Análise Arkade: Amnesia Collection chega ao PS4 e nos relembra de um terror de qualidade
O ramo de maior crescimento dentro do gênero Survival Horror é sem dúvida o terror em primeira pessoal. Esse não é um subgênero novo, e existe há décadas, mas nos tempos atuais é um subgênero altamente explorado, desde jogos como Five Nights at Freddys, Slender até Outlast e chegando novamente no universo de Resident Evil VII.
A própria série Resident Evil começou a explorar o terror em primeira pessoa lá no PS1 com Resident Evil Survivor, o que mostra como esse subgênero já não é novo. E ainda temos que citar Silent Hill 4: The Room, que alterna entre primeira e terceira pessoa. Mas todos os games de terror atuais que se aventuram nessa perspectiva em primeira pessoa devem tudo a uma série em especial, aquela que traçou a linha e estabeleceu o padrão desse subgênero, se tornando o ponto de transformação e referência do terror em primeira pessoa. E se você gosta desse estilo, você deve seus agradecimentos a série Amnesia.
E agora, Amnesia, que até então era uma série exclusiva para os PCs chega ao PS4, permitindo que os jogadores do console da Sony possam enfim, caso não tenham tido a oportunidade antes, de conferir uma série de terror de qualidade. E também para relembrar aos que já se aventuraram no terror do game, como eu, dos traumas, pulos na cadeira e até vez ou outra a falta que uma fralda fez enquanto se jogava.
The Dark Descent, Justine e A Machine for Pigs
A série Amnesia ganhou enorme fama por sua alta qualidade, terror de primeira e também por vídeos de gameplay no youtube, com jogadores filmando a si mesmos passando enormes sustos com a série. The Dark Descent foi lançado em 2010 e A Machine for Pigs foi lançado em 2013, e com esses games chegando agora ao PS4, é hora de fazer as reapresentações deles aos jogadores.
A série se inicia com The Dark Descent, o melhor e mais aterrorizante capítulo da série. Nesse game estamos na pele de Daniel, um homem que acorda dentro de um castelo sofrendo de amnésia, sendo capaz apenas de lembrar seu próprio nome. Ao acordar, ele encontra uma nota escrita por ele próprio antes de perder sua memória, dizendo que ele deve adentrar as profundezas desse castelo e matar Alexander, o Barão do castelo de Brennenbug, e impedir um terrível mal que está para acontecer.
Justine é uma das DLCs de The Dark Descent, e a única inserida nessa coletânea. Essa é uma curta DLC que pode ser terminada em poucos minutos. Ela é uma pequena aventura bem ao estilo Jogos Mortais, em que devemos tentar salvar prisioneiros em uma masmorra, participando de um macabro experimento mental e social da misteriosa Justine.
E A Machine for Pigs conta a história de Oswald Mandus, dono de uma rica companhia alimentícia que acorda em seu quarto, sem qualquer memória de acontecimentos recentes, e parte em busca de seus filhos em uma Londres nas vésperas do início do século XX, passando pelas ruas da cidade e por fábricas escuras enfrentando perigos desconhecidos e os grotescos homens-porco.
A escola para uma revolução do gênero de terror
A importância de Amnesia para o “terror contemporâneo” nos games é total. Foi com The Dark Descent que um novo padrão de qualidade foi imposto, e esse padrão é: Uma atmosfera totalmente opressora, um terror psicológico real, que chega a quase ser palpável, e o ponto de ligação de tudo isso, a completa vulnerabilidade do jogador nesse meio. A fraqueza diante do perigo.
Em Amnesia: The Dark Descent, nosso personagem é ao mesmo tempo aquilo que um jogador espera e ao mesmo tempo algo contrário a isso. O que os jogadores esperam são personagens fortes, com os quais podem talvez se identificar e interpretar, e Daniel é assim, mas não da forma “convencional”, pois dentro do game, ele é a criatura mais fraca de todas, ele é a criatura que é facilmente sobrepujada, e que, falando de maneira menos enrolada, é a criatura que precisa sobreviver, pois não tem outra opção.
