Além do Review Arkade: Minha complicada relação com Life is Strange 2
Life is Strange 2 está completo. Após um longo tempo e longas esperas entre cada episódio, a história dos irmãos Sean e Daniel chegou a seu fim. Muitas pessoas ao redor de todo o mundo jogaram o game e choraram, se emocionaram e amaram cada minuto da aventura, mas eu não consegui me sentir assim.
Essa disparidade entre minha opinião e a do resto do mundo me fez pensar sobre essa situação, que é algo que não cabe diretamente em nossas análises que publicamos aqui, mas algo que me fez pensar um pouco mais sobre toda a ideia do game, será que eu não fui seu público alvo? O que será que não funcionou pra mim, mas funcionou para tantas outras pessoas?
Bom, vamos sentar por um momento e conversar sobre isso. Mas antes de tudo, aqui vão dois avisos muito importantes: Esse artigo reflete somente o que eu, Renan do Prado, senti ao jogar o game. E o segundo e ainda mais importante aviso: ESSE TEXTO CONTÉM MUITOS SPOILERS, POR ISSO LEIA POR SUA CONTA E RISCO! E com isso, vamos lá!
Apresentando Life is Strange
Quando a finada Telltale deu início a sua série de The Walking Dead nos video games lá em 2012, foi uma verdadeira revolução. Não só por dar vida nova a games baseados em decisões, mas por apresentar ao mundo o formato de games episódicos, que desde sempre foi muito controverso.
Um dia, a Square Enix anunciou que também ia se aventurar nesse estilo episódico. E anunciou um novo game do estúdio DONTNOD: Life is Strange. O game contava a história de Max Caulfield, uma jovem de 18 anos que retornava para sua cidade natal para entrar na faculdade, reencontrando sua amiga de infância Chloe Price e descobrindo possuir estranhos poderes: Max pode rebobinar o tempo e mudar acontecimentos do passado.
O grande diferencial de Life is Strange e aquilo que provavelmente foi a grande razão para sua fama, além de seu universo e personagens, era justamente a habilidade de voltar o tempo e mudar as decisões que você tomar. Isso permitia que os jogadores experimentassem diferentes escolhas e, se ficassem infelizes com o resultado, podiam simplesmente voltar o tempo e tentar outra opção.
O game tinha uma história cativante que mostrava o desenvolvimento de Max, tanto de seus poderes, como de suas relações e do mistério do desaparecimento da jovem Rachel Amber. Além é claro das consequências do uso dos poderes de Max, que culminam num imenso tornado que, dependendo da escolha final do jogador, pode destruir a cidade de Arcadia Bay, ou evitado ao voltar no tempo e não interferir na morte de Chloe, o estopim para o despertar dos poderes de Max.
Algum tempo depois, um novo Life is Strange foi anunciado, um prequel do game original que não era produzido pela DONTNOD, tratava-se de Before the Storm, um game que contava a história de Chloe e Amber. Porém, sem a presença de Max, o elemento de voltar o no tempo não existia mais. Eu possuo esse game, mas ainda não o joguei. Sei porém que sua recepção foi mista, uns adoraram, outros não gostaram, até aí, tudo dentro da normalidade.
E aí então a DONTNOD oficializou o anúncio de Life is Strange 2, uma sequência do game original, mas dessa vez contando uma nova história com novos personagens: Os irmãos Diaz. E dessa vez com uma proposta completamente diferente do game original: Dessa vez não é o protagonista que tem super poderes. E sua história agora seria sobre perda e fuga.
Um novo game sem Max ou Chloe não parecia tão interessante, mas ainda assim havia potencial, pois Max não necessariamente era a única com poderes, poderia haver mais personagens como ela, tudo se resumiria em como a história é contada.
Uma nova aventura estranha
O primeiro episódio de Life is Strange 2 começa tranquilo. Somos apresentados a Sean, um adolescente um tanto arrogante e na fase de se interessar por festas, garotas, bebidas e etc. De cara tive leves problemas aí pois não sou nem um pouco fã de histórias com adolescentes, mas não deixei isso me abater.
Logo somos apresentados ao resto dos personagens, em especial Daniel, o menino com poderes telecinéticos. Em uma cena, o vizinho xenofóbico da família Diaz está brigando com Daniel, Sean intervém e após uma briga, o vizinho cai no chão batendo a cabeça numa pedra.
