Análise Arkade – Ancestors: The Humankind Odyssey é uma aula sobre evolução

4 de janeiro de 2020
Análise Arkade - Ancestors: The Humankind Odyssey é uma aula sobre evolução

Jogos de sobrevivência são um gênero que cresce bastante no mundo dos games, principalmente por seu nível de desafio mais elevado. Mas que tal um jogo que nos coloca justamente numa posição que de fato precisamos sobreviver e perpetuar nossa espécie? Ancestors: The Humankind Odyssey é uma incrível jornada com essa proposta.

O jogo já foi lançado tem um tempinho nos PCs, mas chegou aos consoles só no finzinho do ano passado, e é esta versão (PS4), que iremos analisar agora.

Desenvolvido pela Panache Digital Games, Ancestors nos coloca na pele de um símio pré-histórico que cientificamente é um dos ancestrais do Homo sapiens sapiens. Assim, precisamos vencer desafios como o clima, a vegetação, o relevo e, claro, outros animais, para evoluir tanto como indivíduo como também enquanto espécie. Mas, além dos desafios, a exatidão científica e a aula de biologia que o jogo dá são seus pontos mais relevantes.

Análise Arkade - Ancestors: The Humankind Odyssey é uma aula sobre evolução

Uma odisseia de 10 milhões de anos

Ancestors: The Humankind Odyssey esbanja originalidade em mecânicas e contextualização. A princípio, uma coisa que precisamos ter em mente é que neste jogo não temos simplesmente um avatar o qual acompanhamos ao decorrer dos anos. Na verdade, quando criamos nosso “save”, estamos criando a nossa “linhagem”, segundo o próprio jogo.

Assim, começamos a jornada dos símios em algum lugar da áfrica de 10 milhões de anos atrás, na pele de um filhote que precisa se esconder após sua mãe ser morta. Logo em seguida, o jogo já nos mostra seu principal diferencial: não controlamos nem temos a visão de um único animal. Pois, após nos escondermos dos predadores como filhote, precisamos controlar uma adulta fêmea para que ela localize e resgate o filhote.

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Mas não se enganem, o jogo é incrivelmente complexo e desafiador. Contudo, essa complexidade se espalha durante a experiência de jogo de várias maneiras — impossíveis de serem listadas em totalidade nessa análise. Porém, temos uma espécie de “objetivo final” no jogo, que é evoluir nosso símio através de várias espécies, chegando finalmente ao elo perdido que dá início a espécie humana.

Mecânicas de evolução incríveis

Ancestors: The Humankind Odyssey nos tira completamente da zona de conforto. Ele continua sendo um jogo de sobrevivência em mundo aberto com um ritmo de evolução gratificante, uma “árvore de habilidades” a ser melhorada e missões a serem concluídas. Entretanto, tudo isso tem uma roupagem completamente única aqui.

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Tarefas aparentemente simples como trocar objetos de mão não são tão simples assim.

Como dito antes, não evoluímos um único personagem, evoluímos todo o nosso clã. Primeiro como indivíduos, segundo como geração e em terceiro enquanto espécie. Essa evolução parte das coisas mais simples que você possa imaginar. Ao carregarmos um filhote durante as explorações e afazeres diários, por exemplo, acumulamos energia neuronal para criar ligações cerebrais mais complexas. Assim, evoluímos através de quatro habilidades básicas: motricidade, sentidos, comunicação e metabolismo.

Nesses quatro ramos neuronais, temos uma variedade incrível de habilidades a serem habilitadas. Entretanto, não pense que será uma jornada fácil. Isso porque nossa evolução começa em tarefas simples, como desbloquear a habilidade de trocar itens de uma mão para a outra ou então conseguir andar mais um pouco mais rápido. São várias e várias horas de jogo até conseguirmos liberar a habilidade de andar como um bípede, por exemplo.

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O melhor de tudo é que essa evolução é feita através da exploração e da “tentativa e erro”. Quanto mais exercitar suas capacidades motoras, mais rápido liberará ligações neuronais relacionadas à motricidade. Quanto mais usar o faro ou a audição, mais rápido fará o mesmo nos sentidos e por aí vai. Tudo no jogo gera experiência para que seu símio evolua e se torne melhor adaptado ao meio.

