Análise Arkade: Split Fiction, uma obra-prima cooperativa que esbanja criatividade!

Em 2021, a Hazelight Studios ganhou o GOTY com seu incrível It Takes Two, uma experiência cooperativa única, que elevou o patamar deste tipo de jogo. E se você achava que eles não conseguiriam se superar, pense de novo, pois Split Fiction chegou com tudo!
A verdade é que, desde que encontrou seu muito específico nicho de “jogos cooperativos que só podem ser jogados em 2 pessoas”, Josef Fares e sua equipe seguem se superando: o próximo jogo do estúdio é sempre melhor que o anterior. E Split Fiction é o novo ápice desse time ousado e talentoso.
Histórias cruzadas
Split Fiction nos apresenta a Mio e Zoe, duas escritoras que não se conhecem e, inicialmente, não tem muito em comum — exceto o fato de que nenhuma delas têm um livro publicado. A falante Zoe é apaixonada por histórias de fantasia, enquanto a cética Mio é mais ligada em ficção científica.

Elas fazem parte de um grupo de escritores convidados para testar uma nova tecnologia da Rader Publishing, uma grande editora de livros. Zoe entra nessa pela possibilidade de conseguir ter uma história publicada, enquanto Mio está lá só pela grana.
A tal tecnologia é uma máquina que deixa os corpos dos autores presos em uma “bolha”, enquanto transporta suas mentes para dentro de simulações virtuais dos mundos fantásticos e histórias que eles criam. A proposta, supostamente, é romper bloqueios criativos e ajudar estes autores a concluírem seus trabalhos.

Obviamente, o diretor da Rader tem planos não muito nobres para sua criação, e quando Mio acidentalmente invade a “bolha” de Zoe, as duas acabam presas em uma simulação que mistura suas duas mentes. Nosso objetivo, então, é sair dali.
Ainda que o andamento geral da trama seja bem previsível — uma animosidade que aos poucos vai evoluindo para um respeito mútuo e culmina em uma amizade — Mio e Zoe são personagens muito interessantes e bem construídas.

As histórias e mundos que elas criam têm relações com suas vidas e seus traumas, e o jogo, apesar de leve e divertido na maior parte do tempo, vai bem fundo na psique da dupla, entregando momentos genuinamente emocionantes.
Plataforma 3D/2D turbinado
Split Fiction segue a mesma estrutura do premiado It Takes Two: em cada área, os jogadores, em tela dividida, vão receber gadgets ou habilidades distintas, mas complementares. A cooperação entre os jogadores é a chave para que ambas as personagens possam superar os obstáculos e puzzles que o jogo apresenta.

Na prática, Split Fiction é um jogo de plataforma 3D (com vários elementos 2D) tunado com equipamentos e poderes. O básico do gameplay envolve correr, pular, escalar, correr pela parede, se balançar em cordas e se dependurar em beiradas. Tudo bem “videogame”, mas potencializado por um level design impecável e turbinado por set pieces insanas (logo falaremos mais sobre isso).
Além disso, sempre estaremos correndo e pulando, mas faremos isso em conjunto com alguma outra coisa menos tradicional, tipo carregando ovos de dragão para serem chocados, hackeando drones, navegando por águas turbulentas, escapando de orcs gigantes, saltando em gravidade zero para fugir de uma supernova ou surfando pela areia em meio a enormes tubarões.

Split Fiction é um jogo muito mais focado na ação. Há breves momentos de contemplação em que as personagens se sentam, recuperam o fôlego e conversam sobre tudo o que está acontecendo. Feito isso, a correria recomeça. O jogo tem um pacing acelerado e empolgante que torna bem difícil largar o controle.
Criando, descartando e impressionando
Split Fiction é impressionante em vários aspectos. E muito disso se deve à criatividade aparentemente sem limites da equipe de produção. A mistura de sci-fi com fantasia medieval rende muito variedade — de cenários, situações, equipamentos — , e cada nova mecânica altera completamente a experiência de jogo, que passeia por diferentes gêneros com uma fluidez de cair o queixo.

