A quinta temporada de House of Cards é realista, cruel e continua cativante
A Bíblia diz em Isaías 64, versículo 6, o seguinte: “Somos como o impuro — todos nós! Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo. Murchamos como folhas, e como o vento as nossas iniqüidades nos levam para longe”. O profeta alerta o povo judeu de sua época que, mesmo as coisas boas que eles poderiam acabar fazendo, aos olhos de Deus não valiam nada, pois estavam encharcados no pecado. Também há uma vertente teológica, chamada de Depravação Humana, que diz que o ser humano é escravo do pecado, e não consegue fazer nada para se salvar, dependendo apenas da ação divina para conseguir perdão pelos seus pecados.
É com esta ótica que vejo House of Cards. Em sua quinta temporada, vemos não só o casal Underwood (Kevin Spacey e Robin Wright), mas como praticamente todo o elenco, se afundando mais e mais em suas ambições, de qualquer natureza. Mas, desta vez, o povo dos Estados Unidos da série acaba tendo que pagar a conta das situações da história, pois agora, o poder do casal é maior. E, além de mais poder trazer mais responsabilidades, também nos garante uma história mais envolvente e ousada. Ousada pois, quanto mais os porcos contam com acesso à lama, mais eles querem se sujar nela.
A quinta temporada está mais cruel, mais pesada, com direito a uma introdução espetacular que, em seis minutos, resume toda a agressividade em que todos os personagens, uns mais, outros menos, usam para atingir seus objetivos, sejam eles políticos ou pessoais. E, como a série não precisa mais explicar para todos os seus espectadores que seus personagens não prestam, gasta o seu tempo mostrando como praticamente todos estão corrompidos, de uma forma ou de outra, e as consequências de atos do passado, ou mesmo do presente.
Desta vez dividindo atenção com LeAnn (Neve Campbell), que ganhou mais visibilidade desta vez, Doug Stamper (Michael Kelly) continua, na minha opinião, como o maior personagem da série, depois do casal Underwood. Stamper continua a lutar contra os seus demônios pessoais, enquanto tenta lidar com um caos ainda maior, além de ainda querer seguir em frente, tentando enterrar o seu passado e lutar contra o seu lado cruel. Porém, como nem tudo são flores, a decepção fica com Kevin Conway (Joel Kinnaman), que, aparentemente seria um ótimo candidato à presidência, acabou se tornando um chato mimado e birrento. Esperávamos antagonismo e oposição do governador de Nova York desta vez, mas esta postura também aconteceu devido aos rumos que a série acabou levando, e era, talvez, a única forma de deixar Conway relevante em meio ao contexto proposto. Dunbar (Elizabeth Marvel), por exemplo, sozinha, fez melhor do que ele e suas exibições com a família na Internet.
O restante do time, continua ali, servindo a seus “reis”, democratas e republicanos, enquanto buscam sempre um lugar ao disputado sol do poder. Com destaque a Seth (Derek Cecil), que sempre o considerei um covarde e aproveitador, mas que aos poucos, vai aprendendo a jogar o jogo. Além, claro, do time de Tom Hammerschmidt (Boris McGiver) do Washington Herald, que, também continua querendo bater em Underwood a qualquer custo, mas que foram reduzidos a um grupo de chatos que não conseguem chegar nem perto do trabalho de Kate Baldwin (Kim Dickens), que sozinha, incomodava mais. Pelo menos, a intenção da série de refletir sobre o trabalho de imprensa segue relevante. E falando em resto de time, por mais duro que seja falar sobre isso, a ausência de Remy Danton (Mahershala Ali) e seu romance com Jackie Sharp (Molly Parker), por melhores que sejam seus personagens, mostra que a equipe pelo roteiro sabe que suas participações já renderam o que tinham que render, e os dois só iriam encher o saco do espectador neste ano, pois já estavam chatos ao final do quarto ano. Mas são bem vindos em uma sexta temporada, claro.
O casal Underwood, por sua vez, está lá, cada vez mais firme às suas convicções, e cada vez mais cruel. Tanto Frank quanto Claire continuam fazendo o possível e o impossível pela sede de poder que compartilham, podendo, na posição que se encontram, criar e administrar o caos, para que possam obter benefícios reais em cima da insegurança. Muitas são as vezes que vemos os protagonistas em meio a diversos problemas, que, estavam na verdade, sob o mais absoluto controle. Nos Estados Unidos, não existem reis, mas há uma carga de valores de monarquia sobre a presidência, que os Underwood entendem bem e, agora que são “reis”, não querem ceder o trono a mais ninguém, e isso no que é chamada de “a maior democracia do mundo”, mas que também mostra suas falhas, esperando um oportunista para derrubá-la. E agora, não temos mais apenas um rei, pois Claire, a partir de agora, também é protagonista definitiva, e também ganha a sua coroa de rainha, dando mais força para a mitologia construida pelo casal. A única ressalva vai para o importante, porém desleixado, Thomas Yates (Paul Sparks), que simboliza, um dos raros pontos fracos de Claire do qual ela não liga muito em manter.
Mesmo com a manutenção da figura maquiavélica do casal Underwood, as mesmas (porém inesperadas) reviravoltas costumeiras na série, e a constante premissa de que os Estados Unidos irão pagar o preço da ganância do casal pelo poder, o quinto ano de House of Cards trouxe um gás novo para a série, que busca forças no terror, caseiro e global, para dar uma razão para a presidência dos Underwood, enquanto os firma como reis em um castelo que não há monarquia, seja no reinado de poder, ou midiático, pois uma das maiores e mais poderosas armas dos nossos dias é o “bom uso” da mídia. O ser humano continua exposto como uma figura que apenas vive para buscar o que te dá prazer não importando o preço que isso custe, para você ou para quem é influenciado por este prazer, e, por isso, temos uma temporada tão empolgante, já que não existem heróis, pois, como diz o profeta Isaías, mesmo as boas obras destas pessoas, as justas, não valem nada, já que só são praticadas para suas próprias satisfações.
O quinto ano de House of Cards, assim como todos os seus episódios, estão disponíveis na Netflix.