Análise Arkade: Adventures of Chris transforma o “nerd gordinho” em herói com muito bom humor

31 de outubro de 2020
Análise Arkade: Adventures of Chris transforma o "nerd gordinho" em herói com muito bom humor

Certa vez, li um artigo de um colega que apontava para a falta de personagens gordos no mundo dos games. E, de fato, se a gente parar para analisar, eles praticamente estão relegados a jogos de luta — como Honda, Bo’Rai Cho, Bob, entre outros. Ouso dizer que nunca tivemos um protagonista gordo em um game (e se eu estiver enganado, por favor, me corrija nos comentários).

Creio que a razão para isso parta do estereótipo um tanto quanto preconceituoso de que o gordinho simplesmente não tem “fôlego” para ser o herói. Ele não é ágil, forte ou corajoso. Ele não “salva o dia”. O herói costuma ser o sujeito durão, musculoso, implacável.

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Pois bem, felizmente, há quem acredite nos gordinhos: os estúdios Guin Entertainment e Graffiti Games trazem um joguinho divertido e bem humorado que coloca o típico “gordinho nerd” dos anos 90 para salvar o dia, viajar pelo mundo e superar os próprios medos.

O garoto balão

Adventures of Chris traz como protagonista Chris, um garoto gordinho que, inadvertidamente, acaba indo parar na festa de aniversário de um garoto vampiro birrento, que está querendo impressionar um clã de demônios com a sua festa. Chris é aprisionado junto com um grupo de crianças, e todas elas acabam sendo enfeitiçadas pelo garoto vampiro.

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O bullying começa cedo no jogo…

Assim, nosso protagonista vira um balão, enquanto as outras crianças tornam-se brinquedos, e são dados “de lembrancinha” para os convidados. Chris consegue escapar, e acaba indo parar no Reino dos Balões Perdidos, onde ele descobre que pode ser “o herói” descrito em uma antiga profecia.

Ninguém acredita muito nisso (nem o próprio Chris), mas ele decide salvar as outras crianças, que foram levadas cada uma para um canto do mundo, o que vai exigir que ele aprenda técnicas para controlar seus poderes e novas habilidades que sejam úteis em sua jornada.

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O Reino dos Balões Perdidos

É uma história bobinha, e até um pouco clichê, mas felizmente, o jogo trata tudo com leveza e bom humor. O jogo meio que se ambienta nos anos 90, então Chris traz muitas referências da infância dele — que também fizeram parte da minha, no caso –, como Capitão Planeta, Mortal Kombat II, entre outras. E, o gordinho, coitado, sofre bullying o tempo todo, e ainda que a gente saiba que bullying é errado, o jogo faz isso de formas muito engraçadas.

Viajando o Mundo

Adventures of Chris vai levar nosso garoto-balão para diversas partes do mundo em fases que são inspiradas em lugares reais, como México, Chile, Estados Unidos e, claro, Transilvânia.

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O jogo te leva para países reais

As fases não são muito longas, e exigem que você faça um bom uso das habilidades do personagem. Ele não pula muito, mas na forma de balão, pode planar bem alto — ou se mover com as mãos pelo teto, por exemplo. Porém, nesta forma, ele fica muito mais vulnerável, especialmente nas primeiras horas de jogo, onde qualquer espinho, ferrão ou bico de pássaro podem estourá-lo.

Na prática, temos aqui um jogo de ação e plataforma 2D simples, mas bem feitinho. Você avança pelos cenários, enfrentando inimigos e coletando coisas — piada pronta: no jogo do gordinho, os coletáveis são biscoitos, e os itens de energia são milk shakes. Os biscoitos na verdade, funcionam como dinheiro no Reino dos Balões, e você pode trocar seus biscoitos acumulados por itens e melhorias.

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Conforme avança pelas fases, você adquire algumas magias elementais, bem como outros poderes e habilidades especiais. Ao final de cada fase, um chefão estará à sua espera, e eles seguem aquele esquema típico de “entenda o padrão de ataque do inimigo e arrume uma brecha para atacar”.

Entre uma fase e outra, você pode voltar para o Reino dos Balões, que funciona como um hub, e conta com umas lojinhas e até algumas sidequests: há um “garoto” que coleciona bandeiras, que você pode encontrar pelos países que visita, e uma biblioteca desfalcada, para a qual você pode tentar reencontrar tomos de uma enciclopédia perdida.

