Análise Arkade: Enchanted Portals, uma cópia mal calibrada de Cuphead

18 de setembro de 2023
Análise Arkade: Enchanted Portals, uma cópia mal calibrada de Cuphead

Enchanted Portals é um jogo que não apenas bebe na fonte de Cuphead. Ele mergulha nessa fonte. No aspecto visual, ele sem dúvida chega bem perto. Já no gameplay… Entenda melhor em nossa análise de Enchanted Portals.

Multiverso mágico

Enchanted Portals conta (sem palavras) a história de dois jovens bruxos aprendizes. Durante uma faxina, eles acabam esbarrando em um livro mágico, capaz de criar portais para outras dimensões.

Obviamente, o livro sofre um pequeno acidente, jogando a dupla em um punhado de realidades paralelas. Se quiserem acabar com esse caos e retornar para casa, os bruxinhos terão que superar diversos desafios a fim de recuperar o livro.

Análise Arkade: Enchanted Portals, uma cópia mal calibrada de Cuphead
“momentos antes da dresgraça acontecer”

É uma história simples, que serve basicamente para apresentar o conflito multidimensional da aventura. Os acontecimentos são apresentados por meio de cutscenes mais ou menos animadas que até são bonitas, mas carecem de personalidade. O visual de Enchanted Portals até pode ser bastante similar ao de Cuphead, mas ele não tem nem uma fração do carisma.

Cuphead-like mal calibrado

Lembra daquele meme “copia, mas não faz igual”? Enchanted Portals segue bem essa linha. Ele nem se esforça para tentar ser diferente de Cuphead. Não é como se, por exemplo, ele só tivesse o visual de Cuphead, mas oferecesse uma experiência diferente, brincasse com outros gêneros, outras mecânicas.

Ele funciona praticamente do mesmo jeito, mas é bem menos polido. A maior diferença é que, enquanto Cuphead tinha poucas fases comuns e priorizava suas excelentes boss battles, Enchanted Portals é um jogo de fases mais tradicional: salvo algumas exceções, no geral encaramos uma fase inteira, para o embate com o chefe ao final.

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Um raro momento sem nenhum inimigo na tela (mas a armadura ataca)

O diferencial aqui é que mesmo os inimigos mais comuns chegam protegidos por escudos de diferentes cores: azul, verde e vermelho. Temos três tipos de tiros nessas mesmas cores, ou seja, para derrotar um inimigo azul, use o tiro azul, e assim sucessivamente.

Até aí tudo bem. O problema é que Enchanted Portals é um “run and gun” um tanto quanto mal calibrado: as criaturas voadoras insistem em ficar bem em um ângulo que nossos tiros não alcançam (podemos atirar em oito direções fixas, a mira não é livre em 360º, como em um twin stick shooter).

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Um exemplo claro desse “ponto cego” no jogo

Como resultado, passamos raiva e nos frustramos enquanto tentamos dar um jeito de alcançar os inimigos (o que pode nos fazer tomar dano). Os morcegos da primeira fase já deixam esse problema bem claro. Fique avisado: inimigos voadores vão dar mais dor de cabeça do que deveriam.

Enchanted Portals é difícil pelos motivos errados

Não é só o visual de Cuphead que Enchanted Portals tenta emular. Ele também oferece uma dificuldade cruel, capaz de fazer o jogador menos resiliente desistir. Isso não é necessariamente um problema, e o sucesso dos Souls-likes está aí para provar que jogos difíceis têm seu público.

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A questão é, como adiantado acima, Enchanted Portals tem diversos problemas de game design que fazem com que sua dificuldade “não intencional” acabe azedando a experiência. Para começar, tem esse “ponto cego” dos tiros que torna toda criatura voadora um inferno para derrotar.

Mas não para por aí. O hud minimalista do jogo não é claro para nos passar uma informação básica e extremamente importante: quanto de dano podemos tomar. Há uma fotinho do personagem com risquinhos ao redor que, na teoria, deveriam simbolizar nossa vida, mas não é assim que funciona.

