Análise Arkade: Until Dawn, um remake absolutamente desnecessário
Pois é. Não faz nem 10 anos que jogamos Until Dawn no Playstation 4 (uma plataforma que ainda é super relevante). Mas, por alguma razão, aqui estamos novamente, salvando (ou não) adolescentes estúpidos em um remake absolutamente desnecessário.
Until Dawn: um resumo
Para quem não jogou o original, aí vai um breve resumo: Until Dawn acompanha um grupo de adolescentes hospedado em um casarão nas montanhas. No início do jogo, vemos que todos estiveram envolvidos (direta ou indiretamente) em uma pegadinha cruel que acabou de forma trágica.
Um ano depois, eles decidem “celebrar” o ocorrido e prestar homenagem às vítimas retornando à Montanha Blackwood… mas, as coisas rapidamente saem de controle, pois há um serial killer espreitando o lugar, e uma antiga maldição povoou a região com criaturas sedentas por sangue (os wendigos) que vão caçar os jovens.
Se quiserem escapar dali com vida, eles terão que sobreviver até o amanhecer… e cuidar para que isso aconteça é trabalho do jogador. Until Dawn é um jogo focado em sua narrativa, que brinca com o conceito de Efeito Borboleta e como as ações do jogador têm consequências. De fato, nossas decisões influenciam diretamente nos acontecimentos e no destino dos personagens.
Esse é um resumo bem superficial, de uma trama bastante rocambolesca, com reviravoltas e mortes sangrentas. O fato das nossas escolhas alterarem o que acontece faz com que a história de Until Dawn se ramifique de muitas formas — e tenha um punhado de finais diferentes. É possível, por exemplo, chegar ao final com todos vivos (ou todos mortos).
O Until Dawn de 2024 é remake ou remaster?
Na prática é um remake, uma vez que o jogo foi totalmente refeito em uma engine atual. Porém, o “novo” Until Dawn é muito fiel ao conteúdo original do jogo de PS4. Ou seja, apesar de estar mais bonito, ainda estamos diante do mesmo jogo, acompanhando a mesma história, e tendo uma experiência de gameplay muito similar.
Remakes como os de Resident Evil e Final Fantasy VII talvez tenham nos deixado mal acostumados. Mas eles não são apenas remakes, são reimaginações dos títulos originais.
Este Until Dawn de PS5 está mais na linha dos remakes de Shadow of the Colossus e Demon Souls. Ou seja, não reimagina nem reinventa praticamente nada, e se mantém bastante fiel ao conteúdo original.
Com isso, quero dizer que os diálogos são os mesmos — bem como as dublagens (aliás, as vozes em PT-BR seguem sendo péssimas). Para não dizer que nada mudou neste aspecto, foram incluídas algumas poucas cenas inéditas aqui e ali — com destaque para uma cena pós-créditos que deixa o gancho para, quem sabe, uma sequência.
As novidades de Until Dawn
A parte gráfica talvez seja o que mais mudou nestes 9 anos — ainda que o Until Dawn de 2015 esteja longe de ser considerado “feio”, mesmo nos dias atuais. Mas, a mudança de engine e de geração sem dúvida trazem um upgrade visual.
Os personagens sem dúvida estão mais bonitos e detalhados, bem como os ambientes e efeitos de iluminação. As animações um tanto desajeitadas, porém, ainda são as mesmas, bem como as expressões faciais exageradas, que causam aquele famigerado uncanny valley — algo recorrente nos jogos da Supermassive Games (que não foi a responsável pelo remake, mas produziu o jogo original).
Mesmo o novo estilo de câmera — que em boa parte do tempo abandona os ângulos fixos do original e assume uma visão em terceira pessoa, posicionada nas costas dos personagens — não torna o ato de jogar melhor.
Ao contrário de Resident Evil 2 Remake, por exemplo, a mudança de perspectiva não muda o feeling do jogo. Ouso dizer que, em alguns casos, a câmera fixa era até mais legal, uma vez que um enquadramento mais planejado torna as cenas mais cinematográficas e pode aumentar o desconforto e a tensão do jogador.
O “novo” Until Dawn também sofreu uma nem tão sutil mudança em sua paleta de cores. O game original de PS4 era mais azulado, e isso era parte da atmosfera do jogo. No remake, o jogo ainda é escuro, mas dá uma puxada para o amarelo, trazendo mais contraste. Não é melhor ou pior, é só uma escolha estética diferente. Ah, e agora temos suporte a HDR (em TVs/monitores compatíveis) para maximizar o contraste entre claro e escuro.
O DualSense do PS5 é outra novidade. Os gatilhos adaptáveis, por exemplo, ficam mais resistentes conforme a ação que precisamos desempenhar. As vibrações do controle também são muito mais ricas, proporcionando um feedback háptico que contribui com a imersão.
Ironicamente, todas essas mudanças chegam acompanhadas de uma limitação: o Until Dawn de 2024 roda a 30 quadros por segundo no PS5. Dizem por aí que isso é por conta da falta de otimização da Unreal Engine 5 nos consoles.
