Análise Arkade: Kao the Kangaroo, o retorno genérico de um mascote genérico
O mundo dos games sempre gostou de mascotes. Estão aí Sonic, Crash, Mario e Spyro que não me deixam mentir. Mas, para cada mascote que emplacou, há muitos que não deram tão certo assim.
Mas, enquanto alguns deles simplesmente se perdem na história — saudades Gex e Croc –, outros ocasionalmente retornam, seja em remakes ou em projetos totalmente novos. Nos últimos anos vimos isso acontecer com o Bubsy… e agora com Kao the Kangaroo, canguru que nasceu no Dreamcast ali no início dos anos 2000, mas passou uns bons anos na geladeira.
Eis que, mais de duas décadas depois, o canguru Kao está de volta, em uma aventura de plataforma 3D que não é um remake nem um remaster, mas um reboot, ou seja: este Kao the Kangaroo de 2022 é um jogo 100% novo, que busca introduzir o personagem para uma nova época — e novas gerações de jogadores.
Em busca da família
A história de Kao the Kangaroo parte de uma premissa bastante simples: nosso protagonista, Kao, sonha que sua irmã está em perigo. Como seu pai já desapareceu misteriosamente no passado, o jovem canguru decide investigar o que pode estar rolando com sua irmã.
Em sua jornada, ele será auxiliado por Walt, um coala bom de briga que acaba tornando-se seu tutor… e pelas luvas de boxe mágicas de seu pai (?!), que só conversam com Kao — e podem lhe conceder certos poderes elementais ao longo da campanha.
E é isso. Como em diversos clássicos do gênero plataforma, o que temos aqui é mais uma premissa — uma motivação que move o protagonista — do que uma história grandiosa ou surpreendente… e não há nada de errrado nisso, certo? O Mario só queria resgatar a princesa, afinal. Há certo charme na simplicidade, desde que apresentada de forma competente.
Saltando e batendo
Kao the Kangaroo é um jogo de plataforma bem tradicional que, em uma primeira olhada, lembra um bocado Crash Bandicoot, ainda que suas fases mais aberts (mas ainda lineares) tenham uma pegada mais parecida com Spyro the Dragon.
Kao possui habilidades essenciais de mobilidade — como o pulo duplo — mas também tem a manha de dar uns sopapos. Afinal, ele usa luvas de boxe, e como estes marsupiais supostamente são bons de briga, qualquer canguru da cultura pop precisa ser meio boxeador (lembra do Roger, o canguru de Tekken?).
Isso quer dizer que, ainda que seja, essencialmente, um jogo de plataforma e exploração 3D, Kao the Kangaroo também tem um foco maior no combate, com direito a rolamento/esquiva e combos simples. Ao contrário de diversos jogos de plataforma, aqui não vamos simplesmente pular na cabeça dos inimigos — ainda que Kao tenha um “pisão” que lembra a “bundada” do Mario.
Ah, e como já mencionado, suas luvas mágicas também acabam ganhando poderes elementais, que são úteis na exploração, mas não nos combates. Com as luvas de fogo, por exemplo, podemos queimar teias de aranha que bloqueiam o caminho, enquanto as luvas de gelo congelam a água, aumentando as possibilidades de exploração. Convenhamos: nada que já não tenhamos visto antes.
Kao também tem letras para coletarmos — K, A e O, na mesma linha de Donkey Kong –, bem como moedinhas, que podemos trocar por novos trajes, corações de energia e até vidas extras. Se os trajes são apenas cosméticos, as vidas e corações vão garantir que você não sucumba diante dos desafios de plataforma e chefes que lhe aguardam… não que o jogo seja particularmente desafiador, na verdade ele é bem fácil na maior parte do tempo.
O coletável mais importante, porém, são as runas: Kao the Kangaroo solta o jogador em grandes hubs, com fases que estão seladas por grandes portais mágicos. Para abrir estes portais, você precisa coletar um número específico de runas. Embora este artifício possa acabar travando o seu progresso nas fases mais avançadas, se você jogar com um mínimo de dedicação, certamente vai encontrar o número necessário de runas para não ficar preso.
Uma aventura genérica (e problemática)
Este reboot de Kao the Kangaroo sofre de um problema grave: ele é um jogo extremamente genérico. Ao seguir a cartilha dos “jogos de mascote”, ele acaba não se destacando, não tenta entregar nada que seja minimamente diferente ou inovador.
Isso não incomodaria tanto se Kao the Kangaroo tivesse o polimento dos jogos do Mario, por exemplo, mas não é o caso. Ainda que o gameplay funcione, como jogo, este reboot nunca é tão fluido, agradável e gostoso de jogar quanto poderia ser. E quando temos tantos outros jogos que fazem isso melhor — e com muito mais carisma — fica claro que o canguru Kao não tem o que é preciso para adentrar o panteão de mascotes inesquecíveis dos videogames.
Somado a esta constante sensação de “jogo de mascote genérico”, temos ainda alguns problemas técnicos recorrentes e irritantes. Cair para fora do cenário, ou a ação executada não surtir o efeito desejado são alguns destes problemas. A trilha sonora também ocasionalmente desaparece do nada (isso rolou inclusive na cutscene inicial). Nada disso “quebra o jogo”, mas escancara uma falta de polimento que compromete a experiência.
O que é uma pena pois, ainda que sua estética “fantasia 3D fofinha” pareça requentada de uma dezena de outros jogos de plataforma 3D, Kao the Kangaroo é um jogo agradável aos olhos, com dublagens decentes, cenários coloridos e um elenco enxuto, mas simpático de coadjuvantes.
Conclusão
Não deve ser fácil trazer uma franquia antiga para os tempos modernos. Porém, se tudo é feito com carinho e atenção aos detalhes, o resultado pode ser bem surpreendente. Doom, por exemplo, é uma franquia que se atualizou sem perder sua essência. E o bom e velho Mario consegue se reinventar a cada novo jogo, sem nunca deixar de ser um jogo de plataforma com gameplay delicioso.
Kao the Kangaroo, infelizmente, não chega lá. A Tate Multimedia foi corajosa ao trazer de volta um mascote nem tão famoso para as plataformas atuais, mas a verdade é que, além dos problemas técnicos, Kao the Kangaroo simplesmente não tem nada que faça ele se destacar, nem é bem executado o bastante para ser salvo por seu gameplay.
Talvez este fosse o problema da franquia lá nos tempos do Dreamcast e do GameCube: ela simplesmente não tinha o carisma e a qualidade para bater de frente com jogos melhores que estavam surgindo na época. E isso ainda é verdade em 2022. Sei que é cruel dizer isso, mas talvez o canguru Kao devesse ter ficado na geladeira, no fim das contas.
Kao the Kangaroo foi lançado em 27 de maio, e está disponível para PC, Playstation 4, Playstation 5 (versão analisada), Xbox One, Xbox Series X|S e Nintendo Switch. O jogo possui menus e legendas em português brasileiro.