Análise Arkade: Tyr: Chains of Valhalla é cheio de boas intenções, mas se perde na própria bagunça
A mitologia nórdica está, definitivamente, em alta na cultura pop ocidental. Depois de ganhar bastante espaço a partir de leituras mais livres, como a que a Marvel faz deste universo com o seu Thor nos quadrinhos e, mais tarde, no cinema, chegou o momento onde a indústria dos jogos começa a explorar o potencial ali presente. Jotun: Valhalla Edition se mostrou como uma ótima forma de trazer deuses, mitos, crenças e algo mais profundo sobre Odin, Thor, Mimir, a árvore da vida e todos os mundos que terminam em “hein” para o imaginário popular.
Não a toa, chegamos a 2018 com uma grande convergência de referências a tudo isso: enquanto o universo Marvel nos cinemas culmina com destaque enorme para Thor e o Ragnarök, o novo God of War mergulha nesse mundo de cabeça, deixando para trás suas origens gregas. Definitivamente, a cultura pop está abrindo horizontes para além dos clichês mitológicos tradicionais, mostrando um mundo mais aberto e diverso.
Coincidência ou não, na mesma janela de lançamento destes dois grandes blockbusters nos cinemas e nos videogames, recebemos para experimentar Tyr: Chains of Valhalla, que busca ser inovador em vários aspectos, como apresentar um protagonista diferente do óbvio e um mundo que mistura mitologia nórdica com doses cavalares de tecnologias modernas no melhor estilo cyberpunk. Partindo do estúdio mexicano Ennui Studio, inspirações e referências não são o problema do jogo. Já o resto…
O fim do mundo
Criatividade definitivamente é um dos pontos altos do game. Ainda que beba diretamente na fonte, Tyr não se apropria do óbvio, a começar pela própria ambientação futurista, com tecnologias avançadas, complexos industriais e ambiência remetendo a um futuro cheio de máquinas.
Personagens mais tradicionais também são revistos. Por exemplo, Odin aqui é o Professor Oswald Din (ou O.Din para os íntimos), criador de Tyr. Há aqui uma linha bem definida que remete à franquias como Mega Man e Metroid, inspirações diretas e declaradas do game.
Assim, o jogo cria sua própria versão do Ragnarök. Tyr (muito citado em God of War como a versão escandinava do Deus da Guerra) tem como missão principal impedir L.Oki de destruir a ordem e, principalmente, assumir o grande conglomerado industrial que domina o mundo. Para isso, vai contar com um belo arsenal que mistura armas avançadas e uma boa dose de magia para atravessar os diferentes mundos e vencer rios de chamas, campos congelados e um exército de demônios vikings bem armados.
Todo o contexto é muito bem montado para apresentar uma releitura realmente original. O problema é que todo esse valor de lore se perde em um oceano de escolhas equivocadas, a começar pela própria estrutura de se contar essa história.
Com animações que bebem bastante dos clássicos animes orientais, o jogo logo apela para a saída mais fácil de encher a tela de diálogos textuais com guias que contam tudo ao protagonista. Logo, tudo isso se perde e fica claro que o jogo é cheio de fases baseadas nos mundos nórdicos mais convencionais. E ponto.
Desta forma, logo essa trama política corporativa perde força até não fazer nenhum sentido tentar entendê-la. A construção dentro de cada fase também não ajuda, enchendo a tela com desafios e inimigos que só estão lá para dar trabalho, sem qualquer estruturação lógica. E aí nem os chefões acabam importando, enfraquecendo o ótimo background criado. É como se o roteiro fosse bem pensado como outro produto e abandonado assim que o jogo começa pra valer.
Difícil ou só mal aproveitado?
Uma coisa fica clara logo na fase que abre o jogo de fato (tirando o desnecessário tutorial inicial): é um jogo para dar trabalho ao jogador. Os inimigos iniciais, mesmo os mais comuns, são bem difíceis de cair e precisam de ataques repetidos para serem derrotados, enquanto o protagonista é muito mais sensível. Há outros perigos, como abismos, plataformas e armadilhas e, quando tudo se junta, cada trecho é um verdadeiro desafio. O problema aqui é que a construção não torna isso bom. Só irritante e apelativo.
