Análise Arkade – Mario Strikers: Battle League faz um golaço em jogo ganho

21 de junho de 2022
Análise Arkade - Mario Strikers: Battle League faz um golaço em jogo ganho

Eu sou suspeito em dizer que sim, jogos de futebol digital são uma parte importante do mercado hoje, e não tem meio termo em relação aos jogadores: há quem os odeie (ou no máximo os ignore completamente) e há quem se dedique a eles de forma assídua e quase abusiva.

Não importa de que lado você está desta linha, há que se admitir que o gênero se tornou, ao longo das últimas décadas, sisudo demais, realista demais. Enquanto Allejo e companhia deram lugar a uma batalha de licenciamentos, jogadas malucas cederam espaço ao ultra-realismo e a bagunça de um futebol mais moleque foi sumindo, em detrimento à competitividade e à uma xperiência mais próxima do futebol real.

Ainda que tenhamos aqui e ali exemplos — Captain Tsubasa: Rise of New Champions é o maior deles dentre os mais recentes — que tentam fugir desta máxima estabelecida pelas principais franquias da indústria, das quais já falamos bastante aqui, o fato é que o gênero parece estagnado e, talvez, refém dos parâmetros que atribuiu para si mesmo, e opções mais descompromissadas com o mundo real fazem falta. Frequentemente, as principais peças de publicidade tanto de FIFA quanto de eFootball (o eterno ex-PES) exaltam mais realismo, animações mais perfeitas, física aprimorada, etc. etc. etc.

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Eis que a Nintendo (sempre ela), emerge no mar da mesmice com uma das sub-franquias esportivas do seu mascote mais antigas, e nos apresenta, em pleno ano de Copa do Mundo, à terceira incursão de Mario Strikers, batizado com o sub-título Battle League, algo que já fala muito sobre suas expectativas e objetivos.

Na contramão de tudo o que vemos por aí sobre futebol nos videogames, este é um título que foge completamente da tentativa de emulação do esporte a ponto de nem se encaixar tanto assim na mesma categoria dos demais. Este é, antes de um jogo de futebol, um jogo da grife Mario, que cá entre nós faz tudo na vida, menos ser encanador.

Dito isso, Mario Strikers: Battle League coloca os principais personagens vistos nos jogos estrelados pelo bigodudo para se enfrentarem em pelejas 4×4 onde regras são meros detalhes. Bem-humorado e cheio de referências e easter-eggs, o jogo é um verdadeiro deleite para fãs de longa data, e tende a agradar mesmo aqueles que não se interessam muito pelo esporte em si. Isso porque o segredo para o sucesso e para a diversão passa muito longe de elaborar jogadas de efeito, dribles mirabolantes ou estratégias baseadas no futebol de verdade. Fazer gols ainda é o objetivo, claro, mas a forma de se chegar ao balnaçar das redes é muito diferente.

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Rola a bola

Logo de cara, o tutorial nos mostra algumas camadas de complexidade que podem assustar os recém-chegados. O chute comum e o passe regular são só um ponto de início para sistemas mais elaborados, que incorporam petardos carregados, troca de passes com timing potencializador, golpes especiais e dribles que servem muito mais como sistemas de esquiva como os vistos em jogos de combate e ação do que com gingado de habilidade. A principal mecânica defensiva, porém, é aquela que se mostra a chave para qualquer pretensão: a tomada de bola, digamos, pouco convencional.

Afinal, para recuperar a posse, nada de marcação pressão, dividida ou entrada limpa na bola. Quer ficar com a pelota? Então o jeito é acertar uma belíssima voadora na cara do adversário para jogá-lo o mais longe possível. Se for um golpe carregado para deixá-lo desnorteado, melhor ainda. A lógica é simples: bata antes, fique com a bola depois, algo que rende ótimas risadas, táticas literalmente agressivas e um foco na batalha campal (trocadilho intencional), valorizando um quebra-pau lúdico que mais lembra uma versão futebolística de Space Jam do que uma partida do Brasileirão nas tardes de domingo.

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A loucura só aumenta com a possibilidade de uso de power ups que surgem aleatoriamente no campo, e eles são de dois tipos. O primeiro é muito similar às ferramentas de Mario Kart, com caixas aleatórias que fornecem cascos de tartaruga, cascas de banana e bombas, e ajudam muito a limpar a frente e abrir espaço para chutes mais tranquilos, ou ainda para atrapalhar o avanço inimigo em direção à sua meta.

Já o segundo, uma esfera de poder, concede ao time por alguns segundos a possibilidade de chutes especiais, com animações elaboradas e efeitos específicos para cada personagem. Também são tiros mais poderosos e, quando executados da forma correta, se tornam indefensáveis e valem mais do que os gols normais.

