RetroArkade – A história do Dendy, o clone de NES russo
A história do NES (ou Nintendinho) no Brasil você já conhece: o console, lançado em 1984 no Japão e 1985 nos EUA foi lançado no Brasil apenas em 1993, mas contou com uma enxurrada de clones que traziam a experiência de jogar seus games, mas em consoles fabricados por Gradiente, CCE, e tantas outras empresas.
Mas não foi só o Brasil que contou com clones de NES. A Rússia, em 1992, também teve um clone de Nintendo para chamar de seu. Os dias de União Soviética já haviam ficado para trás, e seus vizinhos por mar, Estados Unidos e Japão, presenciavam uma nova “guerra fria”, mas entre Mega Drive e Super Nintendo. Porém, na nova Federação, nem SEGA, e nem Nintendo. O nome que fazia os olhos das crianças russas brilharem foi outro: o Dendy.
Conheça, então, a história de um curioso clone, que se tornou em sinônimo de videogame, em um país com uma cultura diferente, e vivendo um momento político único em sua história, que influenciou, e muito, para a história que vamos contar.
Uma nova Rússia com uma nova mania
Até dezembro de 1992, videogame na Rússia era entendido apenas por minigames, semelhantes aos que tivemos na nossa infância. O Famicom chegou em 1984, Master System em 1986, o Mega Drive estreou em 1989, e o Super Nintendo, em 1990. Todos eles foram lançados, assim como o Atari, nos anos 70, nos dias de União Soviética. E, obviamente, nunca foram comercializados no bloco comunista.
No início dos anos 90, apenas computadores europeus, como o ZX Spectrum, ofereciam experiência “de videogame” no país. Mas eles eram caros, e não estavam em qualquer residência. Além disso, cabe também o fato de que informática naquela época não era algo tão simples, e acessível a todos.
Até havia alguns videogames pela Rússia, mas eles eram trazidos por pessoas que viajavam a outros países, ou comprados por vendedores sem suporte oficial, de maneira um tanto semelhante aos videogames que vinham do Paraguai nesta mesma época. Videogames da Atari começaram a ser importados por lá, uma vez que o console já havia sido descontinuado, e o mercado russo parecia o ideal para desovar as últimas unidades. Mas, sem nenhum suporte.
O conceito de curtir videogame ia se popularizando, aos poucos, em Moscou e nas outras cidades russas. Se não havia fabricante russa, e se as grandes fabricantes não tinham representação no país, a saída era importar. Pontos de venda em Moscou, vendiam videogames, jogos e atendiam a todos. Inclusive, trazendo periféricos e aceitando encomendas.
Em pouco tempo, a “febre do videogame” já havia contagiado os russos. Mas ainda faltava um videogame “genuinamente russo”. Faltava.
Victor Savyuk: o “pai” russo do videogame
É quando conhecemos Victor Savyuk, ou, como é chamado em russo, Виктор Савюк. Em 1991, ele havia conhecido o NES, e visto o sucesso do console tanto no Japão, quanto no ocidente. Observando essa oportunidade de introduzir os videogames em uma Rússia recém-desligada da URSS, começou a importar alguns clones de Famicom da Ásia para a Rússia. Mas, ele não queria só ser como mais um de muitos importadores de videogames no país. Victor decidiu fabricar o seu próprio videogame.
Victor começou a planejar meios de criar, registrar e vender o seu próprio videogame. Encontrou, em 1992, um parceiro para seu projeto: a Steepler, empresa local de tecnologia, que topou encarar o projeto. Tal empresa seria capaz de vender e distribuir o console. Que foi batizado de Dendy, ou, em russo, Денди. Cujo simpático logotipo foi criado por Ivan Maximov.
Para a Eurogamer, em 2017, Savyuk afirmou: “É claro que todo mundo gosta de jogar, mas naqueles dias os games só existiam em computadores. Não era, de forma alguma, um mercado em massa. Era apenas para engenheiros de programação, e malucos. Eu imediatamente entendi que esse era o futuro. Havia a Nintendo, a SEGA, e a Atari antes deles, esse negócio existia e era enorme, mas não era na Rússia. Então eu entendi que esse era o futuro, essa era uma chance para novos negócios na Rússia”.
Assim, em dezembro de 1992, o Dendy invadiu as plateleiras russas. Custando 39 mil rublos (o equivalente a US$ 173 ou R$ 920 em adaptação à economia atual), o console chegou com propaganda massiva na televisão:
Para promover ainda mais o console, em 1993 estreou na TV o programa Dendy – The New Reality. Curiosamente, foi a mesma estratégia da Tectoy no Brasil, que apoiou programas na TV, como o Play Game, do Gugu. Veja como era o programa de games russo:
A iniciativa se mostrou um verdadeiro sucesso. Dendy virou sinônimo de videogame na Rússia. E, em abril de 1993, a Steepler já tinha gerado 500 milhões de rublos em receita. Atualizando os valores para a economia atual, é equivalente a US$ 1,3 milhão, ou quase R$ 7 milhões. E reinou praticamente sozinho em seus primeiros anos, uma vez que seus “concorrentes” eram apenas clones chineses, que chegavam facilmente pelas fronteiras.
Só no final de 1993 que a SEGA, representada pela Nisho Iwai e pela Forrus, teve seus produtos, oficiais, introduzidos no país. No início de 1994, uma nova empresa nasceu, em separação da Steepler: a Lamport, que comercializou outro clone de NES: o Kenga. Já em agosto desse ano, o Incombank se uniu com a Steepler e, assim como a Playtronic no Brasil, criaram a joint ventura chamada Dendy. Neste mesmo período, mais um concorrente chegou: o Bitman, da R-Style e Subor. A Dendy, além de fabricar os seus consoles, ainda conseguiu um acordo com a Nintendo, tendo direitos exclusivos para distribuir o Super Nintendo na Rússia.
Mas a Steepler encontrou problemas financeiros em 1996, e entrou em colapso. O console, então, foi para as mãos de uma subsidiária, a AOZT Dendy, que vendeu o console até 1998, quando terminou suas atividades.
O legado do Dendy
O país do Tetris e do Dendy recebeu os videogames de braços abertos. A Rússia conta, atualmente, com 65 milhões de pessoas que jogam videogame, de alguma forma. E em 2001, mas efetivado em 2016, o país foi o primeiro a considerar eSports como um esporte. Os russos conheceram, um pouco mais tarde, o videogame, e adoraram logo de cara. O tempo foi passando e, pouco a pouco, foram ganhando espaço.
Hoje, Playstation, Xbox e Nintendo possuem representação russa. Com páginas oficiais, novidades e ofertas de games e consoles. E o mercado russo ainda conta com desenvolvedores e grandes empresas, que levam games não só para dentro do país, mas exportando também. É curioso que o videogame tem ligação histórica direta com um novo momento no país. E, que com certeza, se tornaram bons companheiros no leste europeu, até os dias de hoje.