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No canto superior esquerdo, temos um medidor de vida bem confuso

Na prática, entendemos que estamos com a vida baixa conforme a cor desse mostrador muda (meio que como o “Fine” e “Caution” da série Resident Evil, saca?). Porém, essa é uma forma bastante imprecisa de exibir o status de saúde. De quantos hits eu preciso para ir do verde ao laranja? E depois do laranja, quantos ataques ainda aguento? Não há como saber. A falta de impacto, de feedback de dano, torna isso ainda mais incerto.

Para completar, embora não seja um rogue-lite, Enchanted Portals parece randomizar o padrão dos inimigos a cada nova tentativa. Nesse tipo de jogo, decorar padrões é parte da experiência. Não por acaso, em Cuphead, é possível completar fases com ranking P de Pacifista. Depois que você decora o layout da fase, é possível passar por ela sem disparar um tiro sequer. Eu fiz isso e posso provar!

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Os trechos de plataforma são igualmente desafiadores

Aqui isso não é uma opção. E, para completar as decisões equivocadas de game design, o jogo não cria nenhum tipo de checkpoint: as fases, em geral, são divididas em 2 ou 3 áreas de run ‘n gun e plataforma + o chefe. Morrer no final da primeira área, volta para o início dela (com surgimento de inimigos aleatório). Morrer no chefe, por sua vez, faz a batalha contra ele recomeçar do zero.

Porém, isso não quer dizer que o jogo criou um save antes do chefe. Se você ficar travado em um boss e tiver que parar de jogar, quando voltar, vai ter que encarar todas as áreas da fase novamente, até chegar no chefão. Isso não é dificuldade, é falta de respeito com o tempo do jogador.

Audiovisual

Cuphead sem dúvida é um dos jogos 2D mais bonitos já produzidos, e suas elaboradas animações desenhadas à mão deixam qualquer um de queixo caído. E, sua trilha sonora — composta essencialmente, por jazz instrumental — combina perfeitamente com a proposta de emular o estilo dos desenhos animados dos anos 1930. São escolhas artísticas e estéticas que têm um propósito.

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Mais um ótimo exemplo de chefe

Enchanted Portals, por outro lado, não parece ter o mesmo senso de propósito. Tudo nele parece ter sido pensado apenas para imitar o estilo de Cuphead. Ok, sendo justo, sua direção de arte é bem bonita, e o visual como um todo chama a atenção… mas é difícil não enxergá-lo apenas como uma cópia de Cuphead.

Visualmente, ele sem dúvida chega bem perto. O design dos chefes é especialmente legal, com transformações malucas ao longo das diferentes etapas da batalha. A trilha sonora não é realmente incrível, mas cumpre seu papel.

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Esse chefe me parece uma referência aos Tyrants de Doom

Porém, Cuphead é muito mais do que seu visual. É um jogo polido, com gameplay extremamente bem calibrado e um nível de desafio que é altíssimo, sem ser frustrante. Nenhuma dessas características foi “replicada” em Enchanted Portals. Sem todas essas qualidades, ele acaba sendo apenas “um rostinho bonito”.

Enchanted Portals é “só um rostinho bonito”

Eu entendo que Enchanted Portals é um projeto muito menor do que Cuphead. De fato, o Xixo Games Studio, responsável pelo game, é composto por apenas duas pessoas. E a impressão que fica é que essas duas pessoas são ótimas artistas, mas não são muito boas de programação e game design.

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Então, por mais que talvez não seja justo ficar comparando Enchanted Portals com Cuphead o tempo todo, eles são tão similares que as comparações são inevitáveis. E, em todos os aspectos, Cuphead é um jogo melhor. Ele não só “chegou antes”, como também é mais polido em praticamente todos os aspectos.

Por tudo isso, é difícil recomendar Enchanted Portals em um mundo no qual existe Cuphead. Salvo o belíssimo visual e uma outra ideia diferenciada, não há muito para sustentar a experiência, em termos de mecânicas. E quando a dificuldade do jogo está mais atrelada a questões de game design do que aos desafios em si, claramente existe um problema.

Enchanted Portals está disponível para PC, Playstation 4, Playstation 5 (versão analisada), Xbox One, Xbox Series X|S e Nintendo Switch. O game possui menus e legendas em português brasileiro.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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