Análise Arkade: Erica, um jogo de PS4 que poderia ser um filme na Netflix
O anúncio de Erica rolou durante a Gamescom, na semana passada, e no mesmo dia o jogo foi lançado na PSN. Aliás…. será que é melhor chamar de jogo ou filme? Vamos descobrir!
Uma investigação em FMV
Erica é um jogo em FMV (full motion video) que lembra um pouco os clássicos da série Phantasmagoria ou alguns jogos mais recentes do gênero, como o surpreendente The Shapeshifting Detective. Ou seja, não é bem um jogo, mas um filme interativo, no qual a história se desenrola de acordo com as nossas decisões.
A história acompanha Erica, uma jovem que não teve uma vida fácil: ainda criança, ela viu sua mãe desaparecer misteriosamente e testemunhou a morte do pai, também cheia de mistério: o homem recebeu a visita de uma figura sinistra e ganhou uma enigmática e grotesca marca em seu abdômen.
Erica cresceu envolta em pesadelos e assombrada pelas lembranças destes acontecimentos. Quando ela recebe uma mão decepada pelo correio (coitada dessa menina, gente) junto com um amuleto que trazia o mesmo símbolo marcado no corpo de seu pai, a investigação é reaberta, e ela tentará ajudar a polícia a desvendar o mistério que atormenta sua vida, agora que novas evidências surgiram.
A investigação irá levá-la até a Casa Delfos, uma espécie de sanatório/centro de pesquisa que seu pai ajudou a fundar. O lugar obviamente esconde alguns segredos, e enquanto investiga passagens secretas e interage com os pacientes, Erica vai descobrindo mais detalhes não só sobre o lugar, mas também sobre sua própria vida.
Sendo bem honesto, a história não é nenhuma maravilha, mas seu tom de mistério e conspiração conseguem manter o jogador interessado. E como é praticamente um filme, a gente segue adiante para, junto com Erica, entender melhor tudo o que o rolou de bizarro com ela e sua família.
Jogando ou assistindo?
O gameplay é tão simples que não precisa nem de controle: Erica é um daqueles jogos que funcionam com o PlayLink, e pode ser totalmente controlado pelo celular. Basta baixar o companion app (disponível para iOS e Android) e deixar os aparelhos conectados na mesma rede. Quem não estiver a fim de fazer isso até pode usar o Dualshock 4, mas como tudo é feito a partir do touchpad (que é meio pequeno), usar o celular como controle acaba sendo mais prático, simplesmente porque há mais área de toque para interagir e realizar os comandos.
Não espere nada muito elaborado: Erica é aquele tipo de jogo que a gente mais assiste do que joga, e a interação fica restrito a movimentos simples para acionar mecanismos ou mover um cursor pela tela para escolher uma opção de diálogo ou tomar uma decisão.
Algumas mecânicas são até engenhosas — acionar o isqueiro ou puxar o gatilho de uma arma, por exemplo — mas chamar isso de “gameplay” seria um exagero enorme, embora ele seja mais dinâmico do que a maioria dos games em FMV, que costumam congelar cenas para dar tempo ao jogador ou utilizar cenas em loop. Ainda que não se limite à dualidade de escolhas bifurcadas com apenas duas opções, no geral Erica é só um pouquinho mais interativo do que Bandersnatch, o filme interativo da Netflix que dá para “jogar” pelo controle remoto da TV — aliás, temos um ótimo podcast discutindo o filme e os games com escolhas morais, já ouviu?
Isso me leva a crer que Erica talvez tivesse mais apelo se fosse realmente lançado para uma plataforma de streaming. Seu mix de sobrenatural e mistério policial sem dúvida tem um apelo que vai além dos videogames, e com alguns ajustes de interface, seria fácil de “jogar” Erica com um controle remoto de smart TV. Na prática, ele é um jogo de PS4, mas poderia tranquilamente ser um filme interativo no catálogo da Netflix.
Decisões & Finais
Aumenta bastante a vida útil do jogo o fato dele ter diversos finais diferentes. A história vai se moldando às decisões que você toma, e a jornada de Erica culmina em diferentes desfechos conforme você guia a garota pelos mistérios que a cercam.