Um policial despreparado aparece apontando sua arma para as crianças. O pai deles, Esteban, tenta intervir mas é baleado pelo policial. Ao ver seu pai morrer, o poder de Daniel explode, jogando tudo ao redor pelos ares e matando o policial.
Sean, vendo tudo aquilo, entra em desespero e a única coisa que consegue pensar é pegar seu irmão e fugir dali. E suas razões são bem válidas, apesar de extremas. Morando em um país com um longo histórico de ódio conta pessoas de origem latina, lidando com um vizinho xenofóbico e um policial despreparado e potencialmente racista, ele decide fugir pois ninguém acreditaria na verdade e os culpariam por sua morte, eventualmente separando os irmãos. E aí começa a aventura.
O primeiro episódio do game, Roads, não foi uma introdução muito eficaz para mim, pois não nos dá tempo de conhecer os irmãos. Com poucos minutos de jogo ambos já estão na estrada, e somos apenas brevemente apresentados a um irmão mais novo confuso que não quer seguir viagem e um irmão mais velho desesperado, que briga com o irmão constantemente e tentar fazer tudo do seu jeito.
Não que a escrita ou o roteiro do primeiro episódios não sejam bons, mas uma introdução adequada foi sacrificada em prol da história a ser contada. E logo nos encontramos no primeiro percalço real que os irmãos enfrentam: Conseguir comida em um posto de gasolina.
Cutscene vai e vem e então descobrimos que o dono do posto de gasolina, um homem extremamente xenofóbico, aprisiona os irmãos pensando na recompensa que ganharia por suas capturas. Graças aos poderes de Daniel, que ele ainda não se deu conta que tem, os irmãos fogem, contando com a ajuda de Brody, um mochileiro que conhecem no local.
E nesse meio tempo, o game revela um artifício que imediatamente eu previ que não iria gostar: Uma pequena cachorrinha posta para adoção que encontramos no posto. Naquele momento eu já sabia, a cachorrinha entraria no grupo. Dito e feito, na fuga do posto destruído, Daniel resgata a cachorrinha, que recebe o nome de Cogumela.
Eu sou daquele tipo de pessoas que ao ver um filme ou jogar um game, não me importo se 1000 pessoas morrerem na história, mas se um único animal inocente é ferido, eu entro em modo John Wick. Por isso, no momento em que vi a cachorrinha no grupo, eu disse mentalmente: “Se algo acontecer a essa cachorrinha, eu vou ficar muito, muito irritado”.
Pois adivinha o que acontece em seguida? Bem no início do episódio 2, Rules, os irmãos estão acampando em uma cabana abandonada no meio da neve. A cachorrinha pede pra abrir a porta para ela fazer xixi, você abre a porta e o jogo segue. Até que você precisa procurar ela, e ela não aparece. Pronto, era tudo o que eu não queria. Logo encontramos a cachorrinha, já morta, atacada por um puma. Nesse momento eu me revoltei, fechei o game e recarreguei meu último save.
Eu não abri a porta para a cachorrinha, não deixaria que aquilo acontecesse novamente, eu a manteria dentro da cabana para que nada acontecesse a ela. Mas aí o game intervém e faz Daniel usar seus poderes (agora ele já sabe que os tem) e abre a porta para ela. Resultado, a Cogumela vai morrer, independente da escolha do jogador. A única interação que o jogador tem com essa cena é se deixa Daniel matar o puma, ou se o impede de deixar sua raiva fluir.
Essa cena estragou toda a experiência pra mim, não apenas pois aquilo que eu realmente não queria, ver a cachorrinha morrendo, aconteceu, mas porque o game forçou uma escolha para mim. Um game baseado em escolhas, em que a história se molda (ou deveria se moldar) as suas escolhas, simplesmente retirou esse poder de mim e forçou uma situação indesejada, que não é consequência de nenhuma ação minha. Sendo apenas uma morte gratuita.