No meio dessa bagunça de golpes e superpoderes, é surpreendente que jogadas clássicas do esporte também funcionem de forma efetiva em vários momentos. Cruzamentos com finalização de primeira, lançamentos para o ponto futuro e infiltrações são bastante satisfatórios, mesmo que seja importante entender como o jogo funciona e principalmente como a inteligência artificial do seu time não segue qualquer lógica comum dos jogos de futebol. Com o tempo, o jogador começa a entender a movimentação do jogo, a lógica da troca de passes, o timing de chutes efetivos e tudo o que parece mais caótico nas primeiras partidas. É uma jogabilidade muito própria, mas muito funcional e responsiva.

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Outro elemento que se torna imprescindível é a composição de um time que esteja alinhado com o estilo desenvolvido por cada jogador, já que dentre cinco atributos, cada personagem é bastante único. Não espere da Peach a mesma truculência de Bowser, muito menos de Donkey Kong a mesma agilidade de Toad. Waluigi tem um jeitão desengonçado muito equilibrado, enquanto sua contraparte do bem (Luigi) é dos mais habilidosos. Isso, claro, considerando as configurações iniciais, porque a customização pode trazer uma série de variáveis inesperadas para o seu esquadrão.

Explicando melhor: é possível comprar, com a moeda do jogo ganha a cada nova conquista, equipamentos para pernas, braços, torso e cabeça que mudam os atributos do personagem. Em um sistema de troca equivalente, você pode equipar no Yoshi, por exemplo, um capacete que tira um ponto da velocidade para acrescentar em força, deixando-o mais preparado para o conflito, mas pode usar luvas que tiram ponto da característica de chute para aumentar a velocidade. Para não quebrar o jogo, mesmo os equipamentos mais poderosos liberados pela conquista de copas seguem a mesma lógica de tirar de algum lugar para incrementar outro.

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O resultado é poder montar um time altamente adaptado ao estilo do jogador. Naturalmente, a tendência que segue o senso comum prega que um time equilibrado é a melhor opção, com jogadores ágeis compondo com outros mais fortes, mas nem sempre essa verdade é tão absoluta. Você pode preferir um time inteiro mais ágil em campo, mesmo abrindo mão da força, ou pode decidir por uma equipe com quatro jogadores fortes para arrebentar o adversário, ainda que isso enfraqueça tanto a capacidade de correr quanto de se mover mais habilmente com a bola nos pés.

Modos de jogo e conteúdo

Esta configuração de personagens, na prática, permite criar uma duplicata de cada um deles, expandindo, como uma gambiarra, o elenco ainda muito restrito do game. A exceção do goleiro, fazem falta tantos personagens que já vimos em outros jogos similares, incluindo o já citado Mario Kart, como os outros filhos de Bowser, como participações especiais do universo expandido da Nintendo. Certamente não haverá aqui a retroalimentação de anos como em Super Smash Bros Ultimate, mas mesmo assim, é notória a limitação de escopo do jogo.

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Esta escassez de material fica ainda mais evidente quando consideramos modos de jogo, cenários e conteúdo geral da produção. No momento do lançamento, temos a disposição a possibilidade de disputar amistosos em modo single player, multiplayer de sofá ou online com amigos e/ou desconhecidos; e há um sistema de Copas, também parecido com o de Mario Kart, com alguns campeonatos a serem disputados em dificuldade padrão e que, após serem superados, abrem o modo Lendário, que é onde a dificuldade da IA realmente mostra seu potencial.

A cartada principal dos desenvolvedores para a longevidade do título, porém, está toda focada no Strikers Club, onde você pode realmente trabalhar no gerenciamento de um time com elenco, uniforme e outras perfumarias personalizáveis, montar um clube com amigos e outras pessoas e cuidar do estádio próprio mudando detalhes que não estão disponíveis nos perfis disponíveis nos outros modos. Há a possibilidade de ser dono do seu clube composto com outras pessoas, e há responsabilidades e atribuições diferentes para cada membro.

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Para os menos adeptos ao universo compartilhado, porém, Mario Strikers: Battle League certamente vai se esgotar rapidamente. O principal modo single player, as citadas Copas, podem ser vencidas em uma tarde em sua dificuldade inicial, e repetí-las na dificuldade máxima pode até dar mais trabalho e demandar mais tempo, mas não oferece mais do que um grande desafio e moedas a mais para itens customizáveis. Não há, por exemplo, formatos de torneios diferentes, como pontos corridos, nem outros desafios complementares, como artilharia de campeonato, níveis de personagens, premiações diferentes, muito menos qualquer resquício narrativo.

