Análise Arkade: arrombe portas e atire nos homens em RICO

23 de março de 2019

Análise Arkade: arrombe portas e atire nos homens em RICO

A frase que dá título a essa análise pode ganhar uma conotação um tanto quanto pejorativa, dependendo da sua interpretação, leitor. Mas antes, uma informação importante: ela é retirada de uma das telas de carregamento do game. Isso significa que antes de mais nada, essa é exatamente a ideia que RICO — novo game da dev britânica Ground Shatter –, quer estabelecer junto ao seu jogador. E, sendo bastante sincero, “chutar portas e atirar nos homens” é exatamente o que o jogo oferece. Nem mais, nem menos.

Isso significa que a experiência do jogador ao explorar o game se resume a uma ação policial muito fácil de se reconhecer para qualquer um que já assistiu filmes policiais ou qualquer série no estilo CSI. A partir da boa e velha perspectiva FPS, você assume o papel de um policial que invade uma área qualquer cheia de salas e antessalas, abre a porta na base da bicuda e elimina quem estiver lá dentro. E, depois disso… faz a mesma coisa de novo, e de novo, e de novo. Se isso funciona ou não, veremos mais adiante.

Análise Arkade: arrombe portas e atire nos homens em RICO

Uma história como outra qualquer

Como um agente experiente que é, o jogador tem como ponto de partida receber uma missão padrão onde o mote é desmontar uma organização criminosa em 24 horas. Os detalhes do caso, os caminhos e as ações que vão levar o jogador à solução é que tem seu charme: tudo é gerado proceduralmente, o que significa que há um sistema de geração de conteúdo dinâmico, tornando cada nova missão algo completamente novo e inédito.

Isso não significa ser randômico, uma vez que há alguns parâmetros muito bem estabelecidos. O tamanho do cenário, a ambientação, a distribuição de inimigos e itens, tudo parece seguir um certo roteiro. Não presenciei, ao longo da jogatina, nenhum layout absurdo com todos os itens coletáveis na mesma região do cenário macro. Tudo parece muito bem desenhado para favorecer a exploração e, de certa forma, o desafio. Mas vi coisas bizarras, como banheiros com 4 portas, uma em cada parede, por exemplo.

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Mesmo assim, há uma sensação de novidade a cada novo passo da investigação em termos de level design. A campanha, a grosso modo, se resume a algo em torno de 10 fases, com certas ramificações onde o jogador decide que nova pista seguir, mas isso não é importante de verdade e o que muda mesmo é o ambiente — uma fábrica, uma área de construção ou um prédio de escritórios. O que se destaca é essa aleatoriedade, que impede qualquer estratégia de se decorar o melhor caminho a se traçar.

Assim, considerando questões narrativas, RICO fica na média (baixa) de qualquer filme genérico que se assiste no Domingo Maior. Agentes combatendo quadrilhas criminosas, recolhendo drogas, apreendendo malas de dinheiro, desarmando bombas e eliminando bandidos sem fazer perguntas. Para o bem e para o mau, nada com que realmente valha a pena se importar. Tal como ver um filme por falta de sono (e de opções), a história é feita como uma desculpa esfarrapada para o tiroteio desenfreado sem qualquer substância.

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Chutem e atirem… e só

Em termos de gameplay, 30 segundos no tutorial são suficientes para se aprender tudo o que é necessário para aproveitar RICO ao máximo de suas potencialidades. Em um ambiente labiríntico, você deve se aproximar de uma porta, chutá-la no melhor estilo espartano e eliminar quem estiver dentro. De preferência, de forma rápida e precisa, aproveitando-se do fator surpresa que gera alguns segundos de slow motion dos adversários e criando aquele efeito manjado (e mesmo assim muito legal) de eliminar todo mundo antes deles perceberem.

Quem jogou o antológico Call of Duty Modern Warfare 2 (ou mesmo algumas outras versões da série nos últimos anos) deve se lembrar de momentos como esse. O esquema “arrebente a porta e elimine os caras maus” se faz presente na missão Breach & Clear, e foi reciclado algumas outras vezes ao longo dos anos.

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É o tipo de coisa que funciona isoladamente, mas construir um jogo todo em torno disso é um tanto limitado: qualquer outro aspecto da jogabilidade é… bem, não é. O jogo é isso. Entre, atire, recolha alguma coisa que estiver lá (um medkit, munição ou provas do crime) e faça o mesmo na sala seguinte. E na próxima. E na outra.

Até há elementos como granadas ou um dash no chão, mas nada substancial de verdade. E é nesse aspecto que o jogo mais deixa a desejar. Mesmo com a geração procedural dos ambientes, ele rapidamente se torna repetitivo jogar por mais de meia hora se você estiver sozinho. Não há estratégia sofisticada, não há diversidade em ações, não há qualquer tipo de expectativa. Jogar RICO significa repetir as mesmas ações de novo e de novo quase que no piloto automático.

