trata, imagine uma régua feita para medir jogos que misturam RPG e ação. Diablo III, cuja análise da versão PS4 nós publicamos na semana passada, estaria no meio dela. Jogos mais focados na narrativa e na construção de personagens como os da série Baldur’s Gate estariam do lado “RPG” e no extremo oposto teríamos Gauntlet, no lado “ação”. Ou seja: o game pode ter um ou outro elemento de RPG e ser ambientado numa versão genérica de fantasia medieval, mas seu DNA é puro arcade. Você vai escolher um personagem pré-definido, se juntar ou não a mais três jogadores e detonar hordas e hordas de criaturas malignas em cavernas, tumbas e calabouços.
Desde o início essa pegada arcade fica bem clara, com diversas referências aos bons tempos dos fliperamas. Coisas como a opção simbólica “Insert coin” na hora de escolher um personagem ou sons típicos de videogames antigos, como um “plim” quando você pega um prato de comida para recuperar sua vida, estão presentes. Tem também uma opção gráfica que aplica um filtro retro no jogo e dá a ele uma aparência pixelada. Nostalgia por nostalgia, porém, eu sinceramente não curti jogar no tal modo Clássico, até porque o visual que vem de fábrica é um dos pontos positivos deste novo Gauntlet.
O game apresenta gráficos muito bons, acima da média em alguns pontos. Apesar de alguns usuários terem encontrado glitches bizarros, no geral o que temos são texturas bem definidas, animações fluídas e detalhes e objetos muito caprichados, como ossadas de criaturas pré-históricas, sarcófagos e armadilhas sinistras espalhados pelos cenários.
Para completar, a Arrowhead fez questão de incluir no jogo sua tradicional irreverência. Dicas do tipo “Se beber não dirija” (?!) ou “Você sabia que dicas são mostradas na tela de loading?” se revezam com dicas reais enquanto o jogo carrega entre uma fase e outra, e o repertório de falas dos personagens, embora repetitivo, volta e meia rende tiradas bem-humoradas.
Assim, sem jamais se levar mais a sério do que deveria e embalado por uma música que mistura batidas retro com a trilha sonora de filmes tipo Conan: O Bárbaro, Gauntlet é um convite para uma boa rodada de diversão old school, e é nisso que ele se sai melhor, como vamos ver conforme descemos mais fundo em seus calabouços!
Pancadaria em masmorras e cavernas
A aventura começa quando quatro heróis são atraídos e presos em um conjunto de masmorras (o Gauntlet do título, que neste caso remete a algo do tipo “Desafio”) por um mago corrupto chamado Morak. Ele quer que nossos aventureiros recuperem três fragmentos de uma espada lendária em troca de poder infinito e incontáveis riquezas. Em termos de narrativa, não temos nada muito além disso. As escassas cutscenes e diálogos apenas guiam a ordem lógica da história, mas não fazem muito para prender a atenção do jogador. Como fica bem claro, o foco do jogo não é este.
No papel de Thor, Thyra, Merlim e Questor, os jogadores vão abrir caminho “fatiando e cortando” centenas de monstros, escapando de armadilhas mortais e coletando tesouros até o confronto final. Através de três etapas principais (que vão de tumbas faraônicas, cavernas infestadas por orcs e um templo infernal cheio de lava e equipamentos de tortura) e enfrentando seus respectivos chefões, os guardiões dos fragmentos que o feiticeiro tanto almeja, a coragem e a proeza em combate dos personagens serão constantemente testadas.
Thor é o Guerreiro do grupo, um típico bárbaro cabeludo que usa seu machado e muita força bruta para derrotar os inimigos. Thyra é a Valquíria, uma lutadora disciplinada e vingativa que usa espada e escudo para atacar e se defender. Já o Elfo Questor é o arqueiro, o mais veloz, capaz de disparar uma chuva de flechas à distância e usar artimanhas como armadilhas explosivas para acabar com os adversários.
