Catherine (PS3, X360) review: erotismo, ovelhas e bizarrice
Catherine é um jogo incomum. Sua simples chegada ao ocidente é algo estranho, visto que o estilo do jogo não tem praticamente nada a ver com o que público ocidental está habituado. Este não é um jogo de ação, não tem tiroteios, explosões ou guerreiros musculosos. E é justamente essa ausência de clichês ocidentais o que torna Catherine tão interessante.
Produzido pela Atlus – famosa pela clássica série Persona – Catherine é um game difícil de rotular. A maior parte dele flerta com o estilo puzzle, mas há muito mais elementos envolvidos: a história consegue ser mais envolventente do que em muitos RPGs e há uma dose de horror e adrenalina que deixariam muitos survival horrors no chinelo.
Em Catherine você assume o controle de Vincent Brooks, um cara de trinta e poucos anos absolutamente normal. Ele não é um grande guerreiro em uma jornada épica, é apenas um sujeito comum com uma vida comum. Nas suas horas livres, Vincent frequenta o bar Stray Sheep Pub para beber uns drinques e reclamar da própria vida para os amigos.
Uma de suas reclamações é em relação à Katherine – com “K” – sua namorada de muitos anos. A garota quer se casar e pressiona o rapaz sem a menor cerimônia. Mas a atual situação está boa para Vincent, e a última coisa que ele quer fazer é sair desta zona de conforto e dar o próximo passo em seu relacionamento.
Porém, sua vida vira de pernas para o ar quando ele conhece Catherine – com “C” – uma bela e misteriosa garota que aparece no bar e na manhã seguinte já está acordando nua ao seu lado. Abismado com a entrada desta nova mulher em sua vida, nosso nada heróico protagonista deve dar um jeito em sua própria situação amorosa ao mesmo tempo em que descobre mais sobre Catherine e é assombrado por horrendos pesadelos envolvendo torres gigantes e sádicas ovelhas falantes.
Tais pesadelos não são apenas coisa de sua cabeça: há um mistério bizarro se desenrolando em paralelo ao drama de Vincent, com pessoas jovens e saudáveis sendo encontradas mortas em suas camas sem qualquer pista que indique a causa da morte. Estes pesadelos dão um toque sobrenatural à trama e estão diretamente ligados aos problemas pessoais de Vincent.
Sim, a trama é complexa e contá-la em poucos parágrafos não favorece a grandiosidade que ela alcança. O destaque em Catherine é sua história, sempre acompanhada por uma boa dose de erotismo. Isso mesmo, há muito erotismo neste game, o que deve agradar aos marmanjos de plantão: as duas Catherines estão sempre aparecendo de lingerie ou camisola, e ambas são tão lindas que a confusão do pobre Vincent é totalmente compreensível.
Felizmente o erotismo é um complemento e não uma distração à boa narrativa do game, que possui um amplo sistema de escolhas morais que afetam não apenas a narrativa do game, como também a maneira como Vincent se comporta e é visto pelos demais personagens. Já vimos coisas assim em games como Mass Effect, mas neste caso é uma experiência muito mais pessoal, pois após algumas horas você realmente vai estar compartilhando do drama de Vincent e tentando resolver a vida do cara da melhor maneira possível.
Quase todos os diálogos do game possuem diferentes opções de resposta, e suas escolhas influenciam diretamente no tipo de pessoa que Vincent será. Além dos diálogos, o personagem também recebe mensagens de texto em seu celular, e elas podem tanto ser respondidas (com múltiplas opções de resposta) quanto ignoradas.
A ação do game é dividida em dois momentos bem distintos: durante o dia, você controla Vincent acordado e deve levá-lo ao Stray Sheep Pub, onde ele pode conversar com as pessoas, ouvir música, jogar fliperama e (claro) beber um pouquinho. Depois da noitada, leve-o para casa, onde ele vai se aventurar nas fases de escalada em seu bizarro mundo de pesadelos.
Em ambos os casos os gráficos são um cel shaded com cara de animé: expressões exageradas e olhos expressivos. A dublagem cumpre seu papel e consegue trazer a complexidade do roteiro japonês ao público ocidental. A trilha sonora merece destaque pois além de ter ótimas músicas originais, conta ainda com trilhas destraváveis de Persona e outros games da Atlus. Para ouví-las, basta usar a jukebox do Stray Sheep Pub.
Apesar da jogabilidade ser um pouco estranha, as fases noturnas são extremamente desafiadoras. Como você está no mundo dos sonhos, não existe qualquer preocupação com a lógica, e isso você descobre já nos primeiros minutos, quando um participativo narrador lhe apresenta os pormenores do gameplay.
Basicamente, você está em uma enorme torre feita de blocos e deve escalá-la para escapar de algo aterrorizante que vai subindo. A coisa aterrorizante geralmente é uma distorção dos problemas cotidianos de Vincent, como uma versão gigante e macabra de sua namorada, ou algo do tipo.
Tudo o que você precisa fazer nestes casos é subir e sobreviver, pois as mortes misteriosas que estão acontecendo de verdade parecem ter alguma relação com estes sonhos bizarros. Nestas escaladas, rapidez de raciocínio é fundamental, pois você terá de deslocar blocos para improvisar degraus, sempre tentando fazer o melhor caminho para apanhar as moedas e power ups que ficam espalhados estrategicamente pelos cenários.
Conforme você avança pelo game as fases vão ficando mais desafiadoras e os cubos inofensivos do início vão gradativamente sendo trocados por blocos explosivos, escorregadios, entre outras armadilhas. Pense bem antes de agir, pois muitas vezes mover um único bloco errado pode arruinar toda uma estratégia. As ovelhas esquisitas também são boazinhas no começo (e até conversam com você), mas com o tempo vão infernizar sua vida e tentar impedir seu avanço.
Embora estas fases noturnas sejam intensas, depois de um tempo elas acabam se tornando meio cansativas, e a história – que é onde Catherine realmente brilha – é o que vai te manter interessado, e você sempre vai querer passar rápido pelos pesadelos para voltar ao Stray Sheep Pub, interagir com as pessoas e prosseguir com o enredo.
Saber que suas ações afetam diretamente não só o desenvolvimento da trama, mas a própria vida de Vincent é algo muito estimulante, e isto deixa o game bem viciante, pois sempre pinta aquele pensamento de “só vou jogar mais um pouquinho para ver o que acontece em seguida”, e quando você se dá conta passou as últimas três horas jogando sem parar!
Considerando que o game possui muitos finais diferentes e uma campanha de mais de 15 horas, esta capacidade de manter o jogador interessado é uma grande sacada, afinal todo mundo que jogar de um jeito vai querer se aventurar novamente pelo game para jogar de outro e ver o que acontece. Isso torna Catherine uma experiência única para cada jogador e acrescenta um grande fator replay.
Resumindo, Catherine é um jogo único que merece ser experimentado por qualquer jogador que aprecie uma história envolvente aliada a um bom desafio. Ousado, sexy e bizarro, Catherine não tem medo de inovar e mostra com orgulho que os RPGs japoneses – se é que podemos chamá-lo assim – ainda têm muita lenha para queimar!
Este review foi originalmente publicado na edição 26 da revista Arkade.