Há 30 anos, a EGM trazia a lendária brincadeira de primeiro de abril com Street Fighter 2
Nos anos 90, a forma como se consumia conteúdo relacionados a videogames era bem diferente da maneira que o fazemos hoje. Sem Internet, com lives, canais no Youtube, gameplays e influenciadores, restava aos interessados acompanhar as informações nas revistas de videogames, grande sucesso nesta época.
Nos EUA, uma das mais tradicionais era a EGM. Que, apesar de trazer uma cobertura bem completa sobre a indústria, também ganhou uma reputação interessante: a de trazer pegadinhas de primeiro de abril. Algumas, como a dica que colocava Simon Belmont num jogo das Tartarugas Ninja, geniais. Outras, como um jogo “Sonic no Super Nintendo”, fracas. Mas sempre estavam ali, nas edições de abril.
E a mais famosa delas, com toda a certeza, que inclusive saiu dos EUA e chegou até no Brasil, foi a que introduzia um personagem novo em Street Fighter 2. Tudo por culpa de um erro de tradução por parte da Capcom.
O hype do rumor, antes do hype existir
Mas, para entender melhor o tamanho da brincadeira, precisamos voltar para 1991. Naqueles dias, Street Fighter 2 era o fenômeno que o mundo dos games jamais tinha visto antes. Por ser um game de arcade, estava disponível a todos, pelo custo de uma simples ficha, o que aumentava a presença de aficcionados, novos fãs e curiosos.
Inclusive, nos atrevemos a imaginar em como seria um mundo sem Street Fighter 2. Confira, após ler este artigo, o que pensamos sobre este cenário do “multiverso gamer”.
Entre a febre, e a ascensão dos segredos nos games, um rumor começou a se espalhar por todo o game: a lenda de que o game tinha um lutador secreto, chamado de Sheng Long. Como todo bom rumor, havia quem “jurava” que havia visto o personagem, que inclusive tinha o seu nome dentro do jogo. Isso deu a alguém na EGM a ideia de brincar com esta situação.
Na página 60 da edição de abril de 1992, a revista publicou a “confirmação” da existência de um personagem secreto: o tal do Sheng Long. Para “comprovar” a informação, a revista trazia fotos do lutador e ensinava a enfrentá-lo. Para conseguir encontrar o “personagem secreto”, era preciso jogar com Ryu, não sofrer nenhum golpe durante toda a jogatina e, conseguir a impossível façanha de empatar, sem dar ou levar nenhum golpe, com Bison por 10 rounds seguidos.
Cumprindo tais objetivos, Sheng Long apareceria, jogaria Bison para longe e entraria para a luta em seu lugar. Calma, eu sei que você já viu essa cena antes, mas vamos falar dela mais pra frente. Mas, em 1992, isso era uma tremenda de uma mentira.
Sheng Long foi apresentado, na dica, como o mestre de Ryu. Mas tal ideia surgiu por conta de um erro de tradução. Na frase de vitória de Ryu, na versão de arcade dos EUA, o lutador dizia que “Você deve derrotar o Sheng Long para ter uma chance”, o que foi uma tradução errada para “Se você não conseguir superar o ‘Rising Dragon Punch’, você não poderá vencer”. ‘Rising Dragon Punch” também é o Shoryuken, o famoso golpe de Ryu e Ken.
Se aproveitando de rumor e erro de tradução, a EGM cravou que havia descoberto o personagem secreto. E, em tempos sem Internet, foram as outras revistas que, levando a sério ou deixando claro que era uma brincadeira, levaram a “lenda de Sheng Long” para outros países.
A “novidade” foi publicada em abril de 1992, ou seja, três meses antes de Street Fighter 2 para o Super Nintendo, nos EUA. O que deu tempo para a Capcom corrigir a frase para a versão, trocando Sheng Long por “Dragon Punch”. Mas Sheng Long estava no manual, desta vez como o mestre de Ryu e Ken. Mas nos jogos seguintes, e nas versões de Mega Drive, o nome foi retirado.
Mas não é que o tal do Sheng Long existe mesmo? Ou melhor… mais ou menos.
Entretanto, a Capcom percebeu que os fãs levaram o rumor muito a sério, o que indicava um engajamento extremamente positivo com seu game. Assim, a produtora japonesa resolveu criar o seu próprio Sheng Long. No mangá de Street Fighter 2 foi introduzido um novo personagem: Gouken, que era o mestre de Ryu e Ken. Mas o seu visual apenas lembrava o do personagem criado pela EGM, tendo um visual mais agressivo.
Mas nem isso fez com que muitos fãs não desistissem de que Sheng Long realmente existia, o que rendeu ainda mais rumores. De qualquer forma, em meio a manuais, quadrinhos, mangás e rumores, a Capcom resolveu trazer o seu personagem secreto. Surgia, assim, Akuma (ou Gouki, dependendo do local do mundo em que você está), como personagem secreto de Super Street Fighter 2 Turbo, que seria a versão definitiva do game, que já estava perto de receber o terceiro capítulo do game.
Diferente da pegadinha da EGM, Akuma não é o mestre de Ryu e Ken, mas sim o irmão mais novo de Gouken, o personagem apresentado no mangá. O personagem, que foi programado como uma versão misturada de Ryu e Ken, ainda mais agressiva, veloz e forte, tinha um jeito bem peculiar de ser acessado. Era preciso chegar em Bison em menos de 20 minutos, sem perder um round.
Mas não seria preciso empatar 10 rounds com o “chefão final”. Cumprindo os requisitos, no combate final, Akuma aparece, derrota Bison com apenas um golpe e se torna o oponente final do game, oferecendo um desafio muito maior do que o do lendário chefe final do game. Ainda era possível selecioná-lo, porém o personagem controlado pelo jogador era muito mais fraco do que o controlado pela máquina.
A EGM brincaria, mais uma vez, com Sheng Long, desta vez dizendo, mais uma vez numa edição de abril, que ele estaria presente em Street Fighter III. Para deixar tudo ainda mais confuso (o prato cheio para os fãs de rumores), Sheng Long quase apareceu no game de Street Fighter que se baseou on filme. Um desenvolvedor do game contou que a Capcom autorizou a criação do personagem, que foi citado, mas não foi introduzido no jogo.
Sheng Long nunca foi introduzido em um game Street Fighter, embora Gouken, que estrearia na série Alpha, mas apenas em uma imagem, e depois enfim chegaria em Street Fighter IV, com direito a alguma inspiração na brincadeira da EGM.