Voice-Chat Arkade: a violência pode atrapalhar o significado artístico de um jogo?
O estrondoso sucesso de Bioshock Infinite ecoou pela mídia inteira nas últimas semanas. Entre outras coisas, o game levantou um debate sobre até onde a violência pode interferir na qualidade de um game. Será que a nossa glorificação da violência anda maior do que pensávamos? Confira aqui nossa opinião sobre o tema!
Bioshock Infinite tem sido o centro das discussões desde que foi lançado, graças à sua ambição ao expor temas como racismo, excepcionalismo americano, ultranacionalismo e até religião. Tudo calculado cuidadosamente pela Irrational Games para realmente levantar estas discussões no nosso meio de entretenimento, os games.
Um meio de entretenimento que por sinal necessita desesperadamente de um debate mais significativo. Seria bom reafirmar que a nossa cultura pode transmitir uma mensagem, assim como todas as outras.
Uma crítica forte que muitos andam argumentando é que existe um teor exagerado de violência em Bioshock Infinite, e que isso ofusca qualquer tipo de mensagem que a Irrational Games queria expressar.
Como é possível debater assuntos tão delicados se a cada dez minutos o jogador pode explodir, eletrocutar, evaporar e espancar um inimigo até a morte das formas mais grotescas que o jogo tem a oferecer?
Para um jogo como Bioshock Infinite, isto é uma pergunta que muitos tendem a fazer, e que realmente demonstra como a Irrational procurou balancear a jogabilidade típica de jogos de grande orçamento com uma narrativa profunda e interessante.
É realmente peculiar que um game desta categoria precise de uma jogabilidade genérica para atrair o público e maximizar seus lucros. Porém, falar que um jogo não consegue transmitir seu significado só porque ele utiliza a violência é um grande erro. Na verdade, essa temida violência pode até intensificar a mensagem que os desenvolvedores querem comunicar ao jogador.
Nos últimos anos, quando um jogo buscava um conceito mais artístico, os desenvolvedores raramente focavam na violência. Braid, Dear Esther e Journey são exemplos de como casar a história com uma jogabilidade divertida sem utilizar violência ou qualquer meio de conflito excessivo. Braid continha a jogabilidade usual de um jogo 2D plataforma, mas a ideia de voltar no tempo complementava perfeitamente o que realmente Jonathan Blow queria apresentar.
Dear Esther, por sua vez, permitia somente a movimentação do jogador em uma ilha, apresentando a história exclusivamente através da exploração. Journey conseguiu contar muito mais que uma simples jornada, graças à sua movimentação fluída e aos impressionantes visuais implementados pela Thatgamecompany: o game nos mostrou uma história expressiva e eloquente sem dizer uma única palavra.
Graças a jogos como estes, a ideia de criar experimentos artísticos na nossa indústria mostrou-se possível. Isso logo ficou evidente com vários games que buscaram reunir profundidade, originalidade, jogabilidade divertida e histórias interessantes como meios de se passar uma mensagem.
A própria cultura da violência que temos hoje em dia começou a ser alvo de críticas. A principal delas diz que a maioria dos jogos utilizam a brutalidade visual para atingir um público maior, e eventualmente ter mais sucesso financeiro.
E por causa desta crítica, muitos jogos começaram a “perder a validade” diante do público em geral e dos próprios gamers. Far Cry, Fallout, Max Payne, Grand Theft Auto e vários outros jogos acabaram recebendo mais atenção do público pela violência do que por uma história bem feita.
Tudo bem que não se pode culpar somente os gamers e a mídia em geral, já que os próprios produtores tendem a glorificar momentos violentos nestes jogos: cabeças explodindo em milhões de pedaços em câmera lenta, balas rasgando o torso dos inimigos e facadas no pescoço ganham destaque em muitos games.
Com todos estes momentos icônicos e extremamente usuais nos videogames, não é fácil apontar um único culpado quando todos estão adorando cada minuto de violência.
Mas dois jogos no ano passado decidiram criticar brilhantemente a glorificação da violência nos videogames. Primeiro temos um jogo que passou despercebido por muitos pela sua jogabilidade considerada genérica, mas que trouxe uma história surpreendente e muito interessante.
Spec Ops: The Line conta a história da cidade de Dubai após ela ser atingida por uma imensa tempestade de areia, e de um pequeno grupo de soldados americanos que tem a missão de investigar o paradeiro do 33º Batalhão e de seu Coronel, John Konrad.