De geração em geração…

Tudo o que fora citado acima diz da evolução dos símios enquanto indivíduos. Entretanto, isso tudo tem um limite, pois os macacos envelhecem e/ou possuem um limite de procriação que nos impede de aumentar demais o clã em uma única geração. Desse modo, precisamos passar para o próximo passo da evolução que é adiantar gerações.

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A passagem de geração faz filhotes crescerem e anciões morrerem, dando continuidade à espécie.

Entretanto, essa passagem não é tão simples assim. Isso porque, ao mudarmos de geração, todas as ligações neuronais e habilidades conquistadas serão “desligadas”, o que nos obriga a acumular mais energia ao andar com estes novos filhotes para liberá-las novamente.

Mas aí há um “pulo do gato”: temos um ponto de reforço para cada filhote que tivemos nesta geração. Com cada ponto desses, travamos uma das ligações neuronais, impedindo que ela seja apagada com a evolução e permitindo que a próxima geração já comece com ela. Como se fosse um aprendizado enraizado, algo que passou de uma geração para a outra.

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Com isso, de geração em geração, temos cada vez mais e mais ligações neuronais já ativas desde o seu início. Desse modo, cada geração consequentemente se torna mais evoluída e preparada que a anterior para enfrentar as hostilidades do meio ambiente ao redor. Tudo isso através da exploração conjunta entre adultos e filhotes.

A origem das espécies

Em última escala, para avançar durante centenas de milhares de anos, temos a mecânica de evolução de espécie. Aqui, temos mais um capítulo da incrível aula de biologia que Ancestors: The Humankind Odyssey é. Isso porque cada feito que fizemos com as gerações que utilizamos até então é registrado e contabiliza “anos extras” para avançar na evolução da espécie.

Assim, quanto mais elementos descobertos, mais gerações passadas, mais novos nascimentos e locais descobertos, mais anos avançamos de uma única vez. Além disso, temos também a descoberta e uso de ferramentas, conclusão de feitos relevantes como construir um assentamento ou enfrentar um determinado animal e por aí vai.

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Com os milhões de anos avançados, temos uma mudança de espécie. E aí determinadas características e capacidades são melhoradas exponencialmmente. O jogo em si tem uma duração bem longa — podem ser gastas centenas de horas para percorrer os 10 milhões de anos de evolução. O mais interessante é que este percurso pode ser feito de um modo totalmente personalizado. Isso tanto em características do próprio jogo como também na forma que cada jogador irá explorá-lo.

Toda essa evolução nos leva até espécies mais conhecidas, como o Australophitecus afarensis. Essa é uma espécie de símio de 3 milhões de anos atrás. A espécie ficou bastante conhecida com a descoberta do fóssil batizado de Lucy, considerada por muito tempo como o elo perdido entre homens e macacos.

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Diversas espécies, conhecidas (ou não) no senso comum, são liberadas no decorrer da jogatina.

Um show de desafios evolutivos

Mas não é só pela cientificidade e criatividade de mecânicas que Ancestors se destaca. Logo no início temos aviso de que nada no jogo será didático ou mastigado para nós. A exploração e uso criativo das mecânicas é tudo o que será recompensado durante o game.

E assim o jogo se faz. Para os amantes de imersão, ainda é possível escolher um modo de jogo onde não temos nenhum tutorial e também nenhum hud informativo com dados sobre saúde, fome, sede ou cansaço. Mas mesmo com essas informações em tela, o jogo continua sendo altamente desafiador, deixando-nos atentos a cada detalhe. Principalmente pelo fato de cada comportamento nosso influenciar positiva ou negativamente nosso clã.

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A cautela é bem recompensada, assim como a exploração. Além disso, a experimentação e tentativas de usar objetos ao nosso redor como ferramentas, alimentos ou outros usos também são sempre boas jogadas. Esses detalhes fazem do jogo uma experiência ao mesmo tempo desafiadora e gratificante. Pois somos o tempo todo desafiados a sair da zona de conforto e não jogar simplesmente “no modo automático”.

