Análise Arkade: Hellblade Senua’s Sacrifice é um passeio sombrio pela mitologia e pela psique humana

8 de agosto de 2017

Análise Arkade: Hellblade Senua's Sacrifice é um passeio sombrio pela mitologia e pela psique humana

Uma guerreira celta em uma jornada para salvar sua própria sanidade. Esta é a premissa de Hellblade Senua’s Sacrifice, gamer que chega HOJE e a gente já jogou, confira nossa análise!

Uma jornada sombria

Não pense em Hellblade Senua’s Sacrifice como um “God of War“, nem nada do tipo. O tom da história de Senua é muito mais sombrio, por um motivo muito simples: a guerreira é esquizofrênica. E isso é um fator determinante na história, pois o tempo todo fica a dúvida se o que acontece é real, ou são coisas criadas pela mente perturbada dela.

Análise Arkade: Hellblade Senua's Sacrifice é um passeio sombrio pela mitologia e pela psique humana

Senua é uma guerreira celta, que desde criança foi hostilizada por “ver o mundo de uma forma diferente”. Quando perde uma pessoa muito querida, ela decide encarar seus medos e psicoses para embarca em uma jornada introspectiva e perigosa por um submundo infernal cheio de monstros e runas mágicas.

Um detalhe bacana é que sempre fica claro que psicólogos e especialistas ajudaram na concepção da personagem, para tornar sua esquizofrenia autêntica e realista. Hellblade trata de um tema delicado que embora misturado com elementos fantásticos e mitológicos, sempre mantém um pé na realidade. O que é ótimo, afinal a esquizofrenia é algo real, que acomete pessoas reais.

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A esquizofrenia de Senua não é sobrenatural, nem mística, é uma doença mental grave, e a forma como a jovem foi tratada ao longo de sua vida só piorou seu quadro, tornando-a reprimida, frustrada e com medo de si mesma.Não há nada de místico ou sobrenatural na condição da guerreira, ela simplesmente tem distúrbios mentais e terá que enfrentar seus demônios se quiser ter um pouco de paz.

Procurando Runas

Não venha esperando um jogo de mundo aberto cheio de missões e sidequests: Hellblade é um jogo muito mais linear e direto. Senua segue sempre em frente, encontrando runas para abrir portas e enfrentando guerreiros e criaturas medonhas.

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Esta é meio que a rotina que o game estabelece: você caminha um pouco por um ambiente relativamente linear — que pode ser uma floresta, uma praia, uma masmorra — até chegar em uma porta marcada com runas. Para liberar a passagem, você deve encontrar formas correspondentes às runas ao seu redor, “camuflados” em elementos do cenário, vez ou outra precisando descobrir como chegar até runa.

Tipo assim, ó:

Legal, né? O único problema é que a Ninja Theory parece ter gostado demais da brincadeira, pois quase todas as portas “importantes” do jogo estão lacradas por runas, e envolvem este “mini-game” de buscar os símbolos pelos arredores, brincando com perspectiva, luz e sombra, reflexos, etc. Não é algo ruim nem essencialmente difícil, só fica chato depois de um tempo.

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Galhos, reflexos, sombras e pedaços de pau podem formar as runas.

Além desta repetição se tornar entediante, este também não é um jogo disposto a ajudar o jogador: há momentos em que olhar através de certos objetos distorce a realidade, podendo abrir caminhos onde antes havia uma parede sólida. O problema é que o jogo nunca nos mostra de fato como isso funciona, de modo que o jogador precisa estar muito atento se não quiser acabar “travado” em algum lugar simplesmente porque não entendeu como esta mecânica funciona.

Deixo um exemplo abaixo:

Ok, aqui eu estava olhando diretamente para o ponto, mas esse tipo de mudança pode acabar passando batida se você estiver jogando sem prestar muita atenção aos detalhes. E você provavelmente vai ter walkthroughs e detonados à sua disposição, mas eu joguei antes do jogo ser lançado, e tive que descobrir tudo isso na marra! Confesso que passei muita raiva em alguns momentos, pois nada é super difícil, mas estas mudanças mais sutis dos ambientes podem passar batidas.

Pancadaria e Focus

Entre um pouco de exploração e uma busca por runas, temos também o combate, que é parte importante da jornada. Aqui sai o estilo frenético e acrobático que vimos em outros jogos da Ninja Theory e entra algo mais cadenciado, mais “pé no chão”, até com uma pitada de Souls-like, pois se baseia muito em timing, esquiva e contra-ataque.

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Repare na ausência de huds e barras de energia.

Não há hud, barra de energia, nem nenhum tipo de medidor tradicional aqui. Também não há mini-mapa, marcdor de objetivos, nem tutorial: Hellblade quer que você aprenda a jogar jogando, o que nem sempre parece justo, especialmente porque diversas batalhas começam do nada, com inimigos se materializando bem na sua frente (sempre que Senua pega sua espada, é sinal de treta).

