Análise Arkade: O belo mundo dieselpunk de Airheart – Tales of Broken Wings

3 de agosto de 2018

Análise Arkade: O belo mundo dieselpunk de Airheart - Tales of Broken Wings

Dentre todas as possibilidades de narrativas retro-futuristas, o estilo dieselpunk talvez não seja tão conhecido como a sua variação steampunk, mas certamente é tão instigante quanto. Essa visão pautada por um mundo movido a combustíveis mais grosseiros e máquinas improvisadas com tecnologias que remetem, normalmente, ao período da década de 1950, é muito bem representada por filmes como Capitão Sky e o Mundo do Amanhã, e tem muitos elementos presentes em obras como a cinessérie Mad Max.

Bebendo diretamente desta fonte, Airheart – Tales of Broken Wings é um “jogo de navinha” não muito convencional, uma vez que não é exatamente aqueles shooters frenéticos aos quais estamos acostumados — dos clássicos R-Type, Sonic Wings e Gradius aos mais modernos ResogunBoiling Bolt e Sky Force.

Análise Arkade: O belo mundo dieselpunk de Airheart - Tales of Broken Wings

Ele une o tiroteio aéreo com visão superior (ou para os mais extravagantes, a perspectiva bird’s eye) à exploração e o bom e velho crafting and building. O resultado de tudo isso? Vejamos.

Em busca (ou não) da Baleia dos Céus

No game, somos apresentados à Amelia (a soma do nome da protagonista e do título do jogo não é uma mera coincidência quando lembramos de Amelia Earhart, uma das grandes personalidades da história da aviação), uma piloto sonhadora que vive em Granaria, uma cidade entre as nuvens. A bordo de sua máquina voadora, Amelia aprende a nobre arte da pescaria nos céus, aprendendo também a lidar com piratas e outros perigos.

Desde sempre, ela ouve histórias dos mais antigos sobre a tal Baleia dos Céus, criatura que viveria nos limites mais altos e que seria a pesca suprema, tornando seu captor alguém extraordinariamente rico e famoso. Na busca por honrar a memória do pai, este se torna o maior objetivo de Amelia. Para tanto, ela precisa se tornar melhor, precisa aprimorar suas habilidades de pescaria, melhorar seu equipamento e sempre buscar subir um nível a mais.

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Esse background apresentado logo de início convida o jogador a embarcar nesta jornada sentimental — quase um conto de fadas moderno com aviões, piratas e peixes voadores. Ao longo do caminho, entretanto, até por uma estrutura que valoriza a exploração, o retorno e a customização, a narrativa fica em segundo plano e só vai mostrar outros vislumbres de si em momentos pontuais e específicos da campanha.

Airheart – Tales of Broken Wings, portanto, consegue dar profundidade e motivação de modo instigante, mas decide por não investir tanto nisso ao longo do tempo, sobretudo em favor de um sistema mais imersivo de coleta e customização. A busca por essa lendária baleia acaba se tornando muito mais uma consequência do avanço e da perseverança do jogador do que necessariamente sua meta primeira. Se isso é bom ou ruim, depende do jogador.

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Pescando e combatendo piratas até a estratosfera

Airheart é organizado sistematicamente em planos, ou níveis, um sobre o outro. No nível zero, se assim podemos chamá-lo, é onde fica a oficina de Amelia e onde está a base do jogo. A cada nova incursão, o jogador pode explorar cada uma destas “camadas” superiores da forma como melhor entender: é possível, por exemplo, ficar eternamente explorando o primeiro nível, coletando itens e voltando para casa (e com isso esgotar seus recursos), ou se arriscar nos níveis superiores para garantir ganhos mais polpudos. O ideal, obviamente, é um avanço equilibrado.

Cada vez que Amelia sai para pescar, ela pode conseguir peixes — sim, são peixes que estão no ar e isso é bem natural no jogo — e sucata de máquinas. Enquanto o primeiro se coloca como a principal moeda do game, o segundo é bastante útil na criação de peças funcionais para melhoria da aeronave de Amelia. Cada adição em termos de carenagem e/ou de armamentos dá suporte a voos mais altos, melhorando qualidades como resistência, agilidade e capacidade de dano.

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Em um sistema bastante confortável e rápido de ser assimilado de twin-stick shooter, o jogo não se complica muito. Controlar a nave nos ares e atirar em inimigos é basicamente toda a ação a ser desenvolvida nas aventuras da protagonista. Há diferentes armamentos, mas o sistema em si é sempre o mesmo. Para além disso, há algumas funções como bust e, principalmente, o arremesso de arpão, que são bem úteis, mas de uso quase sempre pontual.

Aliado a um sistema que pode se tornar um tanto quanto repetitivo, sobretudo para os jogadores mais conservadores, a jogabilidade de Airheart pode, as vezes, cair em um certo marasmo. Claro que há a chance de ir direto ao ponto e seguir subindo até chegar na última camada, mas aí entra um outro fator importante do jogo: o permadeath. Se for abatido, meu amigo, esteja pronto para recomeçar a coleta do zero.

