Análise Arkade: O mistério melancólico de The Vanishing of Ethan Carter (PC, PS4)
The Astronauts, o estúdio independente formado por ex-produtores do People Can Fly, finalmente lançou seu primeiro jogo. E o resultado é bem diferente, mas será que isso resulta em um bom jogo? Veja a resposta em nossa análise de The Vanishing of Ethan Carter!
É difícil pensarmos em um estúdio que fuja da fórmula do sucesso e ouse criar algo genuinamente novo, diferente. Várias desenvolvedoras, grandes ou pequenas, definem todo seu portfólio com base no sucesso de um primeiro título, e os próximos jogos seguem um mesmo padrão. Esta situação é criticada por pressupor uma falta de criatividade ou restrições arbitrárias por parte do estúdio… o que é um dos maiores motivos que leva desenvolvedores a saírem de uma empresa grande para formar um estúdio independente e fazer o que bem entender.
Diante de tudo isto, The Vanishing of Ethan Carter é a primeira obra do estúdio independente The Astronauts. O jogo trabalha com o mistério sobrenatural e investigação, tendo como base várias grandes obras literárias, com destaque para An Ocurrence at Owl Creek Bridge, de Ambrose Bierce, livro que os próprios criadores mencionam como uma peça inspiradora para o jogo.
É engraçado perceber que um jogo tão melancólico e introspectivo como The Vanishing of Ethan Carter tenha surgido das mesmas mentes que, na People Can Fly, nos entregaram jogos frenéticos totalmente focados em ação, tiroteio e adrenalina, tais como Painkiller, BulletStorm e Gears of War Judgment.
The Vanishing of Ethan Carter é um interessante jogo que invoca diversas discussões em sua narrativa e acima de tudo, nos mostra como utilizar em seu favor todos os elementos positivos de um jogo “tradicional” enquanto nos apresenta uma história surpreendente do começo ao fim.
Assim como filmes nos despertam emoções por suas histórias, alguns jogos também têm este poder. Contar alguma parte do que acontece em The Vanishing of Ethan Carter seria estragar a experiência para você, leitor. Eu não sabia de nada deste jogo, eu não tinha criado uma expectativa positiva ou negativa diante dele, e não tinha nada para comparar e cultivar um conceito prévio que muitas vezes pode prejudicar o quanto que você irá se divertir com o jogo.
Mas obviamente, estamos aqui para analisar este jogo com o intuito de mostrar se ele realmente vale a pena ou se você deve investir seu dinheiro em algo melhor. Por isso irei explicar rapidamente do que se trata o enredo The Vanishing of Ethan Carter.
O jogo tem como protagonista Paul Prospero, um detetive com poderes sobrenaturais que recebeu diversas cartas de um garoto chamado Ethan Carter, onde ele explica que estava acontecendo algo estranho na pequena vila onde morava, em uma remota região montanhosa e distante da civilização. Prospero resolve ir até este misterioso lugar com o intuito de investigar os relatos de Ethan, que supostamente desapareceu sem deixar vestígios.
Felizmente uma das habilidades de Prospero é “reprisar” um acontecimento importante após coletar evidências e provas de uma situação em particular. Desta forma o jogador deverá vasculhar ambientes em busca de possíveis evidências e colocá-las no lugar correto para que possa “rever” a cena em questão.
Mas o desafio ainda não para por aí: após adquirir todos os objetos, você precisar deixar as cenas cronologicamente corretas, usando para isso sua intuição e uma boa dose de raciocínio lógico. Esta mecânica se inspira de leve no que vimos em jogos como L.A. Noire e Murdered: Soul Suspect, porém aqui é tudo muito mais subjetivo, valorizando a inteligência e a capacidade de dedução do jogador, visto que o jogo não te enche com tutoriais ou tenta explicar as mesmas mecânicas várias vezes.
E este é um dos pontos mais relevantes neste jogo: o fato de ele não te ajudar em praticamente nada. The Vanishing of Ethan Carter é o tipo de jogo que não te puxa pela mão para que você entenda minuciosamente todas suas mecânicas e elementos narrativos. A primeira cena é uma tela com o que podemos considerar um aviso sobre a “negligência intencional” do jogo para com o jogador.
Mas esta negligência é o charme de The Vanishing of Ethan Carter: tudo que eu descobri durante o jogo foi mérito meu e de mais ninguém e tudo graças a coragem dos desenvolvedores, que foram corajosos o bastante para não colocarem tutoriais por todo canto, nennhum aviso gigante explicando o que se deve fazer.
Durante a minha primeira experiência com o jogo, fiquei 40 minutos andando pela vila, explorando-a sem saber o que tinha que fazer. Consegui descobrir informações incompletas e a noção do que estava acontecendo não era o bastante para entender exatamente o mistério da nem tão pacada Red Creek Valley.
Assim, decidi sair do jogo para descansar um pouco e quando voltei o jogo me colocou no começo mais uma vez (?!), o que no primeiro momento me deixou irritado (por que diabos o jogo não salvou o meu progresso?), até que entendi que ele salva somente depois que o jogador descobre 100% de uma “cena”, algo que eu não tinha feito durante os 40 minutos andando.