Explico: em termos gerais, sempre há contratempos que são pensados para desafiar as habilidades do jogador. Aqueles que testam se você realmente aprendeu as mecânicas necessárias para seguir adiante. Contudo, em Tyr, o level design é mal estruturado e acaba só irritando ao invés de provocar. Há, só como exemplo mais recorrente, plataformas que levam a um inimigo posicionado para te matar sem aviso. Ou seja, uma forma bastante simplória de fazer o jogador repetir a passagem só porque não sabia o que estava escondido por um enquadramento deficitário.
O mesmo acontece com frequência na distribuição de inimigos. É bem comum ao longo do game ter que agir de uma certa maneira — pular para atacar, ou seguir um padrão de armadilha — e logo em seguida haver um perigo exatamente para estragar isso, não para que o jogador se adapte, mas sim só para fazê-lo fracassar e tentar de novo. Em outras palavras, não há aprendizado e desenvolvimento de habilidades, e sim um verdadeiro teste de resiliência e de capacidade de repetição.
Piora muito quando os comandos e movimentações são incoerentes com a proposta. Se a ideia é ter uma estrutura no melhor estilo “pula e atira” dinâmico e acelerado, as mecânicas nada mais são do que um atraso. Há opções de elementos principais do ataque: fogo, gelo, eletricidade, e cada um é, teoricamente, mais forte contra cada tipo de inimigo, o que é identificado por um sistema de cores na barra de vida de cada um. Contudo, o mecanismo de se intercalar as diferentes fontes de magia não acompanha a velocidade que seria necessária.
Soma-se a isso um sistema impreciso de tiros, saltos e de reações a obstáculos, uma construção de ambientes bem pouco inspirada e uma direção artística confusa, e o jogo consegue ser uma coleção de frustrações dentro de seu esquema de jogabilidade. Se a ideia é valorizar o replay — é importante que se jogue a mesma fase algumas vezes, inclusive, para se melhorar o personagem para os desafios mais pesados — o resultado é o contrário disso, já que tudo o que se quer é se livrar logo do que ficou pra trás.
Audiovisual bonitinho, mas ordinário
A proposta estética de Tyr: Chains of Valhalla é, como todo o resto, uma série de boas ideias que, juntas, não resultam como esperado. Os belos traços que parecem feitos a mão são, de fato, bem adequados a uma estética 2.5D que valoriza os clássicos jogos de plataforma sidescrollers e que resulta em um protagonista bem estiloso e efeitos visuais bem sofisticados para um jogo indie. Contudo, cenários, magias e inimigos (ou NPCs, de forma geral) pouco acompanham essas virtudes e caem no genérico e esquecível.
Não suficiente, há elementos mais explícitos em 3D, como os chefes de fase, que destoam completamente do que fora apresentado anteriormente. O resultado é que a ideia de uma linguagem de animações mista acaba virando só uma mistureba sem muito critério, quase que uma colagem pouco inspirada. A trilha sonora do jogo não foge desta regra, com uma mixagem que parece não ter sido feita para funcionar com música e efeitos ao mesmo tempo.
No final, dá a sensação que a composição visual é daqueles trabalhos de escola que cada um faz uma parte e, quando juntam tudo no dia da entrega, vira um Frankenstein bizarro. Se considerar jogabilidade e história nesse balaio, o saldo é ainda pior, já que tudo parece muito bem desenhado e planejado na pré-produção, mas quando foram juntar, não perceberam que nada se encaixava direito. A impressão que fica é que faltou refino, faltaram testes, faltou avaliar um pouco mais o conjunto da obra.
Conclusão
Tyr: Chains of Valhalla não é de todo descartável. Há ótimas ideias ali (o nome não é uma delas, aliás) que carecem de um pouco mais de esmero em termos individuais e, principalmente, enquanto partes de um conjunto maior. O background é bem construído, as inspirações estão evidentes — e são boas! — o objetivo parece evidente, mas o resultado prático pouco funciona e precisaria voltar algumas fases do desenvolvimento para correção de rumos.
Isso não significa que o jogo só irrita por ser demasiado difícil, já que há tantos outros bons trabalhos que se pretendem ser desafiadores e conseguem divertir e cativar mesmo quando o obstáculo parece exagerado. O já citado Jotun, para não fugir muito da temática, prova que é possível fazer algo que exige o máximo de empenho para a vitória sem subestimar a capacidade imersiva do jogador.
Tyr, infelizmente, faz algumas escolhas mais fáceis, e por isso peca em propor uma experiência interessante, só conseguindo frustrar justamente pelo potencial que poderia ter.
Se, ao ponderar tudo isso você decidir encarar o desafio, o game está disponível para Playstation 4, XBox One e PC e está totalmente em português brasileiro.