Mais impressionante ainda é a displicência com que estas mecânicas são apresentadas e descartadas pelo jogo. A campanha de Split Fiction dura cerca de 15 horas, mas dificilmente vamos passar mais de 30 minutos seguidos fazendo a mesma coisa.
Cada fase traz consigo uma mecânica nova, uma habilidade exclusiva que vai ser usada apenas naquele trecho específico da aventura. Passado este trecho, esta mecânica/habilidade/equipamento será descartada, as meninas vão seguir em frente… e logo vão encontrar algo novo (e ainda mais legal!) para transformar a jogabilidade em algo totalmente diferente.

E quando você acha que está se habituando ao tipo de gameplay de uma área, encontra uma anomalia (que é tipo um pedaço da obra da Zoe “vazando” para a realidade da Mio, ou vice-versa) que é basicamente uma mini-fase dentro da fase que você está jogando — e vai brindá-lo com algo totalmente novo e diferente do que você estava fazendo um minuto atrás. Há uma dúzia dessas anomalias ao longo do jogo, e todas elas enriquecem muito a experiência e acrescentam ainda mais variedade (e diversão) à fórmula!
Para completar, há uma quantidade absurda de set pieces ao longo da campanha. Sabe aqueles momentos grandiosos, com cenário desabando, coisas explodindo, chefes gigantes quebrando tudo e perseguições em alta velocidade, elementos que dão um tom épico aos melhores jogos Triple A? Split Fiction é cheio desses momentos que tornam tudo ainda mais empolgante — acredite: a reta final desse jogo vai explodir a sua cabeça!
Split Fiction é o puro suco do videogame
Como se isso tudo não fosse o bastante, Split Fiction ainda é uma enorme carta de amor aos videogames de ontem e de hoje. De brincadeiras singelas — como uma caixa de papelão em um momento stealth da jornada — a referências bem explícitas e trechos inteiros que brincam com outros gêneros, o jogo condensa e homenageia outros games de um jeito que é até emocionante.
Como parte da graça é justamente ser surpreendido por estes momentos, não vou entrar em muitos detalhes, mas vou citar dois exemplos: que tal um trecho que é puro “jogo de navinha 2D”? Temos isso aqui. E o que você me diz de uma parte inteira inspirada em pinball, com um jogador controlando a bolinha enquanto o outro cuida dos flippers? Isso também está no jogo, com direito a boss battle e tudo!

Há toneladas de referências e homenagens a outros gêneros de jogos (ou mesmo a jogos específicos) ao longo da campanha, o que torna a jornada de Mio e Zoe ainda mais saborosa. O que Astro Bot faz pelo legado da marca Playstation, Split Fiction faz para os videogames como um todo — e faz isso sem parecer forçado ou gratuito: tudo se encaixa à história e serve ao gameplay.
Audiovisual
E o que dizer do aspecto audiovisual deslumbrante? O fato de misturar ficção científica com fantasia por si só já rende uma diversidade absurda de cenários, que o talentoso time de artistas da Hazelight explora sem dó. Termos vilarejos medievais e florestas mágicas ao lado de metrópoles cyberpunk e bases espaciais futuristas em um mesmo jogo já é algo maluco… agora imagine quando tudo isso é misturado?

Se artisticamente o jogo já é interessante, ele também representa um salto de qualidade técnica incrível para o portfólio do estúdio, que agora lida com seres humanos de proporções ( e expressões) realistas. E, mesmo ao colocar Mio e Zoe em ambientes fantásticos, há uma coesão em todo o conjunto — muito por conta dos trajes, que mudam de acordo com o “mundo” em que estamos.

