RetroArkade: Resident Evil para o Game Boy Color, o clássico que nunca existiu
Hoje iremos relembrar um clássico que nunca existiu. Resident Evil, sucesso de público e crítica desde 1996, tem “a cara” do Playstation, mas ganhou algumas outras versões, antes mesmo de seu Remake que acabou ganhando uma edição em alta definição para os consoles atuais. E entre estas versões, temos uma que começou a ser produzida mas, assim como muitos membros da S.T.A.R.S na Mansão Spencer, nunca conseguiram sair de lá.
Mas Resident Evil não saiu só para Playstation?
Claro que não. Tudo bem que o game saiu primeiro para o console da Sony, em 1996, mas isso não quer dizer que o título era exclusivo. O Saturn ganhou uma versão que embora contava com visual mais feio, compensava em apresentar todas as cenas sem censura (só com a Sega não havia frescura), além de oferecer novas roupas, um novo Hunter, dois Tyrants para combater ao final do game e o Battle Mode, que consiste em atravessar salas com zumbis (e um Wesker zumbi) no menor tempo possível.
Os computadores também receberam uma versão, com duas armas novas, ajuste de dificuldade e cenas coloridas, tais quais eram apresentadas na versão do Playstation no Japão e foram amenizadas/censuradas nos Estados Unidos. E alguns anos depois, era a vez do Nintendo DS ganhar uma versão do game, que incluiu elementos de gameplay baseado na telinha de toque do aparelho, permitindo ao jogador fatiar zumbis usando a Stylus em uma câmera em primeira pessoa.
E a versão mais curiosa, e até mesmo desconhecida pela maioria das pessoas, é a que saiu para o celular Gamephone, da Samsung, em 2005. Com recursos e ideias semelhantes ao N-Gage da Nokia, o aparelho da empresa coreana ganhou um port da edição Director’s Cut, exatamente igual o game que saiu para o primeiro Playstation.
E também tivemos a versão que nunca saiu
Com tantas versões, e com a migração da franquia Resident Evil para a Nintendo, que seria oficialmente firmada com a exclusividade de Resident Evil 0 e o Remake do primeiro jogo para o Gamecube, os consoles Nintendo começaram a receber títulos da franquia. A estreia foi com o Resident Evil 2, um milagre para o Nintendo 64 que chegou em 1999. E o Game Boy Color, recém-lançado, também fez parte dos planos da Capcom, emprestando assim seu espaço para a construção da Mansão Spencer.
A inclusão de Resident Evil na biblioteca do Game Boy Color não era nenhuma novidade: na época, quase todos os games com versões para consoles ganhavam uma edição “pocket”, adaptando alguns elementos das séries as quais faziam parte, porém com adaptações óbvias em gameplay e visual. Aconteceu com Tomb Raider e Metal Gear Solid. Mas todas estas versões não eram canônicas, nem representavam algo parecido com seus títulos originais, sendo enviados para estúdios menores criarem aventuras totalmente novas.
A própria Capcom estava mandando bem no portátil: Street Fighter Zero surpreendeu devido a sua qualidade, Megaman X também apareceu pelos lados do portátil e as pequenas, mas importantes atualizações do Game Boy Color fizeram a companhia sonhar em um port de seu primeiro Resident Evil para o portátil. Nesta época, dois irmãos, Fergus e Kevin McGovern, que haviam acabado de sair da Acclaim, fundaram em Londres a HotGen Studios, com a ambição de chacoalhar a indústra com um grande projeto, que logo acabou casando com as intenções da Capcom e assim, garantindo aos dois o desenvolvimento do game.
Vale mencionar que Fergus foi um dos co-fundadores da Probe, que fazia conversões de diversos games, como OutRun para o Commodore 64 e os computadores Amiga, além da conversão de Mortal Kombat 2 para o Mega Drive. Com este know-how, os trabalhos começaram, a ponto de, na E3 de 1999, o título aparecer entre os próximos lançamentos para o portátil.
O jogo estaria previsto para ser lançado no natal de 99, porém acabou sendo adiado para o começo de 2000. Mas logo em dezembro, época na qual o game deveria ter sido lançado, acabou que Resident Evil para o Game Boy foi excluído da agenda da Capcom, mas mesmo assim, Fergus, ao ser entrevistado pela IGNPocket, afirmou que o game estava em progresso, apesar de reconhecer dificuldades no port. Além disso, ele havia prometido o jogo para o começo de março de 2000.