Assim, pequenos atos como arriscar pular de uma árvore para outra podem fazer a diferença na evolução do jogo. Coisas “simples” como tentar quebrar um coco podem ser bastante desafiadores, se você não pensar do modo certo. Aos poucos, vamos entendendo cada vez mais a linguagem proposta pelo jogo.

Entretanto, demora mais de cinquenta horas para nos sentirmos realmente fora de perigo na maior parte do tempo, e dominando boa parte das ferramentas que o jogo nos dá. Enquanto nossa espécie evolui, vamos evoluindo como jogadores, em um jogo que é bem diferente do tradicional.

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Alguns problemas de movimentação

Como nada é perfeito, Ancestors: The Humankind Odyssey possui alguns deslizes. Um dos mais frustrantes é a movimentação vertical. Isso porque em muitos momentos temos a frustração de cair de galhos, paredões ou troncos sem motivo. Logicamente desconsidero nesta crítica problemas envolvidos com as habilidades de motricidade por exemplo.

O problema de movimentação em questão está relacionado principalmente a alguns bugs no contato entre o símio e texturas. Junto a isso temos alguns problemas na câmera do jogo. Muitas vezes isso acaba por si só sendo um desafio para o jogador.

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Felizmente, estes bugs — mesmo que frustrem bastante — não são exatamente impedidores da diversão. O jogo vai nos ensinando aos poucos a sobreviver e aprender com os erros. Assim, do mesmo modo, também passamos a aprender como evitar tais bugs ao máximo possível.

Um mundo estonteante

Mesmo com alguns probleminhas de movimentação, explorar o mundo de Ancestors é algo incrível. Na visão de um símio pré-histórico, a selva é imensa e, ao mesmo tempo, claustrofóbica. Junto a isso, temos toda uma fauna ameaçadora que envolve diversos animais diferentes ao longo da evolução.

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As texturas e detalhes do jogo poderiam ser melhores — se comparados com outras produções atuais –, entretanto, o jogo continua tendo sua beleza mesmo assim. Em contradição com um visual que tinha como ser melhor, não há reclamações a serem feitas quanto aos efeitos sonoros e trilha sonora. Isso porque, no departamento sonoro, o jogo é fantástico.

A trilha remete bastante à temas tribais e passa devidamente emoções como tensão ou tranquilidade. Já os efeitos sonoros são, além de bem feitos, muito úteis durante a jogatina, uma vez que temos como uma das principais armas de sobrevivência a nossa audição.

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Uma experiência que vai muito além de um texto

É impossível registrar em um único texto toda a complexidade e qualidade que Ancestors: The Humankind Odyssey possui. Se você leu essa análise até aqui, esteja ciente de que muito do que o jogo oferece precisou ficar de fora dela porque 1) não damos spoilers e 2) a minha experiência evolutiva não vai ser igual à sua, e 3) para não deixar este texto maior do que ele já está. Mas saiba que o jogo vai mais além de um “grind demorado” ou de “tarefas repetitivas”. Na verdade, Ancestors é uma forma brilhante de ensinar biologia de modo interativo e divertido.

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Se fosse para atribuir uma nota — coisa que não fazemos aqui no Arkade — para mim, ele seria um jogo nota 10, sem dúvidas. Nota que boa parte da mídia que dá notas não deu ao jogo. E, isso não depende só da qualidade do jogo, mas também da forma como você encara sua proposta interage com ele. Ancestors me cativou por conta da incrível criatividade e tradução fantástica de temas científicos tão complexos para um videogame.

Obviamente não são todos que irão curtir o título, pois ele definitivamente não é um “jogo de sobrevivência” tradicional. Mas aqueles que gostam de biologia, de jogos desafiadores e da temática evolutiva, podem ter aqui uma obra-prima do gênero.

Ancestors: The Humankind Odyssey foi lançado em 6 de dezembro de 2019 para Playstation 4 e Xbox One. Antes disso, ele já estava disponível para PCs.

Gilson Peres

Gilson Peres é Psicólogo, Mestre em Comunicação e aqui no Arkade fala principalmente sobre Realidade Virtual, jogos de PC e novas tecnologias desde 2019.

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