A qualidade dos modelos das personagens ganha ainda mais força graças ao ótimo trabalho de dublagem, que não só concede personalidade, como também emoção para as protagonistas. A trilha sonora acompanha a qualidade geral da obra, potencializando momentos grandiosos e ditando o tom da aventura.
Tecnicamente impecável
E sabe o que é ainda mais impressionante? Split Fiction entrega tudo isso rodando liso a 60 frames por segundo. Sem engasgos, sem travamentos, sem slowdowns. Mesmo quando o caos toma conta da tela e estamos (literalmente) vendo dois ambientes complexos (ou mais) sendo renderizados simultaneamente na tela, ao mesmo tempo, o jogo não tropeça.

Talvez você se lembre do barulho que o jogo de terror The Medium fez há uns anos, pelo fato de estar renderizando 2 cenários ao mesmo tempo. Na época, todo mundo achou aquilo bem impressionante. Pois bem, a reta final de Split Fiction eleva este conceito à enésima potência, explorando até mesmo a linha que divide a tela de maneiras absurdas e inovadoras.
Um pouco disso é mérito da Unreal Engine 5, uma ferramenta versátil e poderosa que permite que programadores e game designers viajem bastante Mas a UE5 é isso: uma ferramenta. Ela precisa de mãos habilidosas para tirar o máximo de seu potencial. E a Hazelight não só tem mãos habilidosas, como também tem pessoas talentosas e mentes criativas. É um estúdio que “pensa fora da caixa”, e justamente por isso, consegue entregar experiências tão únicas e arrojadas.

O que eu quero dizer com isso é que, com Split Fiction, a Hazelight Studios não criou apenas um jogo cooperativo excelente, mas ela também explorou a tecnologia e a prática do game design de maneiras que nenhum outro estúdio (grande ou pequeno) está sequer tentando fazer.
Veja bem: estamos falando de um jogo que basicamente comporta dois jogos rodando simultaneamente, nos quais os jogadores estarão quase sempre fazendo coisas diferentes, vendo coisas diferentes, em lugares diferentes — e ainda assim tendo que trabalhar de forma coordenada para progredir.

Enquanto todo mundo está querendo fazer GaaS, hero shooter e RPG de ação com elementos de Souls-like, Josef Fares foi lá e fez um jogo de plataforma 3D. Algo “simples” conceitualmente, mas de uma complexidade técnica absurda, que aproveita o hardware das plataformas atuais para sobrepor camadas, mundos e realidades e misturar tudo de um jeito que impressiona pelo seu nível de polimento.
Conclusão
It Takes Two parecia ser um páreo duro a ser batido. Mas não para a Hazelight: com uma enxuta mas talentosa equipe, o estúdio se superou em todos os aspectos, e conseguiu entregar a experiência cooperativa mais intensa, polida e divertida de seu portfólio.

Talvez a única ressalva — que talvez nem seja justo apontar como “ressalva” — seja o fato de que este é um jogo mais complexo, que exige precisão e reflexos rápidos do jogador. Penso que ele talvez seja menos amigável para “não gamers” do que foi It Takes Two, por exemplo. Ele demanda mais dos jogadores, e isso pode gerar alguma frustração no coop de casal.
Mas, se você tem um player 2 calejado para jogar com você, pode vir sem medo. Split Fiction é um ponto fora da curva, uma explosão de criatividade que vai lhe entregar alguns dos melhores momentos com um controle na mão. E com o bem-vindo (e necessário) Passe de Amigo — com crossplay — arrumar alguém para jogar com você nem vai ser um problema.

Posso morder a língua até o final do ano, mas neste momento, ouso dizer que Josef Fares tem tudo para colocar mais um troféu de Jogo do Ano na sua estante. Será que um mesmo estúdio é capaz de ganhar dois GOTYs em um espaço de tempo tão curto?
Split Fiction foi lançado em 6 de março, com versões para PC, Playstation 5 (versão analisada) e Xbox Series X|S. O jogo possui menus e legendas em português brasileiro.
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