Mas em março, ao invés do jogo, o que tivemos foi um comunicado da Capcom anunciando o cancelamento do projeto. O representante da companhia afirmou que não havia confiança que o produto faria consumidores e Capcom felizes. E veremos na prática as razões logo a seguir.
Indo longe demais…
Resident Evil é um jogo que conta com muitos detalhes em seus cenários, bastante conversa (por mais toscos que eles fossem) e animações em CGs (mais aqueles vídeos igualmente toscos). Um jogador de Game Boy aceitaria cenários mais pobres, eliminação de alguns elementos, simplificação das conversas e até a remoção completa das CGs, mas o que ele nunca iria tolerar era um jogo com controles ruins.
A versão, que ficou pública anos mais tarde, trouxe um pouco do que seria o título, caso fosse lançado para o portátil da Nintendo entre 1999/2000. Em uma primeira olhada, o game até chama atenção, afinal é um clássico dos 32-bits mostrando serviço em um portátil de apenas 8-bit. Visualmente falando, guardadas as devidas proporções, é claro que o jogo estava legal, mesmo sem a mesa de jantar na sala em que Barry explode os miolos do primeiro zumbi. Mas o que incomodaria muito os jogadores, seria as questões quanto aos itens. Imagine só, naquela telinha, ter que ir e voltar pela mansão procurando itens que normalmente são apenas pontos piscando na tela. Isso sem falar na leitura dos documentos e bilhetes espalhados.
Outro problema grave do jogo está ligado ao som, chiado e obviamente não oferecendo nenhum clima de terror. O Game Boy Color não foi feito para jogos desta natureza, sendo um terreno mais apropriado para jogos casuais (Tetris virou fenômeno por causa do pequeno) ou games de jogabilidade mais simples, como os de luta ou plataforma. Jogos complexos para o portátil se entende por RPG, como os games Pokémon ou outros diversos, que por razões óbvias, se comportam bem. Resident Evil até teria espaço no console, mas se houvessem sábias adaptações, no lugar de ser apenas um port.
Sweet Home, um clássico para o NES e que “fundou” o gênero Survival Horror tem cenários como os de um RPG e devido ao fato do game ter sua história em uma mansão e um laboratório, não ficaria nada mal salas mais simples e até mesmo personagens redesenhados. Mas a verdade é que sonharam demais, atingindo de fato os limites do Game Boy e assumindo, tempos depois, que não havia como finalizar o game daquele jeito.
Quem não tem cão…
… caça com Gaiden. A solução para inserir um Resident Evil no Game Boy foi a de seguir os passos de Metal Gear e apenas aproveitar o nome da franquia, sem nenhum vínculo com a cronologia oficial. Então, em 2001, já com Game Boy Advance anunciado, chegou Resident Evil Gaiden.
O game traz Leon S. Kennedy e Barry Burton como membros de uma Organização Anti-Umbrella (fato que não é oficial na cronologia da série) e trazem tudo o que os games da época traziam: gameplay cansativo, músicas chatas e a real sensação de que o Game Boy já era passado.
E para a HotGen, restou se conformar com o hardware limitado do Game Boy e oferecer conversões mais de acordo. Sua estreia foi com uma versão de UNO para o console, além de conversões de alguns outros games, entre eles, Star Wars: Jedi Power Battles e Tony Hawk’s Pro Skater 3. Hoje a empresa trabalha com jogos móveis e games para TV com acessórios.
E, para surpresa de todos, Alone in the Dark chegou para o Game Boy Color em 2001 com uma intenção semelhante a de Resident Evil. The New Nightmare enfiou todo o seu game dentro da caixinha da Nintendo e o resultado foi belo, mas desastroso. Os mesmos problemas do game da Capcom ficaram evidentes, mostrando duas coisas: 1. Que embora seja preciso sonhar alto, limitações precisam ser bem entendidas para um bom projeto e 2. O Game Boy, infelizmente, tinha chegado ao seu final, após uma história gloriosa, que marcou profundamente a forma de se jogar videogame.