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Isso não necessariamente torna o jogo algo menor que experiências FPS de maior escopo. Afinal, como dito na introdução do texto, o game nunca prometeu ser mais do que isso. E sua aposta, além da renovação dos ambientes, não é no sistema de jogabilidade ou na narrativa, mas sim no bom e velho co-op descompromissado de domingo a tarde. Sabe quando você recebe uma visita em casa e quer só ligar o videogame, jogar trocando uma ideia enquanto toma um guaraná barato, sem ter que ensinar comandos complexos ou se importar com o que está rolando na história? Pois é: RICO.

Assim, o grande valor do jogo é a experiência colaborativa. Primeiro, porque se pauta naquele gênero policial de ação popularmente conhecido como buddy cops, que você deve conhecer de filmes como Máquina Mortífera, A Hora do Rush ou Os Bad Boys, ou mesmo de games como Kane e Lynch: Dead Man. Segundo porque é bem mais divertido acertar alguns headshots em câmera lenta e soltando algum bordão cafona com um amigo do lado para dar risada.

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Co-op em tela dividida: um recurso que poucos jogos atuais oferecem

Deste modo, o game se sustenta pela diversão totalmente despretensiosa de agir sem precisar se preocupar com qualquer outra coisa. O que não significa que o jogo seja necessariamente fácil, mas sim que não há muito o que evoluir para além do domínio da sensibilidade dos controles, tipos de armas e formas de exploração mais banais. Não é complexo, mas é sincero. Não é original, mas funciona. Não é ganancioso, mas cumpre o (pouco) que promete.

Audiovisual

O que não surpreende é a questão artística do game. Não espere aqui nada que possa chegar perto do padrão do ciclo final desta geração. Os gráficos estão muito próximos do que se viu na transição do PS2 para o PS3 (ou do XBox para o XBox 360) com texturas básicas, serrilhados evidentes, modelos humanos bastante simplórios e efeitos de iluminação e partículas abaixo do que pode ser considerado como “básico” nos dias atuais.

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Buscando um efeito de cellshading que lembra o que é feito, por exemplo, na franquia Borderlands, o jogo até tem seu charme, mas acaba remetendo mais o que vimos nos dois primeiros games de Fear Effect (lá no PSOne) do que qualquer outra coisa. Ainda que se aproveite bem do hardware para carregamentos relativamente curtos e performance macia, acaba sofrendo de um inevitável anacronismo, parecendo realmente ser um jogo de 10 anos que envelheceu mal.

É óbvio que não se espera de um game com todo o estilo indie um acabamento estético comparável com um AAA. A questão é que o jogo tem pouca identidade e se mostra muito limitado por suas próprias escolhas, uma vez que o sistema procedural cobra consequências na composição de ambientes e na sua relação com elementos dinâmicos. Então espere os mesmos 4 ou 5 modelos de inimigos, usando as mesmas roupas em uma construção ou em um escritório, enroscando em cantos bizarros e soltando grunhidos dos mais toscos.

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O mesmo acontece com toda a composição sonora. A música tema até que faz jus a um estilo policial mais underground, flertando com inspirações eletrônicas latinas, mas não é nada particularmente criativo ou marcante. Durante as partidas, a música pouco importa e os efeitos sonoros e ruídos são competentes, mas genéricos.

Na soma de suas partes, RICO é uma experiência audiovisual nada mais do que mediana, não conseguindo encontrar um meio-termo confortável para estabelecer sua marca. Não é exatamente feio ou mal-feito, mas é bastante simplório, busca soluções pouco inspiradas para suas limitações e mesmo a escolha do cellshading parece mais interessante na teoria do que no resultado final.

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O resultado pode até ser bem carinhoso com o hardware da atual geração, dinamizando carregamentos e facilitando o desempenho, sobretudo em tela dividida (algo raro e muito bem-vindo pela proposta do game). Mas é pouco. Bem pouco, sobretudo quando comparado a imagens de divulgação encontradas por aí.

Conclusão

RICO é, sobretudo, um jogo para um nicho muito específico que já foi mais amplo do que atualmente. Seus modos de jogo valorizam, sem qualquer vergonha, a diversão multiplayer descompromissada online ou offline com um amigo (ou até um desconhecido, se você o encontrar) sem as complicações dos jogos atuais. Ligue o jogo, carregue uma missão (ou uma campanha) com alguém e jogue. Tão simples quanto poderia ser.

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Isso significa sacrificar algumas coisas, já que o visual é bem mais-ou-menos, a jogabilidade tem a profundidade de um pires, a curva de aprendizagem quase inexiste e a experiência single player, ainda que possível, é bem monótona e enjoativa.

Exatamente por isso, se você espera articular uma estratégia com seus amigos, objetivos mais densos e um ambiente de encher os olhos, procure coisas como The Division, Destiny, PayDay ou coisas mais parrudas. RICO não é isso, e oferece algo muito mais simples, descompromissado… e repetitivo.

Com legendas devidamente localizadas para o português brasileiro, RICO está disponível para Playstation 4, XBox One, PC e Nintendo Switch.

Paulo Roberto Montanaro

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