Após isso, minha experiência com o game foi permanentemente prejudicada, mas segui adiante. Eventualmente o game nos apresenta os avós dos dois irmãos e reencontramos o pequeno Chris, protagonista de Captain Spirit, o ponto alto do episódio. Não acontece muita coisa aqui, o jogador pode construir um bom relacionamento com os avós. Porém dependendo de suas ações Chris pode terminar o episódio salvo ou gravemente ferido.
Avançando no tempo chegamos ao episódio 3, Wastelands, em que as coisas foram ficando mais e mais complicadas. Nesse episódio, os irmãos se unem a Cass, uma garota que conheceram brevemente no episódio 2, e passam a trabalhar numa plantação ilegal de maconha.
Nesse episódio tudo desanda: Daniel se tornou rebelde e desafia Sean a todo momento, Sean se torna de certa forma irresponsável em relação as suas próprias atitudes. E acima de tudo, toda a situação já indica o prelúdio de um desastre.
E aqui nesse episódio que as coisas, que não estavam nada boas, ficaram evidentemente ruins. A rebeldia de Daniel prejudicou bastante o sistema de escolhas. Não entenda errado, as escolhas estão ali, mas muitas delas acabam parecendo inúteis 5 segundos depois.
Você passa dois episódios tentando ensinar Daniel os perigos de usar seus poderes em público, tenta (ou não), cuidar bem do menino e ser o mais afetuoso e amigável o possível… Pra na cutscene seguinte Sean estragar tudo perdendo a paciência.
E isso é quase que literal. Um dos importantes momentos desse episódio é durante a noite, no acampamento que os irmãos e outras pessoas que trabalham na fazenda dormem. Daniel foi dormir, você pode então ir ficar com ele ou passar o tempo com o resto das pessoas.
Eu escolhi ficar com Daniel. Ali, várias opções de diálogos se abrem em que podemos tratar o menino de forma dura e autoritária, ou ser sincero com ele, explicando a situação e prometendo ficar ao lado dele e nunca abandoná-lo, que foi o que eu fiz.
Na cutscene seguinte, os irmãos acordam para trabalhar e qual é a primeira coisa que eles fazem? Brigam feio, pois o menino foi rebelde novamente e Sean jogou no ralo todo o diálogo anterior para brigar de forma estúpida com o menino. Tudo isso pavimentando o caminho para o fim do episódio. Em que Daniel e um jovem chamado Finn tentam roubar o dinheiro do cofre do traficante para quem trabalham.
Ah, é importante salientar que esse episódio permite que o jogador tenha um romance com Cass ou com Finn, o que também influencia sua relação com Daniel. Mas isso não apaga o fato de que nesse episódio Sean age muito de forma independente da vontade do jogador em relação a Daniel durante as cutscenes.
O jogador pode escolher ajudar ou se opor ao roubo, mas qualquer que seja a escolha não muda o resultado, o roubo vai acontecer, vai dar errado, Daniel levará um tiro de raspão e seu poder explodirá, fazendo Sean ter um estilhaço grande de vidro fincado em seu olho esquerdo. Fim do episódio 3.
A redenção da narrativa
O fim do Episódio 3 foi bem impactante e impressionante. Porém, já eram 3 episódios em que minhas escolhas pareciam não ter poder real, mudando apenas algumas coisas aqui e ali mas sempre me guiando pra onde o game queria que eu fosse. Com o game inclusive desconsiderando decisões que eu tomava em prol da história que queria contar.
Eventualmente no Episódio 4 – Faith, o game deu uma grande guinada para um lado positivo, curiosamente ao remover o pequeno Daniel dos holofotes. O menino foi acolhido por uma pequena comunidade religiosa, e como o menino já não se importava mais de esconder seus poderes, foi considerado um messias, sendo idolatrado por toda a comunidade. Quando na verdade, a líder da comunidade estava fazendo lavagem cerebral nele para ter seu próprio milagre de estimação.
Sean tem agora a missão de atravessar o deserto a pé até encontrar seu irmão e então convencê-lo a voltar com ele. E se até o fim do episódio 3 o game contava a história de um adolescente um tanto irritante e um menino confuso com tudo a seu redor, esse episódio mostra uma grande evolução para ambos os personagens.
Sean não podia mais ser um adolescente irritante e impaciente com seu irmão, ele precisava mudar, precisava crescer, pela própria segurança de Daniel, e isso finalmente aconteceu. Em grande parte pelo aparecimento de Karen, a mãe dos dois, que os abandonou logo após Daniel nascer.
