Análise Arkade: Sea of Solitude traz mensagens positivas em clima de solidão

9 de julho de 2019
Análise Arkade: Sea of Solitude traz mensagens positivas em clima de solidão

Seja bem-vindo a um mundo solitário, onde monstros gigantes lhe aguaram. Essa descrição lembra o clássico Shadow of the Colossus, mas o assunto hoje é Sea of Solitude, mais um belo jogo do selo EA Originals.

Contextualizando

O EA Originals é o “braço indie” da EA, que apadrinha e lança jogos de estúdios independentes. Só no ano passado o EA Originals lançou 2 jogos excelentes: A Way Out e Unravel 2.

Este histórico já me deixou ligado em Sea of Solitude, e a pegada introspectiva do game também me chamou a atenção: o jogo foi idealizado por Cornelia Geppert, e ela conta que o projeto é muito pessoal para ela, pois foi concebido em uma época de fim de relacionamento, quando ela encarava uma fase bem bad vibe da vida.

Uma história sentimental

A protagonista de Sea of Solitude é uma garotinha chamada Kay. Ela na verdade é meio que um monstro — um vulto negro de olhos alaranjados –, mas ficou assim por conta da vida que levou. Em Sea of Solitude, a solidão transforma as pessoas em monstros, uma releitura alegórica que demonstra o quanto solidão, depressão e outros distúrbios podem afetar o cerne de uma pessoa.

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Meio menina, meio monstra

Sea of Solitude é um jogo de muitas camadas e metáforas. Na prática, estamos navegando por águas misteriosas repletas de monstros; no plano ideológico, isso simboliza a busca de Kay por seus próprios sentimentos e reparações. Kay distanciou-se de tudo e todos, e precisa reconciliar-se consigo mesma se quiser colocar novamente sua vida nos eixos.

A história é muito mais expositiva do que vimos em Journey ou GRIS, mas tem a mesma vibe de superação e aprendizado: cada monstro aqui simboliza alguém que passou pela vida de Kay no passado, e por alguma razão sofre por isso e precisa ser “consertado”. Tal qual Kay, que também está “quebrada” e precisando de conserto.

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A exploração é feita de barco ou à pé

À bordo de um pequeno barquinho de madeira, vamos explorar um mundo em constante transformação (a paisagem muda conforme o nível da água sobe ou desce), aprendendo mais sobre o passado de Kay, ouvindo fatos de sua vida e tentando não virar comida de monstro.

Um jogo de exploração

Sea of Solitude não é um jogo de ação, mas de exploração: isso quer dizer que aqui não há combates, e a jogabilidade resume-se a explorar os vastos cenários (de barco ou à pé), em busca de eventos que levem a narrativa adiante. Há alguns colecionáveis — gaivotas para espantar e garrafas para encontrar — mas são totalmente secundários.

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Além de seu fiel barco, Kay tem a sua disposição um útil “sinalizador”, uma espécie de orbe de energia que pode fazer muito mais do que simplesmente nos colocar na direção certa: sua luz pode incapacitar criaturas sombrias, e vai ser muito útil para manter a escuridão longe da protagonista.

Na prática, o jogo é uma espécie de “walking simulator de barco”, pois boa parte do gameplay se resume à navegação. Fora da embarcação, o jogo inclui alguns desafios de plataforma e escalada, e ficar à pé geralmente quer dizer que precisamos dar um jeito de fazer com que o barco chegue até algum lugar para que possamos prosseguir.

Isso não quer dizer que ele fica só nisso: Sea of Solitude tem momentos de tensão que parecem saídos diretamente de um filme da série Tubarão. Há um enorme monstro marinho sempre na nossa cola, e fugir dele ou despistá-lo é necessário em inúmeros momentos. Lembra um pouco aquele trecho do dragão de areia em Journey, mas aqui é muto mais visceral, pois o monstrengo literalmente devora a protagonista sem cerimônias.

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Não marque bobeira na água, pois o monstro marinho é implacável

Ou seja, é um jogo de exploração que até pode parecer relaxante, mas que mantém um elemento de tensão latente praticamente o tempo todo. Conforme avançamos na história, vamos encontrar (e interagir com) outros monstros, mas é a enorme besta aquática quem mais vai nos propiciar uns “cagaços”.

