Análise Arkade: a bizarrice intrigante de Pony Island
Pony Island pode parecer um game simples, mas ele esconde milhares de segredos, demônios milenares e pôneis. Leia se conseguir aturar a mais pura verdade.
Criado pelo desenvolvedor canadense Daniel Mullins, Pony Island é um game que usa e abusa da metalinguagem e da quarta parede para te fazer rir e questionar a sua própria realidade. Tudo sobre o disfarce de um game sobre pôneis que pulam.
Um pônei, um pônei, minha alma por um pônei
Desde o primeiro momento, é óbvio que alguma coisa está errada nessa bagaça. Afinal, Pony Island não é um game comum. Você joga alguém jogando um game chamado, claro, Pony Island. Mas a medida que você avança e explora os menus do game, a cortina lentamente se desfaz e a verdade é revelada. Gráficos são substituídos por pixels mal-feitos, inimigos bonitos se tornam figuras simples e aterrorizantes e a realidade do game se derrete na frente dos seus próprios olhos.
Pony Island parece aqueles ‘creepypastas’ que você pode encontrar na internet. Por baixo do game há uma armadilha criada por ninguém mais, ninguém menos do que o Diabo em si. Mensagens pedindo a sua alma em troca do ‘resto do game’ e acusando você de trapacear em um nível difícil aparecem na sua frente, e o próprio Diabo revela que Pony Island não é nada mais, nada menos do que um mecanismo criado para capturar almas. E você é a mais nova vitima.
Com a ajuda de uma outra alma presa dentro do game, você começa a quebrar os códigos e as mecânicas de Pony Island, tentando salvar a si mesmo e as outras almas capturadas pelo Diabo. Grande parte do game consiste em controlar um pônei que pode pular sobre obstáculos. Só que o Diabo logo começa a introduzir inimigos, ou buracos gigantes, ou até níveis inexistentes. A Alma Perdida te guia em uma jornada cujo objetivo é destruir o game, por meio de um minigame onde você modifica o código de Pony Island com simples problemas de lógica.
Estes três elementos- o minigame do pônei, o minigame do código, e a batalha contra o Diabo– são o miolo de Pony Island. Se isso já te interessou, pare agora e vá atrás do game. Pony Island é repleto de momentos surpreendentes onde a quarta parede é completamente destruída e a realidade se torna parte do jogo do Diabo. E é por isso que você deve procurar o minimo possível de informações sobre o game antes de clicar ‘play’. Como uma boa ‘creepypasta’, a graça vem da descoberta. Mas se você quer saber mais, ou não liga para spoilers, ou já jogou o game, pode continuar.
Agora é o inverno do nosso pônei
Superficialmente, Pony Island é nada mais do que um conto de terror bem escrito. No entanto, em baixo da batalha contra o Diabo, há uma interessante critica a um problema que se espalha pelos videogames de hoje em dia: a dos games enganosos, como os freemium games (aqueles feitos para celular que usam truques psicológicos para fazer com que seus jogadores comprem mais e mais coisas por meio de microtransações) ou as milhares de cópias baratas de games de sucesso que aparecem todo dia no Steam.
Em Pony Island, o game enganoso aparece como uma arma do Diabo. A todo momento, ele interpreta o papel do desenvolvedor que tenta prender o jogador e dar a ele um falso senso de progresso, na esperança de que toda essa mentira vai acabar sendo tão viciante que você vai dar sua alma para ele (interessantemente, essa história é similar a de um episódio de South Park em que é revelado que o diabo canadense é o verdadeiro criador dos freemium games.)
Pony Island usa e abusa da metalinguagem e da destruição da quarta parede para realizar sua critica contra esses games. Para derrotar o Diabo, você deve deletar os arquivos dentro do game em si, lutando contra os três demônios protetores. Um deles, por exemplo, tenta te distrair imitando uma mensagem de um amigo do Steam ou sons do Skype. Em um outro momento, você entra em uma conversa de chat com o Diabo e a Alma Perdida, tentando conversar com os dois ao mesmo tempo. Tentando fazer você desistir, o Diabo literalmente ‘trava’ o seu computador.
O objetivo principal de Pony Island é fazer rir, então dá pra considerar todas essas ferramentas narrativas como apenas mais uma piada. Mas elas também tem um pouco de verdade por trás delas: quanto mais você quebra o game do Diabo, mais interessante ele fica, com cada minigame ganhando camadas de complexidade até se tornarem games completos. É apenas quando o jogador se liberta do controle do desenvolvedor que o game se torna algo completo. Pony Island não é só uma critica aos games enganosos, mas também uma observação sobre a relação entre criador e jogador.
Com este game, Daniel Mullin se tornou parte de uma conversa muito maior sobre as questões que cercam a essência dos games, uma conversa que também faz parte de outro lançamento metalinguístico de tempos recentes, The Beginner’s Guide. A melhor parte de Pony Island é que mesmo se você não se interessa nesse tipo de análise, o game tem muito a oferecer. Centenas de segredos e dicas estão escondidos sob a superfície de cada pônei e você pode passar horas se divertindo com todas as piadas que o game joga (minha favorita tem que ser a luta contra o demônio Asomodeus).
Divertido, único e muito interessante, Pony Island é uma experiência bizarra que você deve experimentar ao menos uma vez. Ele não demora tanto assim (é possível terminá-lo em três horas) mas você vai querer passar mais tempo jogando o game que o Diabo amassou.
Pony Island foi produzido por Daniel Mullin e distribuído por ele mesmo. O game foi lançado no dia 04 de janeiro para PC e esta disponível no Steam.