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Isso porque os ganhos obtidos com a pesca e com a coleta de itens só são de fato incorporados quando se retorna à base com eles. O mais cauteloso aqui é subir, coletar tudo o que conseguir e, quando estiver próximo de ser derrotado pelos inimigos, voltar.

O problema é que o dano é cumulativo entre os níveis, então esse avanço pode ser por demais vagaroso. O clássico “sobe um pouquinho, coleta um pouquinho, volta pra casa e começa a subir de novo”. Airheart valoriza a paciência muito mais do que a ousadia.

Uma vez que retorne, o jogador pode usar seu tempo em casa para criar novas peças a partir do lixo que coletou ou, se preferir, comprar peças novas com os ganhos da pescaria. A criação em si é um acerto grande do game, já que há uma infinidade de possibilidades de combinação das diferentes peças que se pega e as receitas para itens mais sofisticados nunca é dada de mão beijada. Há dicas, há pistas, há macetes para conseguir criá-las, mas ficam longe da obviedade.

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Essa dinâmica entre estar no ar buscando recursos e estar em sua base criando itens dá ao jogo um bom equilíbrio em termos de gameplay, mas não chega a torná-lo necessariamente dinâmico. Deste modo, pode não agradar todo tipo de jogador, principalmente aquele que busca ação frenética e tiros para todos os lados. Ainda que haja muito perigo e momentos de grande intensidade de inimigos na tela, não é para isso que Airheart parece ter sido feito.

Os belos céus de Granaria

Logo de início, a beleza do game consegue conquistar o jogador. Se as cutscenes não apresentam nada de muito sofisticado — utilizando belas artes estáticas para dar um contexto –, a concepção estética do jogo é muito bem planejada e executada. Há aqui um 3D bem limpo, colorido, quase que com uma textura suave e que transborda das naves para o cenário, algo ainda mais valorizado pelo bem-vindo modo fotografia. É possível criar belos wallpapers navegando por aí.

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Ao avançar camada a camada, esse esmero estético ganha novos contornos. Ainda que inimigos e vegetação não sejam tão variados assim, há sutilezas na ambientação e até no clima que vão oferecendo ares de novidade progressiva, mesmo que seja tão lenta quanto a jornada oferecida. Os efeitos de névoa obrigatórios em um jogo que se passa nos céus são muito coerentes ao contrastar com os traços mais duros e poligonais do relevo sólido das várias ilhas flutuantes ali presentes.

Há limitações, todavia. A vegetação parece muito mais uma composição de guarda-chuvas coloridos e as naves inimigas começam a ficar repetitivas rapidamente, criando arquétipos muito limitados – a mais rápida, a mais pesada, a mais bem armada, etc. Mas em termos gerais, isso não chega a comprometer o belíssimo trabalho artístico de Airheart, que se aproveita de sobrepor layers a cada novo nível alcançado para compor mosaicos visuais bem interessantes.

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A tilha sonora também valoriza o jogo, mesmo que seja mais esquemática que o visual. As músicas são bem pontuadas e a mudança de ritmo é mais aparente conforme o avanço. Sai de uma bela e calma melodia para uma batida animada de forma um pouco áspera e nem sempre essa transição se mostra fluida. Soma-se a isso efeitos sonoros minimalistas que deixam a ambientação de um pouco de lado. Faz falta sentir um pouco mais de vida nesse mundo, mas a identificação dos tiros inimigos é prática e precisa.

Ainda assim, como um todo, o jogo usa belas composições em um tom, novamente, de leveza e fantasia contemporânea, que harmonizam com um visual clean. É um jogo tecnicamente leve, de uma construção estética que busca na sutileza transparecer um ambiente de fábula. O contraste entre essa fórmula e o universo, como dito, retro-futurista dão identidade e personalidade ao mundo de Amelia.

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Conclusão

Airheart – Tales of Broken Wings é, em essência, um jogo que equilibra o clássico shoot ‘em up de navinha e sistemas mais tranquilos de exploração, coleta e construção. Se por um lado essa mistura favorece a contemplação e um ritmo mais cadenciado, também pode sacrificar a ação e a objetividade e, nesse sentido, pode não ser um game para todos os perfis de jogadores.

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Isso não significa, porém, que seja um jogo feito para o tédio e para a sonolência. Há momentos de muita intensidade e que podem ser ainda mais tensos, dependendo dos riscos que o jogador escolher tomar, potencializados pela chance de morte definitiva ou de, ao menos, perdas consideráveis. Mas enquanto conjunto, é um jogo que, definitivamente, premia a cautela e valoriza um passo dado de cada vez.

Disponível para Playstation 4, XBox One e PCAirheart – Tales of Broken Wings está bem localizado com legendas e menus em português brasileiro.

Paulo Roberto Montanaro

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