Voice-Chat Arkade: será que o futuro dos games é free-to-play?
Os jogos free-to-play estão se tornando um dos ramos mais lucrativos do mercado de games. É uma tendência que já se fortaleceu no PC e promete chegar também aos consoles da próxima geração. A jogatina está mudando, mas uma coisa continua a mesma: a casa sempre vence.
Recentemente, publicamos uma matéria abordando a decisão da EA de implementar microtransações em todos os seus jogos (que por sinal já voltou atrás nessa história). O assunto rendeu uma boa discussão e nos chamou a atenção para algumas mudanças que estão acontecendo no mundo dos games, e que começaram em parte com o “inocente” modelo free-to-play, os famosos jogos gratuitos.
E não estamos falando de games simples de browser (que também exploram micropagamentos). Estamos falando de games robustos, capazes de competir com os grandes títulos do mercado. Planetside 2, Star Wars: The Old Republic, DC Universe Online e World of Tanks são alguns dos títulos que exploram esse modelo. League of Legends, o moba gratuito da Riot Games, já ultrapassou a marca dos 30 milhões de jogadores e se tornou um dos games mais jogados do mundo.
O free-to-play evoluiu e deixou de ser apenas uma alternativa para as produtoras menores criarem seus games. Por incrível que pareça, os jogos gratuitos e as microtransações se transformaram em um dos negócios mais lucrativos do mercado de games, e isso não passou despercebido pelas grandes empresas.
Para se ter uma ideia, recentemente o CEO da Crytek (famosa pela série Crysis), Cevat Yerli, declarou que todos os games da empresa serão free-to-play num futuro próximo, e esta nova fase já começa em breve, com o shooter online Warface. E ele foi além, dizendo que “após os próximos dois ou três anos, o modelo free-to-play vai rivalizar diretamente com o comércio padrão”.
A Crytek não está nessa onda sozinha. Mesmo sem declarar abertamente, a Blizzard já anda testando microtransações faz um tempo, através da Casa de Leilões do Diablo III (a empresa fica com uma parte da grana negociada entre os jogadores).
A Valve, considerada umas das únicas empresas realmente independentes da indústria, já explora o microcomércio de itens digitais desde que transformou Team Fortress 2 em free-to-play. Até o Playstation 4 foi desenvolvido com esses novos modelos de negócio em mente! A lista vai longe, e só deve aumentar nos próximos anos, chegando também aos demais consoles.
As empresas simplesmente querem ganhar mais dinheiro lançando jogos de graça. Para entender essa jogada irônica (que soa quase contraditória) da indústria, uma coisa precisa ficar bem clara: não existe esse lance de jogo “gratuito”! São raríssimos os games que oferecem diversão de qualidade sem cobrar absolutamente nada ou monetizar nossa jogatina de alguma maneira.
A verdade é que a maioria dos jogos grátis são baseados nas tais microtransações, ou micropagamentos, uma forma de comércio eletrônico muito associada aos games, que se popularizou graças à internet e que se baseia na venda de produtos digitais por preços aparentemente irrisórios. Você pode instalar o game de graça, sim, mas para curtir tudo o que ele tem a oferecer, você precisa pagar.
Isso não é novidade, e vem dando tão certo que não é de se estranhar as produtoras de olho na próxima grande cartada do mercado de games. A nova modalidade de consumo digital é baseada em fazer o jogador desejar algo que está disponível no game, mas que precise pagar para usar. O pensamento por trás disso é algo do tipo: “vamos produzir pequenas doses de conteúdo e vendê-las separadamente. Quanto mais o público curtir algo do jogo, mais nós venderemos”.
Lembra um pouco o conceito de desafio que veio dos fliperamas antigos. Quanto mais perto do final, mais difícil ficava o game. Como você já estava no fim e como matar aquele chefão filho de uma boa mãe era uma questão de honra, não dava outra: “moça, me vê mais dez fichas, por favor”! O mesmo desejo de jogar mais, de completar, de vencer o jogo (algo que se aplica de certa forma em jogos de azar, como poker e todo tipo de jogo de cassino), é explorado nesses games grátis.