A forma como isso é posta no game é na mistura da própria amnésia do personagem com seus medos, representados pela Sanidade. Se Daniel ficar muito tempo no escuro e testemunhar eventos sobrenaturais, como portas abrindo sozinhas, ou objetos se movendo, sua sanidade abaixa. Isso é refletido visualmente, com a tela pulsando e se distorcendo, com Daniel ficando tonto e se movendo de forma desordenada e ouvindo um constante crepitar em sua cabeça. E se a sanidade for destroçada, Daniel desmaia e cai no chão. O medo chega ao ponto de Daniel não poder nem mesmo olhar para os monstros do game. Se o jogador olhar para os monstros por muito tempo, a sanidade despenca, e pior ainda, o monstro percebe onde você está e corre até você te matando de forma cruel.
O game trabalha o ponto da sanidade de uma forma muito boa, pois para não sofrer no escuro, você precisa de luz, e para isso você pode usar um lampião a óleo e acendedores para ligar tochas, lâmpadas e velas. Porém o lampião gasta óleo rapidamente, e os acendedores, se não gerenciados corretamente, acabam muito rápido. E se você estiver sendo caçado por um monstro, você deve se esconder no escuro. O game trabalha esses extremos de forma bem competente, pois cria uma tensão incessante causada tanto pela luz quanto pela escuridão. Você sabe que não pode ficar muito tempo no escuro, mas também sabe que a luz pode e vai trair você. Mas para que o game não torne esses extremos injustos, a visão de Daniel se adapta a escuridão após alguns segundos, e o jogador consegue enxergar paredes e objetos próximos, pelo menos para poder se localizar.
A Machine for Pigs é uma experiência diferente. O game se tornou muito mais direto do que seu antecessor, tanto no gameplay quanto em seu enredo. Ele é bem mais linear, não possui mais inventário de itens, tornou os puzzles extremamente simples e removeu a sanidade, uma das melhores coisas de The Dark Descent. E infelizmente isso acabou sendo refletido no terror do game também. A Machine for Pigs é menos aterrorizador do que seu antecessor, principalmente pela ausência da sanidade, que não pune mais o jogador por ficar no escuro, nem por olhar diretamente para os Homens-Porco.
O primeiro game possuía um cenário grande e labiríntico, em que a exploração era fundamental para encontrar itens, notas e diários para se inteirar mais na história e também para tornar as coisas muito mais tensas, pois os monstros poderiam aparecer de onde menos se esperasse. O game criava o medo da própria exploração, o medo de dar de cara com um monstro e não saber para onde fugir.
O segundo game possui um cenário muito maior que o primeiro, porém muito linear. Poucos são os cenários com mais de um caminho, e mesmo esses são fáceis para se localizar. A remoção do inventário tornou os puzzles do game muito fáceis. Pois agora o jogador não precisa coletar itens que serão usados futuramente, combinar itens, e resolver puzzles em salas diferentes. Tudo se resolve muito facilmente, normalmente pegando objetos que estão exatamente do lado do puzzle, tirando um pouco a graça deles. Além disso, sem a sanidade, não há mais a enorme tensão de encontrar monstros ou ficar sem luz, até porque a lanterna de A Machine for Pigs não precisa de combustível e não se apaga com o tempo.
Essas foram decisões controversas na época do lançamento do game, pois resultou numa sequência que é sim um ótimo game, com um enredo diferente, conectado ao primeiro game através de breves referências, mas ainda assim um game com sua própria história. Mas o game acabou perdendo aquilo que tornou o terror do primeiro game algo tão elogiado pelos jogadores. Ou melhor dizendo, xingado por aqueles que sofreram com o terror do game, com a atmosfera e os sustos de pular da cadeira.
Sobrevivendo na escuridão
Como Amnesia é uma série que até então era exclusiva dos PCs, sua jogabilidade foi criada especialmente para o mouse e teclado, mas ela foi adaptada para o controle do PS4 de forma excelente. Os controles são os padrões de um game em primeira pessoa no que se trata da movimentação. Os personagens podem andar, correr, pular e se agachar.