E finalmente temos Merlin, o menos convencional dos personagens. Enquanto os outros têm comandos mais ou menos semelhantes (ataque normal, forte, algum tipo de esquiva e um especial), o Mago tem apenas um botão de ataque. Seus demais comandos equivalem a elementos (fogo, gelo e raio) que o jogador combina em pares para criar habilidades mágicas. A combinação fogo+raio, por exemplo, cria uma poderosa bola de chamas que pode ser arremessada de longe, enquanto a combinação gelo+gelo é um raio contínuo que deixa os inimigos lentos e causa dano moderado, útil para retardar o avanço de uma horda. São nove habilidades ao todo (para quem joga ou já jogou Dota, ele lembra o Invoker).
Todos eles são divertidos à sua maneira. Os golpes de todos eles, em geral, têm efeitos de impacto legais e vêm acompanhados de sons e animações bastante bem feitas. Eles se encaixam em sequências prolongadas, formando combos e rendendo mais pontos. E, claro, os ataques derrubam, dilaceram e explodem as dezenas de múmias, esqueletos, orcs e demônios que você enfrenta a cada desafio.
Os heróis ainda podem comprar relíquias e equipar duas delas por vez (há dez no total), cada uma dando uma habilidade extra para ajudar na hora da treta. O Freeze Ring congela todos os inimigos próximos, enquanto a Golden Feather transforma monstros furiosos em indefesos perus. Ainda é possível melhorar cada uma delas três vezes, aumentando sua potência e área de efeito. Só que é bom usá-las com sabedoria, pois cada ativação consome um pote azul, um item que não é dos mais abundantes no jogo.
Além das relíquias, os personagens também ganham Masteries, melhorias conquistadas enquanto se joga. Mate 2 mil orcs e você terá 10% de dano a mais contra eles. Quebre quinhentos objetos e você terá mais chances de achar ouro, e assim por diante. Cada uma delas vai do nível bronze ao ouro quanto mais o jogador mata e destrói coisas. É uma forma simples mas que funciona, dentro do contexto do jogo, de fazer um personagem progredir.
Os mapas em geral são bem bolados e o avanço acompanha naturalmente o ritmo da pancadaria, mas eles não ofereçam muito o que explorar e trazem um ou outro “falso-puzzle” (aquele tipo de quebra-cabeça que não te leva a estalo nenhum, apenas te faz cumprir x tarefas em uma dada ordem). Ainda assim, o jogo reserva um punhado de truques que dão certo, como um trecho onde há mais portas trancadas do que chaves para abri-las ou passagens secretas que podem ser desbloqueadas com barris explosivos – se você se ligar e não estourar todos no combate anterior.
As fases também têm algumas variações que tornam o ritmo mais acelerado, como uma em que a própria Morte persegue os jogadores em uma corrida macabra até a saída. O grosso do jogo, porém, se resolve em salas que se trancam até você destruir todos os monstros que estão nela, aí o grupo avança, fica trancado de novo, repete o processo. A questão é que Gauntlet sabe usar essas coisas simples para criar situações divertidas e desafiadoras.
Veja desta forma: pode ser fácil lidar com um pilar que invoca monstros enquanto não é destruído, atropelar um grupinho de meia dúzia de monstros ou se esquivar de projéteis inimigos isolados, mas quando Gauntlet mistura e multiplica essas coisas, entupindo sua tela de perigos, ele proporciona momentos de muita ação e adrenalina. Desafios e comandos simples vão se juntando para criar situações tensas, que exigem muita criatividade e improviso dos jogadores que quiserem sobreviver.
Este é um dos pontos fortes de Gauntlet, e não poderia deixar de ser, afinal o sangue dos hack n’ slash primordiais corre forte nas veias do reboot: você será completamente cercado por seres malignos e, no desespero, vai apertar todos os botões existentes e inexistentes do jogo, provavelmente numa ordem bizarra, hilária e quase sempre brilhante. E não importa o quão maluco e desenfreado foi o combate, você vai se sentir o mestre no fim dele.
Mesmo acertando em cheio neste ponto, infelizmente o jogo acaba se tornando repetitivo após as primeiras rodadas, por falta de variedade de inimigos e desafios. Gauntlet tende a repetir demais os mesmos desafios, com pequenas variações, ao longo de suas cerca de 30 fases. Assim o jogo se torna previsível muito cedo, com perigos e situações que rapidamente ficam manjadas, e toda a criatividade que ele incentiva tão bem nos primeiros momentos acaba perdendo o brilho depois de um certo tempo.