Confira abaixo uma batalha completa contra um dos bosses do game, que também summona alguns inimigos genéricos para complicarem a nossa vida:

Destaque para a mecânica de Focus, que é uma mão na roda, pois deixa os inimigos mais lentos, além de servir para tornar tangíveis alguns inimigos que são meio que feitos de “neblina”. Porém, o medidor de Focus deve ser preenchido através do combate tradicional, então pegar a manha de ataques e esquivas é fundamental.

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Aliás, tendo Focus Senua sempre é capaz de se levantar e continuar lutando, algo que o jogo jamais te explica, mas é bom você saber. Há uma “infecção” escura subindo pelo braço da guerreira, e se ela se alastrar muito, é Game Over e você perde todo seu progresso. Logo, é bom tentar não morrer muito nos combates, se não quiser correr o risco de ter que começar tudo de novo.

Vozes em sua cabeça

Hellblade é um jogo deslumbrante. Ainda que esteja se aventurando pelo mundo independente com Hellblade, a Ninja Theory é uma empresa gabaritada, que já lançou títulos AAA ao lado de algumas das maiores distribuidoras. Este talento típico de desenvolvedora triple A é visível aqui, pois há um capricho ímpar na produção, que coloca este jogo facilmente na lista dos mais bonitos da atual geração.

Tão bonito aliás, que os produtores — uma equipe enxuta de cerca de 20 pessoas — acrescentou ao game um Photo Mode, ideal para os fotógrafos de plantão tirarem screenshots incríveis. Deixo algumas das minhas abaixo:

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Análise Arkade: Hellblade Senua's Sacrifice é um passeio sombrio pela mitologia e pela psique humana

É fácil dizer que um jogo é bonito pelo seu visual, mas aqui temos um caso em que o que ouvimos se destaca quase tanto quanto o que vemos: a debilidade mental de Senua é evidenciada pelas vozes em sua cabeça; as vozes que nós, jogadores, também ouvimos. O jogo sugere que o jogador utilize um bom par de fones de ouvido enquanto joga, e isso realmente enriquece muito a experiência, pois o ótimo trabalho de edição de áudio faz parecer que as bizarras vozes estão na nossa cabeça também!

As vozes na cabeça de Senua são sinistras, cínicas e perturbadoras na maior parte do tempo, mas também podem ser úteis: se você conferiu o vídeo acima, percebeu que enquanto estamos em combate, elas lhe avisarão quando um inimigo for atacar pelas costas, ou quando usar o Focus para afastar a “neblina” dos inimigos. Considerando que a chance de acabarmos rodeados de inimigos é grande, prestar atenção às vozes acaba sendo uma baita ajuda. O áudio deste jogo é envolvente e torna-o ainda mais imersivo e tenso.

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Mesmo sem Photo mode, o jogo é lindo.

Vale ressaltar que o game está 100% legendado em português, mas como vez ou outra há muitas vozes falando juntas, saber um pouquinho de inglês é bom, pois nem todas as falas terão legendas na tela o tempo todo.

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Senua e Melina Juergens: qualquer semelhança NÃO é mera coincidência.

Completa o pacote audiovisual uma trilha sonora incrível, com uma pegada bem tribal, e um trabalho primoroso de captura de interpretação — destaque óbvio para a atriz Melina Juergens, que empresta seu corpo e sua voz para a protagonista –, com personagens bem modelados e expressivos. Há inclusive interações da personagem digital com pessoas reais, e isso funciona melhor do que seria de se esperar. Prepare-se para se emocionar com Senua, se revoltar com as coisas que ela descobre sobre sua própria vida, e se chocar com os sacrifícios que ela faz em busca de auto-conhecimento e redenção.

Conclusão

Hellblade Senua’s Sacrifice é um jogo muito bom, com algumas partes meio chatas aqui e ali. Acredite, brincar com a perspectiva e descobrir as primeiras runas é muito legal, mas você provavelmente já vai estar de saco cheio disso bem antes do fim da campanha — que para mim durou cerca de 10 horas. Apesar desta repetição exagerada de certos elementos, esta é uma jornada que vale a pena ser feita, especialmente pelo capricho com que foi concebida.

Análise Arkade: Hellblade Senua's Sacrifice é um passeio sombrio pela mitologia e pela psique humana

Não é um jogo perfeito, e talvez torne-se entediante mais vezes do que deveria, mas, como em todo bom jogo, o que vai ficar na memória da gente são as partes boas, a superação, a sensação de “missão cumprida”. Senua é uma personagem poderosa, e sua luta pela vida — e pela sanidade — merece ser acompanhada por qualquer gamer que tenha um mínimo de bom gosto.

Aliás, se considerarmos que este é um jogo com qualidade de triple A e preço de indie (só 55 reais na Steam), ele torna-se ainda mais imperdível.

Hellblade Senua’s Sacrifice está sendo lançado hoje, com versões para PC e Playstation 4. Esta análise foi feita com base na versão PS4 do game, em uma cópia antecipada que recebemos da assessoria da Ninja Theory.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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