Dessa vez, as escolhas do jogador passam a ter peso real, ainda que o game nos guie numa única direção. Mas enfim as escolhas do jogador moldam a evolução dos personagens, pois o game permite que o jogador decida se quer que Sean faça as pazes com sua mãe ou se decide afastá-la. Ela não irá embora se o jogador tentar afastá-la, mas dessa vez isso não é algo que vai contra as decisões do jogador, mas que as complementa.
Principalmente porque, diferente do episódio passado, a relação entre Sean e sua mãe não é descartada na cutscene seguinte. Se você decidir se aproximar de sua mãe, Sean não irá iniciar uma briga sem sentido logo em seguida. E a razão para isso é por que agora ele está mais focado, mas acima de tudo, finalmente o personagem se adéqua ao jogador. Ou melhor dizendo, finalmente o game resolveu respeitar suas decisões.
E por fim, chegamos ao capítulo final- Wolves. O capítulo que mudou (levemente) minha perspectiva sobre o game, pois finalmente as escolhas que eu fiz ao longo da jornada tinham peso. Isso é ao mesmo tempo uma grande qualidade do episódio e um grandessíssimo defeito do game: As escolhas enfim valiam de algo, mas somente no episódio final.
O episódio final mostra os irmãos, agora reconciliados, fazendo suas preparações finais para atravessar a fronteira entre os Estados Unidos e o México. O episódio me passou a sensação de ser muito curto, mais curto até do que os episódios anteriores. Ou talvez seja o fato de eu ter gostado mais dele que o fez fluir melhor, não sei direito.
Nesse episódio, o jogador pode enfim fazer Sean se reconciliar ou não com Karen, um emocionante momento do episódio. Posteriormente, ao chegarem no muro da fronteira entre os dois países, os irmãos são capturados por uma dupla de ultra-nacionalistas que literalmente caça imigrantes ilegais para entregar para a polícia, acreditando estarem “limpando” o país das impurezas do sul. E após esse trecho, enfim chegamos na decisão final da aventura: Atravessar a fronteira do México ou não.
Somente aí é que todas as decisões que você tomou em relação a Daniel realmente tem efeito. Se você o criou mal, o menino será violento, ele matará policiais sem remorso na fuga da cadeia e causará uma enorme destruição, permitindo que ambos os irmãos fujam para o México.
Se você o criou bem, Daniel tentará não machucar ninguém na fuga da cadeia e a dupla não conseguirá atravessar para o México, pois Daniel se deixará ser capturado para que seu irmão se salve. Isso se o jogador escolher fugir. Se o jogador decidir se entregar para a polícia, a decisão final será de Daniel. Ele poderá concordar com você e também se entregar ou se rebelar.
O episódio final é realmente excelente e me fez sentir como se eu estivesse jogando o primeiro Life is Strange, com personagens carismáticos, escolhas que, mesmo que sejam as mais superficiais, são bem escritas e com uma história que enfim, se amarra. O problema foi: Só senti isso no episódio final, o game demorou todo esse tempo para somente no fim mostrar o seu potencial. Sabe aquele ditado “Antes tarde do que nunca“? O problema é que estamos falando de um game em formato episódico. Se o início não convence, então qual a motivação para continuar comprando cada episódio até chegar no fim?
The Banner Saga me deixou mal-acostumado
De forma resumida, meu problema com Life is Strange 2 se resume a dois fatores. O primeiro foi sua história e principalmente seus personagens, que não me conquistaram. Isso não é um defeito do game, mas sim algo pessoal, pois não consegui me investir no universo do game, o que foi uma grande pena visto que adorei tudo no primeiro game.
O segundo e principal problema foi a ilusão de escolhas que o game “prometeu”. No início de cada episódio o game nos avisa que nossas escolhas e decisões afetam a história e que muitas de nossas decisões serão lembradas. O problema é que somente no episódio final que isso realmente vale.
Criar um game inteiramente baseado nas escolhas do jogador é algo praticamente impossível. Criar uma história que se ramifique já é um trabalho incrivelmente difícil, mas eventualmente toda a história encaminha o jogador até um final planejado. E isso não é um problema, não são todos os games que conseguem oferecer 50 finais diferentes, a verdadeira questão é o quanto suas decisões realmente valem.
