Análise Arkade: O adeus a Clementine no último episódio de The Walking Dead (Season 4 Ep. 4)
Clementine é uma personagem deveras especial.
Começo com tal afirmação porque é difícil se despedir de alguém que está conosco há aproximadamente 7 anos. Nesse período, testemunhamos sua evolução, realizamos escolhas juntos e, inegavelmente, ajudamos a moldar sua personalidade por meio do gameplay. Nosso texto pode conter spoilers do último episódio da 4ª temporada, intitulado “Queremos voltar”.
Anteriormente, escrevi três análises (dos episódios 1, 2 e 3) e lá você pode sanar suas dúvidas sobre as mecânicas do jogo e alguns outros aspectos. Nosso foco aqui é conversar sobre a despedida da série, se as escolhas da equipe “Still Not Bitten” (nome dado para os responsáveis pelos dois últimos episódios) foram as corretas e se os problemas envolvendo a Telltale afetaram o desenvolvimento dessa última peça do quebra-cabeça.
O fim da jornada de Clem
Enquanto a Telltale ainda era responsável pelo projeto, era fácil identificar que a narrativa havia sido otimizada, polida, ajustada, em relação a temporada 3 do game. Porém, dizer que o produto estava “melhor” significa pouco diante de um construto tão fraco e problemático como foi a história de Javier (protagonista da 3ª temporada). A final season nos oferece de cara um gráfico consideravelmente superior e mais opções de ação dentro do jogo, entretanto, a narrativa, maior arma de outrora, permanece medíocre.
A história não é catastrófica, mas é convencional dentro desse gênero de apocalipse zumbi. E o problema em si não é o argumento do enredo (sobreviver, confiar ou não em alguém, encontrar um local seguro), mas sim como é desenvolvido durante a campanha que, no todo, soma aproximadamente 8 horas. Os personagens que conhecemos não são ruins, mas são no máximo bidimensionais, muito diferente de Kenny, Lee, Carver, Lilly, Luke, e outros que conhecemos nos primórdios da série.
Apesar disso, algumas novas caras merecem menções honrosas: James, Tennessee, Louis e Violet. Esses dois últimos podem ser o par romântico de Clementine e isso foi uma inserção interessante para dar mais complexidade a protagonista. A opção de poder se relacionar com uma pessoa do mesmo sexo deveria ser natural, refletindo a contemporaneidade, mas ainda existem alguns tabus em relação a isso e é importante ver que a Telltale/Skybound Games resolveu incluir isso no jogo.
Outra questão pivotal que vem movendo a história desde a temporada 2 é a construção da relação entre Clem e Alvin Jr (A.J.). Todos os eventos do jogo acontecem atrelados a uma decisão moral, ou seja, nossa missão é moldar A.J., assim como fizemos com Clem por meio das ações de Lee. É basicamente um espelho narrativo da temporada 1 em todos os aspectos, inclusive o conflito final é o mesmo.
Os eventos (conflitos) que acontecem nessa temporada são os mesmos de outrora, mas agora temos A.J. conosco e isso significa que a história aborda muito mais questões de psicologia infantil e de maternidade na adolescência. Obviamente, esses temas são tratados em um cenário extremo no qual as decisões morais pendem, normalmente, para o caos.
Se Clem está em um confronto e corre risco de morte, é ‘aceitável’ que A.J. elimine essa pessoa. Porém, essa é uma circunstância muito específica que não pode ser encarada como regra. Entretanto, não sabemos como o garoto está interpretando essa mensagem, tampouco se a associação de conceitos como conflito = matar não será o ponto de partida para o mesmo julgamento em outras situações. Desmistificar a forma natural como o conceito de matar/morte paira sobre A.J. foi um dos principais desafios de Clem nessa temporada.
Todos esses conflitos internos não são muito bem desenvolvidos porque o cenário que cerca A.J., em termos narrativos, não é muito bom, então, dilemas que poderia ser bem impactantes se tornam apenas inconsistentes. Pincelando mais o lado positivo, há um construto específico que me agradou bastante: a subversão de expectativa.
SPOILER ALERT – Sobre o final da jornada
Em determinado momento [SPOILER] Clem recebe um golpe profundo de machado em sua perna, em seguida é mordida na mesma perna por um zumbi. A reação natural do jogador é ficar triste pelo fato, obviamente. Enquanto Clem está debilitada jogamos um segmento do jogo com A.J., com a sensação de passagem de bastão.
Assim como ocorreu na temporada 1, A.J., agora o personagem que controlamos, tem que optar por matar a protagonista ou deixá-la se transformar. É um fim anticlimático para a personagem, porém, nem toda a morte precisa ser heroica e esse tipo de cena nos lembra isso.
Depois disso o gameplay nos coloca em um flashback que acontece depois da temporada 3 e, naquela oportunidade, nossa missão era encontrar o garoto. Depois da morte off-screen de Clem (se A.J. opta por matá-la a tela escurece), essa parte serve como respiro, para que nossos sentimentos se acalmem e para que possamos entender mais do que aconteceu no passado.
Em seguida, voltamos ao presente, jogando com A.J. em um segmento mais calmo, no qual ele está pescando. Tudo dá a entender que o jogo vai acabar quando ele volta para a escola, local chave de toda essa temporada, e encontra os personagens que sobreviveram. Depois disso, há uma cena que efetivamente fecha a jornada de Clem e Alvin Jr.
Não vou falar diretamente o conteúdo dessa cena, mas na minha interpretação foi a Telltale/Skybound Games falando para o jogador: “A história não poderia acabar em um tom triste dado tudo que aconteceu no jogo e fora dele. Aqui está um pouco de alegria”.
Eu gostei do que eles fizeram, mas narrativamente não faz sentido algum. Sabe aquelas muletas de roteiro que fazem com que um personagem que estava cercado por milhares de zumbis, desarmado e sem ajuda, posteriormente apareça em outro lugar, bem, como se nada tivesse acontecido e sem explicação nenhuma de como ele saiu de lá? Bom, é mais ou menos isso que acontece. Em termos de fan service é ótimo e muito satisfatório, mas pensando friamente é um erro crasso de roteiro.
Conclusão
A jornada de Clem e A.J., no frigir dos ovos, foi satisfatória. A primeira temporada é uma obra-prima em termos narrativos e a segunda ainda se mantém acima da média. A terceira foi uma catástrofe, um spin-off no fim das contas, e a final season conseguiu ser uma experiência interessante, especialmente diante de tantos problemas que cercaram a Telltale Games e que, inevitavelmente, influenciaram negativamente no produto final.
Estou feliz pelo fato da Skybound Games não deixar o jogo morrer, mas um pouco em dúvida se essa era a visão original para o fim do jogo. De qualquer forma a obra não ficou inacabada, e isso vale muito.
Obrigado, Clementine.
The Walking Dead: The Final Season teve seu último episódio lançado no dia 26 de março de 2019 e você já pode adquirir as cópias físicas do jogo com todo o conteúdo. O game está disponível para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC.