Entrevista Arkade – Vander Caballero, diretor criativo de Papo & Yo

31 de maio de 2013

Entrevista Arkade - Vander Caballero, diretor criativo de Papo & Yo

A Arkade conversou com Vander Caballero, diretor criativo de Papo & Yo e co-fundador da Minority Media. Veja como este colombiano, filho de um pai alcoólatra e violento, se tornou um dos mais expoentes desenvolvedores de games do Canadá.

Vander Caballero é co-fundador da Minority Media, atualmente um dos principais estúdios da cena canadense de games.

Antes disso, ele foi diretor de design da EA Montreal, responsável por títulos como Army of Two e Boogie, além de ter participado da criação de grandes franquias como FIFA, Need for Speed e The Sims.

Como diretor criativo da Minority, ele idealizou e ajudou a criar Papo & Yo – destaque da nossa análise de hoje -, uma experiência inspiradora e prova viva de que um game não precisa de violência explícita e temas banais para dar certo.

Dono de uma visão bem afiada sobre a indústria de games, Vander compartilhou sua experiência conosco nesta entrevista elaborada pelos colaboradores da equipe Arkade. Confira agora, na íntegra.

Arkade: Quando você começou a trabalhar no desenvolvimento de jogos?

Vander: Eu comecei a trabalhar no desenvolvimento de jogos em um tempo em que não haviam escolas de game design. Como muitos colegas da minha geração, eu venho do design industrial.

Naquela época, aprendi animação em 3D e fui trabalhar com design arquitetônico virtual. Eu comecei a trabalhar no desenvolvimento de jogos a partir do momento em que lentamente fomos transformando a firma de arquitetura na qual eu trabalhava em um estúdio de games.

Arkade: Você já trabalhou em grandes games, como FIFA, Army of Two e Need for Speed. Em que momento você decidiu partir para a cena independente?

Vander: Quando eu deixei a EA – onde eu ajudei a inovar e criar os títulos que vocês mencionaram – eu queria criar um novo e mais significativo tipo de experiência interativa.

Lá atrás quando eu trabalhava com grandes desenvolvedores, eu prosperei ao criar “fantasias de poder”, e isso foi interessante por um tempo, mas era hora de eu me mover adiante.

Arkade: Por que você escolheu o Brasil – mais especificamente uma favela brasileira – para servir de cenário para Papo & Yo? Qual é a relação que você e o pessoal da Minority têm com o nosso país?

Vander: Quando eu comecei a desenvolver Papo, após muitos anos na EA, eu queria levar os jogadores à uma jornada onde eles jamais tinham ido. Assassin’s Creed os levou à Veneza renascentista; eu queria mostrar aos jogadores a humildade e a pobreza da América Latina.

Quando eu era jovem e viajei ao Rio, eu imediatamente senti uma conexão com o Brasil porque eu conseguia me associar à pobreza das favelas, já que era a mesma que eu testemunhei no meu próprio país, a Colômbia. E, apesar de falarmos idiomas diferentes, nossas sociedades são bem parecidas. Assim que eu comecei a trabalhar na direção de arte de Papo, eu tentei descrever a pobreza à minha equipe canadense. Eu contei a eles que o que eles consideram lixo é usado como material de construção nas casas pobres da América Latina.

Mas eles não captaram a ideia até que eu usei a palavra “favela”, uma palavra já implantada no imaginário coletivo da América do Norte. Daquele momento em diante, a favela se tornou uma forma de ilustrar claramente o que era a pobreza para uma audiência que não era familiar com ela.

Entrevista Arkade - Vander Caballero, diretor criativo de Papo & Yo

Arkade: Papo & Yo aborda temas bastante polêmicos, como racismo, alcoolismo e violência doméstica. Você planejou isso? Acha que os videogames devem participar mais ativamente destas questões?

Levantar a questão do alcoolismo em Papo & Yo foi de fato intencional. Este assunto tem sido examinado na maioria das mídias, seja em literatura, música ou filmes, mas nunca tinha recebido uma reflexão maior nos videogames.

Então, para responder a sua questão, eu acredito que games podem e devem participar mais ativamente na reflexão destes temas pesados que são partes das nossas vidas.

Ao mesmo tempo, levando em conta a natureza interativa dos games – diferente da abordagem mais passiva de outras artes como literatura e música -, é importante que o criador do jogo encontre meios de lidar com estes temas usando mecânicas e estéticas que cativem os jogadores mesmo quando suas histórias são controversas. É por isso que Papo é tão rico em elementos de “realismo mágico”.

Arkade: O jogo tem um caráter autobiográfico (você mesmo passou por dificuldades na infância). Você acha que esse tipo de enredo também daria certo na indústria de grandes jogos?

Vander: Nunca vai funcionar… pelo menos não pelos próximos dez anos. Há tanto dinheiro envolvido na criação de games AAA – muitas vezes mais de US$ 100 milhões – que os departamentos de marketing e financeiros acabam se envolvendo no processo criativo.

Infelizmente, a indústria de jogos é jovem e ainda não desenvolveu uma forma apropriada de administrar a criatividade autoral, como os filmes fazem – especialmente em se falando de games autobiográficos.

Por exemplo, imagine eu desenvolvendo Papo e tendo que aturar um departamento de marketing dizendo que o Monstro está “malvado” demais, que ele pode assustar os jogadores, e que eu tenho que “dar um aspecto mais leve” à ele… Este é o tipo de coisa que me deixaria maluco.

Arkade: Um jogo como Papo & Yo, que trabalha em cima destes assuntos acaba sendo mais complexo de produzir por causa de limitações técnicas e questões de jogabilidade?

Vander: Não. A ideia de que você precisa de tecnologia avançada para desenvolver jogos emocionais é um mito. Se você for um criador talentoso e apaixonado pelo que faz, você pode levar os jogadores a experiências incríveis usando as ferramentas existentes.

O problema não é ter mais tecnologia; o desafio é ser apaixonado o bastante para arriscar tudo para conseguir isso.

Entrevista Arkade - Vander Caballero, diretor criativo de Papo & Yo

Arkade: Mesmo representando o lado instável – e às vezes violento – do pai de Quico, o personagem Monstro é muito carismático, e gerou grande empatia por parte dos jogadores. Durante a criação do personagem, que “imagem” você queria dar a ele? No fim das contas, ele saiu da forma que você desejava?

Vander: Nilo Rodis, que foi o diretor de arte do primeiro Star Wars, desenhou os personagens de Papo & Yo. Todo o crédito vai para ele por isso. Eu acho que ambos tivemos uma infância similar, e esta é a razão pela qual ele desenhou o Monstro do jeito que fez.

Arkade: E quanto aos personagens Lula (o robozinho), Alejandra (a garota que ajuda Quico) e o Xamã? Eles representam figuras reais do seu passado?

Vander: Sim, todos eles.

Arkade: O game era inicialmente exclusivo para PS3, como foi trabalhar para esta plataforma? E como surgiu a oportunidade de lançar o game no Steam? Vocês tinham planos para outras plataformas?

Vander: A Sony nos apoiou no início através do seu Pub Fund. Porém, este apoio veio com um acordo de seis meses de exclusividade. Quando o contrato chegou ao fim, nós passamos a considerar outras plataformas para o futuro, entre elas o Steam.

Arkade: Como você se sentiu por poder basear um game na sua experiência de vida? Que tipo de sentimento isso te proporciona?

Vander: Ela me trouxe um alívio emocional e me permitiu prosseguir com o meu próximo empreendimento. O alcoolismo é algo que eu vivenciei e aprendi a lidar. Com o tempo, eu encontrei uma forma de usar essa experiência para ajudar as pessoas, e criei Papo. Agora com este alívio, eu estou pronto para virar a página e me engajar no que vem a seguir.

Entrevista Arkade - Vander Caballero, diretor criativo de Papo & Yo

Arkade: A carga emocional que Papo & Yo transporta é enorme. Na sua opinião, é uma tendência que os games comecem a ir cada vez mais além da diversão, e passem a mexer com os sentimentos dos jogadores?

Vander: Os videogames têm sido firmemente mantidos em um nível raso na cultivação de entusiastas. Por outro lado, quando olhamos para algumas das melhores comédias do cinema, como A Vida é Bela (La Vita è Bella), nós percebemos que há um equilíbrio entre momentos leves e divertidos e cenas mais pesadas, profundas.

Eu acredito que os fãs podem e estão prontos para serem levados por este tipo de experiência emocional através da plataforma interativa que são os videogames. Este é o futuro dos videogames.

Arkade: Seu próximo game, Silent Enemy, é sobre bullying, um problema social que tem muita repercussão atualmente. Vocês pretendem continuar abordando temas delicados em seus futuros games?

Vander: Sim. A verdade é que qualquer tópico que não envolva matança, dirigir carros velozes ou roubar já é considerado “um tema delicado” na indústria de games.

Com o tempo, nós fomos condicionados a ver o comportamento violento como entretenimento, e qualquer outro fenômeno social ou pessoal como controverso. Por exemplo, se alguém fizer um game sobre uma associação de professores protestando contra cortes no salário, isso seria considerado controverso.

Mas se nós fizermos jogos sobre atropelar cidadãos idosos com carros “top de linha”, isso não apenas é tolerado, mas é até esperado de certos desenvolvedores. Então, vendo desta forma, eu acho que o futuro dos games repousa sim na controvérsia.

Arkade: Você acredita que jogos também podem educar e conscientizar as pessoas?

Vander: Videogames não são diferentes de livros, filmes e música, e neste aspecto, eles possuem o mesmo potencial de lidar com assuntos sérios e complexos.

Então, o problema é que, como uma indústria, nossos recursos são tão intencionalmente aplicados na fabricação de fantasias de poder que isso acaba nos trazendo danos. Mas graças aos desenvolvedores independentes de games, agora nós podemos começar a mudar isso e ajudar a levar a indústria a uma nova direção.

Daniel Zimmermann

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