Eu não sei exatamente quantos possíveis finais existem, mas fiz dois deles — e eles foram BEM diferentes um do outro. Como eu já disse, a história em si não é realmente incrível, mas consegue manter o jogador entretido e interessado em descobrir mais. E, como cada partida completa dura cerca de 3 horas, rejogar tudo do início, fazendo diferentes escolhas e tomando outros rumos, acaba nem sendo tão dolorido assim.
Na verdade, acho que o fato de Erica ser mais um filme do que um jogo pode aproximá-lo de mais pessoas, permitindo que você simplesmente “assista” outra pessoa jogar, ao invés de assumir o controle. Na próxima partida, eu pretendo deixar o controle/celular com minha namorada, para ver a história que ela monta, as decisões que ela toma.
Ah, e um detalhe que achei interessante é que, para não quebrar a imersão, o jogo só mostra os troféus que foram conquistados na partida durante os créditos finais. Por falar nisso, Erica tem até troféu de platina, e seu precinho camarada (cerca de 21 reais na PSN brasileira) sem dúvida faz dele uma boa adesão para os platinadores que queiram ostentar mais um troféu do tipo.
Audiovisual
Bom, como estamos falando de um jogo todo filmado com atores reais, em cenários reais, não tem como falar de gráficos, mas dá para mencionar o capricho da obra como um todo. Contextualizando: embora eu tenha uma fascinação genuína por jogos em FMV desde sempre, reconheço que sempre houve um pouco de “tosqueira” e “amadorismo” na maioria deles, seja por seus (d)efeitos especiais ou por suas atuações meia boca.
A verdade é que diversos destes jogos — mesmo títulos recentes e bons, como The Bunker e The Shapeshifting Detective — são produtos de baixo orçamento, feitos com atores iniciantes e equipe enxuta. Os caras sem dúvida fazem o melhor que podem com a grana que possuem, e na real eu nem acho esse amadorismo latente algo ruim, e considero esta “tosqueira” um dos charmes dos FMV games.
Erica, porém, se destaca por ser um projeto maior, mais ambicioso e claramente com mais orçamento. Tem um outro ator ali que não convence, mas no geral o elenco entrega boas atuações, e há ângulos de câmera cinematográficos, iluminação de primeira e efeitos especiais que realmente colocam o jogo em um patamar mais alto.
Só para você ter uma ideia de como Erica é mais caprichado, a trilha sonora dele é composta por Austin Wintory, premiado compositor que foi responsável pelas inesquecíveis músicas do game Journey. E o cara faz um trabalho incrível aqui, potencializando o clima de tensão e mistério do game com canções instrumentais incríveis.
Outro ponto que evidencia o capricho e o orçamento mais parrudo de Erica: o jogo foi totalmente dublado para o nosso idioma! Eu preferi jogar com o áudio original (em inglês) e legendas em PT-BR, mas como é raro vermos um jogo em FMV receber dublagens (ou mesmo legendas) em português brasileiro, isso não deixa de ser um diferencial positivo.
Conclusão
Erica definitivamente não é um jogo “tradicional”, encaixando-se muito melhor no rótulo de filme interativo, ou como seu subtítulo sugere, um thriller interativo. Se você gostou de Bandersnatch e quer outras experiências desse tipo, ele sem dúvida é uma ótima pedida.
Se você, como eu, é um apreciador dos jogos em FMV, Erica sem dúvida é um jogo que precisa estar na sua coleção. Ainda que não revolucione o gênero, ele sem dúvida representa uma evolução técnica do formato, e seus múltiplos finais rendem umas boas horas de diversão e mistério.
O lance é preparar a pipoca, deixar o controle de lado, pegar o celular e entrar no clima. O “gamer hardcore” talvez não se interesse por isso, mas este claramente não é o público-alvo de Erica. Longa vida aos jogos em FMV.
Erica foi lançado em 19 de agosto, exclusivamente para PS4. O jogo está 100% localizado para o português brasileiro.