Existe uma enorme variedade de escolhas que o jogador pode fazer em diversos games. Alie-se ao personagem A e o personagem B te odiará. Pegue o caminho da esquerda e alguém morre no da direita. Escolha quem vive e quem morre em uma determinada situação. Dê uma resposta amigável ou uma agressiva num diálogo e a lista segue.
A questão está em de forma um game quer apresentar seu sistema de escolhas. Atualmente há uma errônea crença (principalmente partindo de desenvolvedores grandes) de que games lineares são “ruins”, que os jogadores querem ter total liberdade e etc. Isso não necessariamente é verdade. Enquanto há jogadores que não gostam de games lineares, a verdade está basicamente em como um game se apresenta.
No caso de Life is Strange 2, há muita ênfase em “suas decisões importam”, com vários diálogos e cenas para o jogador tomar decisões. O problema é que muitas dessas decisões no fim das contas não possuem peso, ou o próprio game ignora. Parte do problema disso é que o game não tem um “núcleo”. Não há um grupo padrão de personagens em que suas decisões são levadas adiante, somente Sean e Daniel. Assim, os personagens que você conhece no episódio 1 você nunca mais verá, o mesmo com os episódios 2, 3 e 4, com as únicas exceções sendo Cass e Karen.
E como já repeti várias vezes, você toma uma decisão para aproximar os dois irmãos e logo em seguida o game força uma briga entre os dois que desconsidera todo o seu esforço para tornar Sean alguém mais compreensivo. Pegue um game da Quantic Dreams por exemplo, ou Mass Effect, as escolhas de diálogos dão ao jogador o poder de serem amigáveis ou agressivos com outros personagens. Você pode xingá-los quando fazem algo errado, ou pode agir de forma amorosa, porém, é você que decide fazer isso, não uma cutscene que ignora todas as suas decisões passadas.
Pegue o episódio 3, por exemplo, em que Daniel se torna um garoto rebelde. O game oferece algumas opções de reação a seus atos, você pode repreendê-lo, brigar com ele, ou apoiá-lo, mas não há muito peso nessa reações. Esse episódio merecia um melhor tratamento dos diálogos, para evitar situações que fogem do controle do jogador. Afinal, o jogador controla Sean e toma decisões por ele, então por que uma cutscene decide como Sean vai reagir a algo sem que o jogador participe?
E aí entra uma das séries mais incríveis que joguei na vida: The Banner Saga. Essa é uma série de RPG tático com um estilo único. Nesse game, você comanda caravanas que viajam pela estrada para sobreviver a um terrível evento cataclísmico que está assolando o mundo.
Nesse game, as caravanas seguem em linha reta, com pausas para montar acampamento e ao chegar em cidades novas, em que rolam diversos diálogos diferentes, além de vários encontros no meio da estrada bem ao estilo RPG de mesa, em que o jogador precisa tomar uma decisão para seguir em frente.
A grande qualidade de The Banner Saga é justamente seus sistema de decisões. Por mais que a série encaminhe o jogador para três possíveis finais, esses três finais possuem muitas variações diferentes, e todo o caminho até o final é cheio de reviravoltas que levam em consideração toda e cada decisão do jogador.
Desde as grandes decisões diretamente relacionadas a história, a pequenas decisões que aparecem no meio do caminho, como “você encontrou um grupo faminto na estrada, o que decide fazer?”, todas essas escolhas influenciam a aventura a curto, médio e longo prazo.
Além disso, esse é um game com um sistema de escolhas diferente da maioria dos outros games. Enquanto normalmente suas ações transforam o mundo a seu redor (alie-se a A e B será seu inimigo), aqui as coisas são bem mais complicadas, pois o mundo não se transforma, o mundo joga todas as suas dificuldades para cima de você e o obriga a reagir a elas. Salve o grupo faminto, por exemplo, no futuro eles podem te trair e roubar seus recursos, ou sua própria caravana se voltará contra você por não gostar de ter mais bocas para alimentar. Não os salve e eles podem se revelar bandidos e iniciar uma luta, ou eles podem simplesmente ser um grupo faminto que é abandonado para a morte. Você não saberá até tarde demais.