A premissa inicial é simples, mas com o decorrer da história tudo se torna muito maior que um simples jogo de guerra, tendo sua maior inspiração no livro Heart of Darkness (assim como a famosa obra prima do diretor Francis Ford Coppola, Apocalypse Now), que foca em temas sobre a natureza humana e sua dualidade entre fazer o bem e o mal, especialmente em diferentes perspectivas.
Sem entregar o final, Spec Ops: The Line consegue surpreender qualquer um e realmente critica a nossa cultura gamer ao questionar o verdadeiro motivo pelo qual estamos naquele mundo virtual atirando, mutilando e matando brutalmente.
Em um caso parecido, temos a Dennaton Games, famosa por implementar uma estética vibrante, uma forte trilha sonora e uma mecânica que realmente intensifica a ideia de adrenalina ligada aos instintos selvagens e à violência.
Em Hotline Miami temos um protagonista sem nome – cujos fãs apelidaram de Jacket -, a sua jornada sanguinária e suas criativas formas de matar. A história começa com Jacket aprendendo a matar e logo depois usando todas as suas habilidade para acabar com inimigos em diferentes cenários, tudo por ordens de um grupo desconhecido que entra em contato com ele pelo telefone do seu apartamento.
No decorrer do jogo a história de Hotline Miami fica cada vez mais interessante e peculiar, vários eventos começam a tomar caminhos totalmente diferentes e seu final é tão espetacular que é obrigatório analisar todas as vias apresentadas. No entanto, o maior fator do game não é a sua forma de contar a história, e sim seu exemplo de como embalar ela em uma divertida jogabilidade.
Hotline Miami não se vale somente da rápida jogabilidade, mas sim de uma interessante combinação de quase todos os sentidos que alguém pode utilizar ao jogar.
Primeiramente temos a sua rápida e viciante trilha sonora, com batidas repetitivas que casam perfeitamente com os sons “secos” de um bastão de baseball esmagando crânios, o corte visceral de uma faca e as pancadas fortes na cara de alguém até que se torne uma pessoa irreconhecível.
Logo depois temos o tema baseado nos anos 80. Graças a isso, o jogo apresenta fortes cores de fundo, que rapidamente se tornam flashes durante o percurso. E por último o game apresenta um sistema de punição leve, que reinicia a fase em uma questão de segundos após a morte do protagonista, tornando a experiência completa o mais viciante possível.
Todos estes elementos foram cuidadosamente implementados pelos criadores para incitar os instintos mais básicos de violência do jogador, e o melhor de tudo é o momento em que a fase termina.
Quando a matança acaba, a música é abruptamente substituída por um som calmo e sereno, os flashes somem e dão dar lugar a uma tela negra, até que por fim o jogador é obrigado a refazer o caminho até o início, sendo obrigado a ver o estrago que ele fez nos inimigos.
Este momento de retorno é um ponto alto do jogo: ele mostra como o prazer da violência pode atingir qualquer um e logo depois desaparecer. O jogo arranca esse sentimento para depois esfregar em sua cara tudo que foi feito.
Spec Ops: The Line e Hotline Miami são ótimos exemplos de como a violência pode ser utilizada para demonstrar um sentimento, uma critica, uma ponderação, e por fim um comentário sobre a cultura gamer.
Isso nos leva de volta a Bioshock Infinite, um game repleto de temas fortes como racismo, xenofobia, excepcionalismo americano, e o mais importante de todos: como a violência pode reinar sobre um protagonista que teve seu passado imerso nela, e cuja única chance de salvação é voltar para a mesma violência da qual tentava fugir.
Hoje em dia, qualquer pessoa tem os meios para criar o experimento que quiser, e se for interessante e satisfatório o bastante, com certeza terá um futuro brilhante na indústria.
Graças a isso temos tantas opções e formas de contar histórias com significados artísticos que negar o uso da violência como um instrumento para se expressar é um erro: muitas vezes a própria violência é a melhor forma de expressar a mensagem que o criador quer transmitir.
Então, antes de criticar a violência de um jogo, vamos analisar profundamente o verdadeiro significado de cada elemento apresentado pelos criadores. Somente assim poderemos avançar como um meio artístico e, como consequência, receber jogos mais interessantes como Braid, Hotline Miami, Spec Ops: The Line, Journey e Bioshock Infinite.
E você, caro leitor, o que acha desta proposta? A violência é realmente uma muleta para produtores que querem um lucro maior, ou é um recurso que, bem utilizado, pode se transformar em formas cada vez mais interessantes para a cultura? Deixe sua opinião nos comentários!