Eu diria que este é o maior defeito do game: ter acertado a fórmula mas errado na medida. Ele é muito bom no que apresenta, mas uma variedade maior de inimigos, cenários e desafios não é apenas um plus desejável, é algo que faz falta. Antes mesmo de terminar o game, eu tive a sensação de que já tinha visto tudo: em cerca de seis horas é possível zerar o jogo na dificuldade normal. Assim, o fator replay fica por conta das dificuldades mais altas (que aumentam bastante o tempo de jogo), das Masteries a serem completadas e do modo multiplayer do jogo – e é nele que está o espírito de Gauntlet.
Com amigos como estes…
A exemplo do original, Gauntlet é um jogo focado no multiplayer, com suporte para até quatro jogadores. O jogo funciona através de salas que podem ser criadas por qualquer jogador e abertas para o público ou fechadas para amigos. Ele também tem uma opção de jogatina local para LAN Houses ou redes “caseiras”, além de ter um sistema de busca rápida por salas que funciona bem.
As masteries e relíquias conquistadas e compradas valem tanto para o multiplayer quanto para o singleplayer (falar a verdade, o jogo sequer tem uma distinção entre os dois, visto que a ideia de singleplayer dele é basicamente um jogador criando um lobby e jogando sozinho). Quando outras pessoas se juntam à experiência, o que temos é basicamente o ótimo combate do jogo multiplicado por quatro.
As habilidades dos heróis têm ótima sinergia, e permitem aos jogadores enfrentarem situações cada vez mais tensas. O Mago pode conjurar uma bola de gelo que retardará os inimigos enquanto o Guerreiro os detona, e a Valquíria pode segurar monstros mais casca-grossa com seu escudo enquanto o Elfo enche eles de flechas, apenas para dar alguns exemplos. Os demais elementos do jogo se juntam a isso para render boas horas de diversão cooperativa.
Bem, a não ser por um detalhe: a palavra “cooperação” nem sempre é a mais adequada para descrever uma rodada de Gauntlet. Isso porque apesar de ter todo esse lado de quatro aventureiros desbravando masmorras, trabalhando juntos e vencendo os piores inimigos, o game também tem pitadas de rivalidade indireta. Um exemplo: em praticamente todos os cenários pinta um monstro usando uma coroa. Ao morrer ele deixa essa coroa cair, e ela pode ser pega por um dos heróis. Quem chegar até o final da fase com a coroa tem um bônus de ouro e, apesar desse bônus não ser tão grande assim, é hilário ver os jogadores disputando para ver quem fica com ela. Uma porrada de um monstro faz com que o herói a derrube, o que em 99% dos casos acaba numa situação com todos os jogadores correndo desesperados para ver quem a pega primeiro.
Também é possível destruir a comida encontrada pelo cenário, inclusive quando um “amigo” moribundo e necessitado estava prestes a pega-la, em um evento clássico que é prontamente zoado por Morak (que nestas situações atua como narrador). Outras coisas como o uso irresponsável dos barris explosivos ou o fato de que é possível ativar algumas armadilhas “na cara” do outro jogador geram situações muito engraçadas que vão testar a amizade até mesmo dos grupos mais unidos.
E, claro, além dessas jogadas sacanas, também temos as tradicionais situações espontâneas “bobas” (mas quase sempre engraçadas) que acontecem quando dois ou mais jogadores se juntam em qualquer game. Tipo esse cara que parece estar com dificuldades para colocar uma estátua no único encaixe disponível…
Veredito
Com combate simples mas empolgante, boa resposta dos comandos e belo visual, Gauntlet é uma ótima pedida para quem procura uma dose de diversão old school ao lado dos amigos. Apesar de algumas falhas na interface e bugs esporádicos, da ausência de opções para conversa no multiplayer e do conteúdo que tende a se tornar repetitivo, as Masteries, rankings e dificuldades mais altas podem manter os jogadores ocupados e se divertindo por tempo suficiente para fazer valer o preço de R$ 36,99 (ou R$ 106,99 na oferta de quatro “cópias”). O jogo tem suporte para controllers e localização em português (Portugal). Só fique esperto para não deixar a coroa cair!