Uma questão de timing (e geografia)

Em suas primeiras horas, Adventures of Chris foi uma grata surpresa: um jogo gostoso de jogar, com humor na medida certa e um bom nível de desafio. Enquanto eu cumpria as missões de resgatar as crianças, ele estava sendo muito legal. Achei que era fazer isso, enfrentar um chefão final, e pronto… mas eu estava enganado.

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Nessa fase, você é guinchado por um submarino (e é um saco)

Adventures of Chris continua, e acaba ficando um pouco chato. Do nada, o jogo tira sua habilidade de “inchar” e “desinchar”, te deixando preso em sua forma de balão por um tempinho, o que é bem pentelho (tem uma parte subaquática que é muito ruim). E aí ele ainda te faz revisitar algumas fases, simplesmente para falar com alguém ou cumprir um novo objetivo genérico.

Este não é o primeiro jogo a fazer isso — e provavelmente não vai ser o último — mas é uma pena que os desenvolvedores tenham perdido a mão na hora de acabar o jogo. Menos pode ser mais, e aqui tem um punhado de conteúdo que simplesmente não era necessário, e parece estar ali só para aumentar a vida útil do jogo. Se fosse mais curto, ele seria bem mais agradável.

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Um fato geográfico aleatório para ilustrar

Outro fato curioso é como ele parece querer ser um jogo educativo: ele tem um apelo exagerado por geografia, países e bandeiras. Rolam muitas conversas sobre países (exemplo acima), e em dado momento um personagem lhe aplica uma “prova de geografia”, com perguntas reais — tipo “qual a montanha mais alta da África?” — que você precisa responder de verdade. Eu não entendi a pira do jogo por geografia, e ainda que isso não estrague o jogo, só parece um pouco gratuito, sem sentido.

Audiovisual

Adventures of Chris é um jogo indie que claramente foi feito com muito carinho. O visual dele no geral é relativamente simples, mas bem feitinho, com uma vibe de desenho animado noventista. Os modelos de personagens são muito simpáticos, e algumas animações — como o protagonista usando uma bombinha de asma quando fica sem fôlego — demonstram que os produtores se esforçaram para fazer o seu melhor.

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O visual é simples, mas bem feitinho

A trilha sonora não é particularmente memorável, mas cumpre seu papel, e tem um pouquinho daquele “toque cultural” para caracterizar os países pelos quais você passa. O jogo não tem vozes, mas os efeitos sonoros são competentes.

Adventures of Chris foi localizado para o nosso idioma, e a qualidade da tradução é muito boa: os diálogos do jogo são ótimos, e como temos muito humor aqui, é ótimo que todos possam compreender as piadas e pegar as referências que o jogo faz.

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Exemplo de referências nerds…
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E de piadas com bullying

Esse jogo me arrancou umas risadas muito sinceras, e ainda que seja meio errado rir de todo o bullying que o gordinho sofre, o bullying acaba sendo parte do charme do jogo — que afinal, vai contra as convenções da indústria, e transforma o nerd gordinho em herói.

Conclusão

Sabe aqueles jogos que você não dá nada, mas quando experimenta se surpreende ao perceber que ele é bem legal? Adventures of Chris é exatamente isso: quando o código de review chegou, eu quase tive preguiça de começá-lo… mas quando comecei, logo notei que ele tem muito carisma e bom humor, e me conquistou com seu gameplay simples, mas funcional.

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O jogo infelizmente se alonga mais do que deveria, te obrigando a revisitar cenários para cumprir objetivos bem menos interessantes do que os primeiros. Se acabasse mais cedo, ele sem dúvida seria muito mais redondinho (com o perdão do trocadilho). E, claro, gosto dele quebrar padrões estéticos: transformar o gordinho em herói é tão legal quanto transformar um jovem bardo em herói (lembra de Wandersong?)

Assim, Adventures of Chris não é um jogo imperdível, mas é um jogo surpreendente, à sua maneira. Com uma história bobinha mas carismática, um herói improvável, altas doses de bullying, humor e referências à cultura pop dos anos 90, temos aqui um título que consegue ser bem único, mesmo em um gênero tão comum quanto é o bom e velho plataforma 2D.

Adventures of Chris está disponível para PC e Nintendo Switch.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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