A diferença é que as “fichas” digitais agora permitem comprar todo tipo de acessórios, desde chapéus mexicanos e espadas coloridas, até armas melhores, novos mapas e novas roupas para os personagens. A recompensa é a personalização, e em alguns casos a vantagem sobre os adversários.
“Beleza. Eu não me importo, não ligo para chapéus mexicanos, espadas rosa-choque e todas essas tralhas”. Nem a gente (bem, sombreiros até que são legais…), mas e quando essa espada é dez vezes mais forte que a normal? Ou quando o chapéu tem um significado importante para a história?
Aqui entram dois grandes problemas. Primeiro, quando os itens adicionais deixam o jogo injusto (principalmente no modo multiplayer). Sabemos que diversão e injustiça não combinam. Segundo que, de tantas coisas adicionais, o jogador pode acabar sentindo que a jogatina dele está incompleta (algo que ressaltamos em nossa análise de Age of Empires Online, jogo que usa e abusa das microtransações).
O que algumas empresas parecem não entender é que o sucesso desse modelo depende também de quão bom é o game em si, o conteúdo “gratuito” original. Muitas delas fazem o jogador escolher entre passar 40 horas jogando para ganhar um único acessório ou pagar um dólar e ganhar o kit completo, na hora.
A forma como as empresas exploram esse negócio varia muito, desde sacadas inovadoras como a da Valve, que permite o comércio de itens criados pelos próprios jogadores sem afetar o game, até cartadas duvidosas de empresas como a Wargamming do The WarZ, que aumentou o tempo para um personagem reviver para quatro horas e ao mesmo tempo colocou a venda um item para reviver instantaneamente.
No final das contas, o free-to-play é mais uma forma das empresas conseguirem lucro e, se não funcionasse, podem ter certeza que elas não estariam investindo nisso. Para se ter uma ideia, se um jogador quiser comprar todos os itens de Planetside 2, ele terá que desembolsar nada menos que US$ 327, equivalente a R$ 620,00. E acredite, tem gente que compra. Um conjunto completo de itens para um herói de Dota 2 pode custar R$ 67,99, e é muito comum ver jogadores exibindo esses itens.
Imagine vender apenas R$ 5 reais para cada jogador. Agora, multiplique isso por 30 milhões. É uma base razoável para entender o potencial desse negócio. Toda empresa tem o direito de buscar o lucro e de competir no mercado. É para isso que elas existem, certo?
Ainda assim, nós temos toda a razão de nos preocupar quando as produtoras começam a empurrar um monte de produtos adicionais em algo que, em tese, era para ser de graça. Nós trabalhamos, nossas famílias trabalham. Aquele chapéu pode ser digital, mas o suor é bem real, e o que menos queremos é um jogo incompleto onde a maior parte das coisas legais têm que ser compradas separadamente.
Isso fica ainda pior quando nossas franquias favoritas começam a ser ameaçadas por conceitos mercenários. Já pensou? Você entra em um game esperando uma grande aventura, e ao invés disso sai com a sensação de ter passado horas perdendo grana num cassino.
É cedo para tentar prever até que ponto isso vai influenciar as franquias mais famosas e os games em geral, mas é seguro dizer que os jogos gratuitos devem desempenhar um papel importante daqui pra frente, principalmente com a chegada na nova geração de consoles, que deve ser bastante “amigável” para este formato.
Os games estão mudando de produtos estáticos, finalizados, para experiências dinâmicas, atualizadas constantemente e altamente personalizáveis. Se essa mudança será boa para nós gamers, vai depender de duas coisas: o respeito que empresas têm (ou não) pelo seu público e a nossa postura como consumidores conscientes. Games free-to-play podem ser bons sim, só não vamos deixar que isso vire exploração! Qual a sua postura neste caso?
(Texto original de Daniel Zimmermann, com base em informações do site PC Gamer)