Não posso afirmar que essa seja a causa, mas não deixa de ser curioso o fato de que o jogo de 2015 recebeu um patch para rodar a 60fps no PS5, enquanto o novo jogo alcança a metade da taxa de quadros.
Pausa para uma opinião polêmica
Abro um parêntese aqui para deixar uma opinião pessoal um tanto polêmica: Until Dawn nem era tão bom assim, para começo de conversa. A história é boba, os personagens são caricatos e o gameplay é simplesmente entediante, limitado à exploração linear e quick time events.
Sei que o jogo tem uma base de fãs, mas eu sinceramente nunca vi muita graça nele. Entendo o apelo de remeter aos slasher movies de antigamente — de fato, ele é um game mais para ser assistido do que jogado –, mas os filmes têm uma grande vantagem: são curtos.
Ver adolescentes estúpidos sendo brutalmente assassinados por 2 horas em um filme é até divertido. Mas a campanha de Until Dawn dura cerca de 10 horas. É muito tempo, e isso estica demais uma história que nem tem tanto conteúdo interessante.
E digo mais: jump scare não é terror. E Until Dawn tem alguns dos jump scares mais bestas que eu já vi. Como estamos diante de um bando de adolescentes, é normal eles quererem assustar uns aos outros, mas fazem isso de um jeito bobo, que é mais irritante do que assustador.
Talvez eu já tenha me tornado o velho chato que não gosta de adolescentes, mas isso não muda o fato de que os personagens de Until Dawn são insuportáveis. Para mim, o “final bom” é o que todos morrem, simplesmente porque eu não consigo me afeiçoar ou me importar com nenhum deles.
E, do mesmo jeito que jump scare não é realmente terror, quick time event não é realmente gameplay. Em Until Dawn, qualquer ação simples (tipo abrir uma porta) envolve um QTE chato, e em muitos casos, um errinho pode ser fatal.
Entendo que, sem todas essas interações, o jogo acabaria se tornando praticamente um filme, mas outras empresas já contaram histórias interativas cheias de QTEs de formas mais interessantes.
Afinal, Until Dawn precisava de um remake?
A geração atual está afundada em remakes e remasters. E, embora alguns desses relançamentos sejam bem-vindos, boa parte do que é (re)lançado é simplesmente desnecessário.
Acessibilidade deveria ser o foco de remakes e remasters. Preservar a história dos videogames, apresentar jogos antigos a novas gerações de jogadores, tornar acessíveis (de forma legal) títulos que, por alguma razão, ficaram “presos” em plataformas antigas. Estes são motivos plausíveis — e necessários — para justificar um remake ou remaster.
Dito isso, acho que poucos remakes/remasters são tão desnecessários (para o consumidor) quanto este Until Dawn. Primeiro, porque esta nova versão muda muito pouco da experiência original. E isso, em se tratando de uma obra de terror, afeta até seu impacto. Não tem como tomar o mesmo susto duas vezes, e a fidelidade deste remake definitivamente não renova os sustos (e jump scares) do título original.
Mas o ponto mais sensível aqui é que o Until Dawn de 2015 ainda é super atual. Passou-se apenas uma geração, então ele ainda se sustenta, tecnicamente e visualmente. Sem contar que é perfeitamente acessível via PS4 e PS5.
A pergunta que fica é: porque atualizar um jogo que ainda pode ser jogado em seu formato original sem grandes dificuldades?
Claro que todos estes argumentos são do ponto de vista do consumidor. Para a Sony, relançar Until Dawn é uma jogada com propósitos muito claros: a falta de exclusivos do PS5 é um deles. Levar o jogo a uma nova audiência (nos PCs) é outro. E a cena extra ao final deixa claro que, se houver demanda, uma sequência pode vir aí.
Produzir jogos de videogame está mais caro (e demorado) do que nunca. E nem sempre produzir algo novo compensa todo este investimento de tempo e dinheiro — Concord que o diga.
Em contrapartida, relançar jogos “requentados” é mais barato, mais rápido (afinal, a base já está pronta) e menos arriscado, pois pelo menos uma parcela dos fãs vai querer revisitar uma obra querida.
Conclusão
No fim das contas, o saldo é: Until Dawn é um remake desnecessário — pelo menos para o consumidor. As poucas novidades não fazem jus ao valor cobrado, e a experiência de jogo não mudou praticamente nada. Vale mais a pena pagar mais barato na versão antiga do que gastar cerca de R$ 300 na nova.
Acho que este novo Until Dawn só vale a pena para quem não teve um PS4, ou não jogou o original de 2015. E olha lá, pois, como eu já disse, na minha opinião ele nunca foi tão bom assim para ser considerado um título realmente imperdível da biblioteca Playstation.
Enquanto sonhamos com jogos realmente novos e diferentes — e nem é tão difícil, como a própria Sony mostrou com o recente Astro Bot— o jeito é esperar o próximo remake ou remaster (spoiler: na semana que vem tem mais um chegando).
Until Dawn está disponível para PS5 e PC. O game está 100% localizado para o português brasileiro.