Lembra que eu falei lá em cima que neste jogo a solidão transforma as pessoas em monstros? Pois é, boa parte dos monstros que iremos conhecer aqui são pessoas da vida de Kay. Pessoas que tiveram algum tipo de conflito com ela em algum momento, e acabaram por isolar-se, deprimir-se. Pessoas que Kay terá que ajudar se quiser ela mesma tornar a ser humana.

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O lobo branco representa alguém do passado de Kay

Em termos de gameplay, não há muito o que se dizer: tudo é muito simples e intuitivo, e as (poucas) habilidades de Kay são fáceis de usar. Vez ou outra precisamos descobrir como chegar até certos lugares, procurar coisas ou “limpar” áreas corrompidas, mas no geral o jogo não tenta ser punitivo nem dificultar o avanço do jogador — o que importa afinal é a mensagem, a história que está sendo contada.

Audiovisual

Sea of Solitude é mais um daqueles jogos que não é realmente bonito, mas é estiloso. Seu visual flerta com o low poly, mas entrega áreas muito amplas, com um campo de visão bem impressionante, e muitos prédios abandonados para explorarmos (ou contornarmos). A estética das construções em si me lembrou um pouco Bioshock Infinite, mas acredito que isso é pura coincidência.

O jogo ganha pontos por não tentar ser ultrarrealista e abraçar uma estética quase cartunesca que possui muita personalidade. E, embora boa parte da aventura tenha uma vibe um tanto obscura e sombria, há muitas cores aqui: Sea of Solitude é belíssimo, com suas águas misteriosas, seu vasto céu e suas melancólicas construções abandonadas. Essa vastidão que é ao mesmo tempo bela e solitária casa muito bem com a proposta e a temática do jogo, potencializando a mensagem que o game quer passar.

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O jogo se mantém em suaves tons de azul e laranja

O áudio, por sua vez, tem seus altos e baixos. As músicas são suaves, e a trilha passeia por canções que trazem uma sensação de tristeza, deslumbre e abandono, com violinos lúgubres e notas de piano solitárias. As dublagens acabam sendo o maior problema: forçadas e artificiais, elas muitas vezes não combinam com as situações em que são apresentadas, algo que afeta (negativamente) o impacto do conjunto da obra. É claro o empenho em fazer bem feito, mas faltaram o know how e a experiência necessárias para realmente colocar o coração na voz na hora de dublar.

Uma última escorregada: o jogo não foi localizado para o nosso idioma, e traz menus, vozes e legendas em inglês (com opção de textos em espanhol, italiano e outras línguas). Uma pena, pois os jogos anteriores do selo EA Originals foram muito bem traduzidos para o português brasileiro, e o entendimento das conversas aqui é uma parte muitíssimo importante do processo.

Conclusão

Sea of Solitude parece quase uma sessão de terapia disfarçada de videogame. O jogo aborda temas delicados que fazem parte da vida — relacionamentos, família, solidão, depressão –, mas pesa um pouco a mão e deixa tudo exposto demais. Falta alguma sutileza que sem dúvida tornaria a experiência mais marcante, mais universal, mais especial.

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Digo isso porque os dilemas são muito sobre a Kay, e a forma como ela lida com eles. Por mais que a mensagem implícita seja universal, as situações no qual ela (a mensagem) está inserida são muito específicas, muito sobre aqueles personagens. Não fica a impressão de que é um conhecimento que se aplica a todos nós — embora, de fato, se aplique.

Há um momento do jogo em que um dos personagens diz “nem é tudo é sobre você, Kay, mas a verdade é que aqui acaba sendo tudo sobre ela, mesmo. Cabe ao jogador separar os dramas da protagonista para absorver o aprendizado e — quem sabe — aplicá-lo à sua própria vida.

No geral, Sea of Solitude traz uma linda mensagem, diluída nos dramas de uma garota e condensada em um jogo que traz muita exploração e alguns momentos de tensão. Não acho que ele consiga ser tão especial quanto Journey, mas é um esforço válido, e se o que ele tem a dizer for captado pelo jogador, mudanças muito positivas podem ser feitas na vida e no convívio social de cada um.

Sea of Solitude foi lançado em 5 de julho, e está disponível para PC, PS4 e Xbox One.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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