Tribuna Arkade: O que é Gamergate? E por que eu deveria me preocupar com isso?
Gamergate é um movimento de difícil compreensão. Assim como qualquer organização de pessoas que cresce subitamente, as ramificações e o idealismo base do projeto acabam se fragmentando e se desvirtuando no meio do caminho. Vide o exemplo das manifestações que tomaram o país no ano de 2013, existiam pessoas inteiradas em aspectos divergentes e, ainda assim, “teoricamente” lutando por uma mesma causa. É exatamente o que anda acontecendo ultimamente no mundo dos games. Mas calma, vamos do começo, muito antes da criação do Gamergate.
Os jogos eletrônicos deixaram de ser apenas uma forma de entretenimento, há algum tempo. Começaram a ser tratados como obras complexas, envolvendo assuntos pessoais sérios tais quais aborto, sexualismo e depressão. Logo, a identidade dessas produções começou a ser assunto de discussões ideológicas concomitantemente ao desenvolvimento da liberdade (anônima) de expressão gerada pela a internet. Anita Sarkeesian é um fruto desta evolução da retórica atual.
Em 2012 após o sucesso da sua campanha KickStarter para começar uma nova websérie (já que o Feminist Frequency começou em 2009), ela começou a ficar mais conhecida como um expoente feminista na web, usando argumentos para questionar peças de entretenimento já aceitas pelo grande público e o sexismo contido nas mesmas. Aí que se deu início a interminável batalha entre uma parcela de “gamers” haters e a garota ativista. As agressões que ela sofreu vão de ameças de morte e inúmeras atrocidades e injúrias físicas, até tentativas de ataques DDOS ao seu site.
Em agosto desse ano, um novo acontecimento gerou alvoroço na comunidade. Zoe Quinn, desenvolvedora do Depression Quest (jogo indie autobiográfico que explora as dificuldades de se viver com a depressão), foi o alvo de uma rajada de comentários sexistas. Tudo por conta de uma publicação de seu ex-namorado (Eron Gjoni) acusando-a de suposta traição com Nathan Grayson (escritor da Kotaku-UK) – o que teria sido o motivo da positiva análise sobre o seu jogo. Foi aí que, da revolta incontrolável de uma pequena parcela, surgiu o movimento Gamergate (uma clara alusão ao escândalo de Watergate) com o intuito de “desmascarar” o jornalismo de games e questionar a ética da indústria. É aí que as fontes divergem, tal qual um roteiro fraco de filme de conspiração. Existe a vertente que diz que ele foi engenhado por usuários do 4Chan por aqueles que miravam a integridade de Quinn e a da mídia. E existe outra que diz que a mídia estaria se organizando “por baixo dos panos” para controlar a informação e manipular a opinião pública através de uma lista de e-mails secreta.
O que, ao longo do tempo, foi divulgado junto à hashtag #Gamergate, além das injúrias sexistas daqueles que iam de encontro ao grupo, foram as conexões e abusos éticos relacionados à indústria dos games. Como fraude em premiações independentes, associando juízes como investidores dos jogos vencedores, desenvolvedores que apoiavam o movimento sendo colocados em lista negras em grandes sites de jornalismo gamer e boicotes a projetos para o favorecimento de alguém já inserido no meio.
Pois então você me diz, “Agora sim entendo o que anda acontecendo, mas em que isso me atinge?”. Se lembra quando ao citar os haters machistas, eu usei a palavra “gamers” entre aspas? Então, sinta-se incluso nessa. A identidade do que é ser gamer está vindo à tona como principal discussão no meio de tudo isso, o que atingirá você e aquele seu amigo viciado em Minecraft. Assim como citei as manifestações no Brasil em 2013, que por muito tempo foram vistas como um ato de marginais, devido a pequena parcela(a “melhor” a ser mostrada) ditar as regras na grande mídia, o mesmo se repete aqui. Ainda aqueles que tentaram preservar o movimento, levantando uma nova bandeira do #NotYourShield informando que não seriam a proteção para tamanho cyberbullying, não conseguiram deter a repressão dos fakes de twitter(chamados de sockpuppets). A identidade está se generalizando, como disse Leigh Alexander para o Gamasutra:
“Gamer” não é só um rótulo demográfico que, cada vez mais, as pessoas preferem não mais usar. Ser gamer acabou. É por isso que eles estão tão loucos. Esses obtusos vomitadores de merda, esses hyper-consumidores chorões, essas crianças argumentadoras de internet – eles não são minha audiência. Eles não precisam ser a sua. Não existe um “lado” ao qual escolher, não existe um “debate” para se ter. Existe o que ficou no passado, e o que há agora. Existe o papel que você escolher para jogar o que vier a seguir.
Com a recente ameaça de fuzilamento em uma palestra da Sarkeesian em Utah, houve uma nova vertente daqueles que não mais aguentavam a tamanha opressão e assim surgiu a mais nova hashtag #StopGamergate2014. O fato do movimento Gamergate ser usado tanto pelos mais equilibrados e sensatos quanto pelos mais reacionários e hostis, concentrando tanto perspectivas legítimas quanto pura agressão gratuita, mostra o quão difuso e desorganizado tem sido o diálogo entre ambas as partes. E, neste esse turbilhão de opiniões, denúncias e ofensas, a coisa mais evidente é que, tudo isso, parece ser apenas reflexo do sexismo latente e institucionalizado que permeia a comunidade de games – e, bem, todo o resto do mundo – numa saída fácil de colocar a culpa na cultura. Afinal, o problema não está num movimento, numa iniciativa, ou numa organização, mas sim nas pessoas. Este é o maior problema de se ter um grupo homogêneo calcado numa cultura machista e sem novas perspectivas. No dia que a GG acabar, e as ameaças não… Em quem colocarão a culpa?