Graças a The Banner Saga, meu padrão de qualidade para games baseados em escolhas foi posto lá no alto. O que vem abaixo disso deixa um gosto amargo na boca. Porém, tudo se resume a proposta que cada game tem. Existem games que oferecem diferentes opções de diálogos mas que não tem a ambição de serem histórias com dezenas de ramificações, porém, no caso de Life is Strange 2, um game cujo próprio propósito é ser uma aventura baseada em escolhas, o resultado final deixou muito a desejar.
“Não é você, sou eu…”
Até hoje, semanas após eu ter terminado Life is Strange 2, ainda me sinto dividido em relação ao game. Foi uma caminhada que para mim começou desinteressante, se tornou revoltante e na reta final fiquei com um sentimento de “ok, foi interessante”, o problema é que com tudo isso não dizer se gostei ou não do game.
Provavelmente você já se deparou com uma situação assim, algum game ou filme que da metade do final supera suas expectativas e se torna algo realmente marcante. O problema pra mim é que o game não me marcou, mas foi uma sequência episódica que não se mostrava como aquilo que prometia até o momento final em que finalmente mostra suas verdadeiras qualidades.
Uma das grandes questões é o formato episódico, um formato que em minha humilde opinião já não deveria existir mais. Ou então, deveria seguir o próprio formato de The Banner Saga, uma única história dividida em três partes, mas cada uma sendo um game completo de começo, meio e fim. Jogos episódicos desde o início são um tiro no escuro, pois a menos que os jogadores já comprem a temporada inteira antecipadamente, não terão motivos para comprar o episódio novo se não curtiam o atual. Eu não compraria.
E a cereja do bolo é a promessa de histórias que são moldadas seguindo as decisões do jogador. Uma promessa muito difícil de se cumprir e que muitas vezes acaba parecendo propaganda enganosa. Novamente, não há problemas se um game oferecer diferentes opções mas a influencia delas for pequena, contanto que o game seja transparente e não prometa mais do que pode entregar.
Pois se um game em sua campanha de marketing prometer que “suas ações afetam a narrativa”, é bom que realmente afetem! Nenhum game é obrigado a oferecer múltiplos caminhos ao jogador. Mas se oferecer, é preciso que seus desenvolvedores saibam bem o que estão fazendo!
E esse é meu maior problema com Life is Strange 2: Uma história baseada em decisões que só realmente mostram que elas realmente valem algo no fim do game, com um decepcionante controle por parte dos desenvolvedores sobre como a história vai prosseguir, passando por cima das decisões do jogador, fazendo-as parecer inúteis. Ah, e é claro, a morte da pequena Cogumela, uma cena que pra mim não tem perdão, pois matou uma cachorrinha inocente e que desconsiderou tudo em relação a escolhas por parte do jogador.
Bom, esse foi meu desabafo sobre essa estranha situação que me deparei. Estranha pois ao ver reações de outras pessoas, me sinto sozinho com minha reação sobre o game. Muitas pessoas se emocionaram, choraram e acharam o sistema de escolhas ótimo. Eu não consegui, não me conectei com a história, personagens e muito menos com sua promessa de “escolhas”. Mas no fim, Life is Strange 2 é um game descente, que começou fraco, ficou ruim mas se redimiu no final, mas apensa o final redime a si mesmo, não redime os episódios anteriores.
É importante mencionar que o game levanta muitas questões sociais importantes, principalmente sobre xenofobia, drogas, sexualidade e família, de diferentes formas. Um ponto alto do game é abrir o espaço para o debate, ainda que pessoalmente eu tenha achado que certos pontos não foram bem abordados, parecendo mais cenas de “filler” criadas apenas para debater o assunto. Mas as discussões em si, principalmente a xenofobia, foram bem levantadas.
E aí, você se sente assim com algum game, ou com o próprio Life is Strange? Entenda que não estou falando sobre a situação em que “todo mundo ama esse game mas eu não”, é uma relação mais complicada, que envolve todo o conjunto da obra que não conseguiu me atingir, até os 45 do segundo tempo, o que definitivamente é algo que nenhum game deveria fazer. Mas, de qualquer forma, conta aí pra gente se você tem algum caso semelhante!