Jogo bonito

Se há um elemento intocável em jogos do velho encanador bigodudo, sejam eles dentro do gênero que o consagrou, sejam essas incursões em áreas distintas, é o quesito estético de altíssimo nível. Mario Strikers: Battle League não foge à regra e apresenta alguns dos melhores visuais do console híbrido da Nintendo. A modelagem dos personagens segue muito próxima de tudo o que vimos em Mario Odissey, Mario Kart 8 Ultimate e, mais recentemente, Mario Golf, e as animações específicas do jogo são cheias de detalhes que enchem os olhos. É curioso como as diferenças de personalidade ficam mais evidentes em detalhes, nas comemorações e até no modo de cada um se movimentar.

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Talvez o ponto que menos me animou nesse sentido foi a seleção de uniformes, bastante simplificada e sem mesmo poder escolher cores ou algo assim. Os cenários são um pouco mais inspirados, e a sacada do campo ser uma junção de metades de cada time cria composições interessantes, mas essa qualidade se torna repetitiva por possibilidades que, no final, nem são tão variadas assim. Uma vez mais, a qualidade do que está lá é inegável, mas ela se torna diminuta pela quantidade ínfima. É como se em duas ou três horas de jogo já tivéssemos visto e revisto tudo o que o novo Mario Strikers tem pra mostrar.

Isso tudo, claro, não apaga a capacidade do jogo em fascinar quando a bola entra em jogo, sobretudo quando abusa da pirotecnia e das cores saturadas para criar uma grande festa em campo. Se em certo momento tudo é bastante sóbrio, com um time bem postado na defesa enquanto o outro troca passes sólidos como numa partida de futebol de salão, no instante seguinte há coisas brilhando pela tela toda, cascos de tartaruga zanzando, gente pulando de um lado e se arrebentando do outro, bombas explodindo, bolas flamejantes queimando o goleiro e furacões arrastando tudo por onde passam. É o tipo de exagero para qual o jogo se presta e que faz falta na “chatice” realista do futebol digital dos dias atuais.

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A bagunça generalizada é ainda mais deliciosa quando a sonorização valoriza vozes e efeitos no meio de tudo sem parecer só uma sobreposição de ruídos, e frases de efeito fazem todo o sentido na ambiência das disputas malucas. As animações tanto para chutes especiais quanto para comemoração de gols não são das mais diversificadas também, mas têm um carisma que não será encontrado em quase lugar nenhum, e são poucas as vezes que dá vontade de pular essas ceninhas — na maioria das vezes, o faremos quando tomamos um gol inacreditável do adversário, claro.

Conclusão

Mario Strikers: Battle League não é exatamente surpreendente, mas entrega tudo aquilo que se espera dele, sobretudo se já experimentamos uma das incursões anteriores. Sem reinventar conceitos, ele faz bem tudo aquilo que se propõe ao trazer uma brincadeira de futebol descompromissada, caótica e muito bem-humorada que conhece muito bem o carisma de seus grandes ícones. Ao mesmo tempo, essa qualidade pode transparecer uma certa acomodação que não arrisca sair da zona de conforto para entregar qualquer coisa além do óbvio.

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Ainda que ofereça camadas interessantes de profundidade em mecânicas aparentemente simples, a sensação de vazio é inevitável após algumas horas dedicadas a vencer torneio após torneio, ou de customizar seu clube no modo online. É como se você aprendesse a jogar bem contra a IA, preparasse o terreno para seguir adiante, e percebe que esse próximo passo não é tão longo assim. Talvez, propositalmente, o grande trunfo da Nintendo esteja em apostar no fator social. Aproveitar Mario Strikers: Battle League com alguém, mesmo que seja com cada um no sofá jogando com metadinha do controle, ou, melhor ainda, com um clube de verdade cheio de gente, é a melhor forma de dar alguma longevidade do título.

Jogar sozinho não é algo a ser desconsiderado, obviamente, e há um nível de desafio muito intenso nas copas em suas dificuldades mais elevadas que pode fazer com que os grandes craques em FIFA ou eFootball arranquem os cabelos por nem verem a cor da bola, mas confesso que tenho dificuldade em considerar jogar os mesmos desafios, os mesmos torneios, passar pelos menos caminhos, só que mais difíceis como um conteúdo a mais, assim como aceito pouco que poder ter uma versão cheia de apetrechos dos mesmos personagens possa compensar um elenco limitado.

Mario Strikers: Battle League foi lançado em 10 de junho de 2022 exclusivamente para Nintendo Switch com textos e menus totalmente localizados para o português — algo já comum em produções de grande orçamento de diversas empresas, mas que ainda é meio que uma novidade em produtos originais Nintendo.

O jogo é divertido, cativante e exagerado como deveria ser, conta com uma jogabilidade muito refinada e com uma apresentação audiovisual nos mais altos padrões que já estamos acostumados quando envolvem o nome Mario, mas oferece pouco recheio pelo potencial demonstrado em suas primeiras horas.

Paulo Roberto Montanaro

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