Tentei novamente a investigar o recinto e fiquei meio obcecado com sua história após ter completado a primeira cena. Eu precisava ir adiante, conseguir mais evidências, colocá-las no lugar, descobrir a cronologia correta e ver o enredo se desenrolando em seu próprio ritmo. Tudo graças ao processo orgânico e intuitivo com que os desenvolvedores construíram este jogo.
A jogabilidade é simples e a complexidade de cada cena não varia muito, mas a forma não linear com que ele se desenrola deixa tudo muito mais complexo. No momento em que o jogo começa você encontra facilmente o primeira quebra-cabeça, mas isto não quer dizer que você é obrigado a desvendá-lo neste momento. Nenhum dos casos é realmente desafiador, e depois que você “pegar a manha” da investigação não irá demorar tanto para resolver as demais cenas apresentadas pelo jogo.
No entanto The Vanishing of Ethan Carter não parece querer ser um jogo desafiador. Pelo contrário, ele é feito para ser saboreado lentamente e a sensação de que você fez um bom trabalho ao conseguir terminar uma certa parte do jogo é somente um dos vários pontos positivos relacionados à seu estilo. A verdadeira recompensa é ver a história sendo criada e desenvolvida por você conforme encontra mais partes para completar o quebra-cabeça.
Mas The Vanishing of Ethan Carter não se beneficia somente com uma história cativante, ele é sem dúvida um dos jogos mais bonitos lançados neste ano, batendo de frente com grandes jogos AAA que estão disponíveis na geração atual. O nível de detalhes é incrível, com as menores folhas das árvores e a grama se agitando ao vento, diferentes níveis de iluminação para lugares mais escuros e a forma realista com que a água se move. O poder da Unreal Engine 3 faz um trabalho surpreendente, especialmente quando lembramos o quão antiga ela é, tendo servido como motor gráfico para dezenas de jogos da geração passada.
Apesar disso, é fato que sua história conseguiria segurar o jogador mesmo se o visual não fosse tão bonito e rico em detalhes. Mas eu não posso negar que o visual do jogo dá uma ajuda e tanto para tornar Red Creek Valley ainda mais rica e imersiva.
Assim como um bom mistério, The Vanishing of Ethan Carter me deixou pilhado para saber qual seria o próximo passo. A melhor comparação que posso fazer é como este jogo se assemelha a um livro, trocando a veloz virada de página pelo passo rápido do protagonista que, amparado pela inteligência do jogador, mantém o andamento dinâmico da narrativa.
Infelizmente esta mesma comparação acaba sendo um grande problema mais perto do final, quando ele deixa de ser uma experiência narrativa vista em jogos como Gone Home e Dear Esther para assumir uma mecânica mais manjada, onde tudo se torna uma lista de objetivos que devem ser cumpridos para chegar ao final. Não há nada de errado em um jogo que funciona desta forma, afinal é esta interatividade que torna um game algo diferente de outras mídias, mas é fato que a reta final do game causa certa estranheza por fugir um pouco da proposta que nos foi apresentada até então.
The Vanishing of Ethan Carter não é um jogo normal: ele não tem nenhuma Conquista no Steam justamente para que você não seja interrompido com uma mensagem no canto da tela celebrando que você fez algo, ele não tem nenhum tipo de display na tela para deixar claro quanto de vida você tem, nem mesmo um mapa para facilitar a exploração. Por último, ele realmente merece ser jogado com fones de ouvido para você perceber o quão bem orquestrada e imersiva é a trilha sonora do game.
Justamente por isso — quando um jogo faz de tudo para te deixar totalmente imerso em sua história — é um pouco difícil ter que lidar com uma mecânica tão tradicional ali na reta final da campanha, o que faz este ser um dos únicos problemas que posso apontar durante a minha experiência com The Vanishing of Ethan Carter.
Desta forma, posso dizer que experimentar este jogo foi uma das melhores experiências que tive neste ano com videogames, me trazendo sensações similares de quando terminei pela primeira vez Gone Home e Journey. E assim como estes jogos valem mais pelo caminho trilhado do que pelo fim da jornada, The Vanishing of Ethan Carter faz o mesmo, trazendo uma mescla de ficção, mistério e até um pouco de terror em uma narrativa realmente imersiva e contagiante.
The Vanishing of Ethan Carter toma uma grande porção de sua inspiração em autores como H.P Lovecraft, Raymond Chandler e o já mencionado, Ambrose Pierce. E posso dizer que este jogo não somente se inspira por estes grandes escritores, mas possui identidade o suficiente para se tornar algo único, tão memorável e belo quanto suas inspirações.
No fim das contas, The Vanishing of Ethan Carter é uma das maiores surpresas do ano e um jogo que todos os amantes deste gênero precisam experimentar.
The Vanishing of Ethan Carter está disponível para PC (via Steam e GOG) e Playstation 4.