Com a mão esquerda os personagens seguram suas lanternas. Em The Dark Descent temos o lampião, que gasta óleo com o tempo, que deve ser reabastecido para não ficar sem luz. E em A Machine for Pigs temos uma lanterna que não precisa ser abastecida, mas que ilumina um pouco menos. E com a mão direita, controlada pelo botão R2, nós interagimos com os objetos do cenário.
Essa interação é bem legal, e funciona de forma totalmente manual. Para abrir uma porta, por exemplo, você deve segurar o R2 e com o analógico direito mover a porta para abri-la. Para abrir gavetas, o jogador puxa-as para fora, e para ativar alavancas ou girar manivelas, basta realizar com o analógico o mesmo movimento que seria feito na vida real, puxando e fazendo movimentos circulares.
Como já dito nos últimos parágrafos, luz e sombra são seus aliados e seus inimigos ao mesmo tempo. Você não pode enfrentar os monstros, você não tem a mínima chance, tudo o que você pode fazer é se esconder deles e fugir. The Dark Descent possui muito pouca luz, e você precisa saber quando usá-la. Iluminar salas e corredores inteiros, além de gastar muitos acendedores, torna você vulnerável caso um monstro apareça, pois ele verá você facilmente na luz, e você não terá um lugar escuro pra se esconder. Já A Machine for Pigs descarta isso, há muita luz artificial no game, porém fraca demais para iluminar plenamente, e a única coisa que você realmente deve se preocupar é em não atrair monstros com a luz de sua lanterna.
Quando os monstros aparecem sempre há um sutil aviso para que o jogador comece a tremer e se prevenir. Em The Dark Descent e Justine, ouvimos primeiro o macabro gemido dos monstros, e uma tensa música começa a tocar, uma música que por si só já é de causar muitos calafrios. E a música fica presente até que o jogador esteja longe ou o monstro tenha ido embora. Dessa forma, você sabe que há um perigo próximo, mas você não sabe de onde ele virá. Em A Machine for Pigs o clima de perigo foi muito reduzido, não há mais músicas emblemáticas na presença de monstros, e sempre sabemos onde eles estão graças as luzes do game. Ao olhar na direção de um monstro, mesmo escondido atrás de algo, a luz da lanterna pisca, e ela pisca ainda mais quanto mais perto você estiver dos monstros. Assim, passar por eles é fácil e não cria toda a tensão do primeiro game.
Audiovisual
Amnesia é uma série que já existe há alguns anos no PC, e mesmo hoje possui gráficos bons. O game recebeu pouco tratamento visual para chegar ao PS4, e chegou ao console com algumas das configurações da versão de PC. O principal sendo a definição do brilho do game, que é algo de total importância. O escuro é onipresente, e por mais que essa ideia seja algo que você deverá pensar “não, nunca, mas nem pagando”, a melhor forma de jogar o game é desligando as luzes de seu cômodo, jogando em um quarto escuro, para que você possa enxergar melhor no game. Mas você pode aumentar e diminuir o brilho do game quando quiser, caso tudo esteja escuro demais para se enxergar.
Graficamente o game é idêntico as versões originais, sem tirar nem por, e seus gráficos conseguem não parecer muito datados hoje em dia. Pois a atmosfera que o game cria é forte o bastante para que não se dê muita importância pra isso. Mas uma coisa que o game faz com maestria é criar o grotesco e provocar nojo no jogador. Os monstros de The Dark Descent são horríveis. Seres de pele inchada, amarrados por tiras de couro, com a pele totalmente destroçada e uma boca com uma abertura impossível. Os Homens-porco são todos costurados, encurvado e com aqueles horríveis guinchos de porcos, que quem já ouviu sabe o quão desagradáveis são.
E os monstros de Justine não devem em nada para esses dois, apesar da DLC ser curta, ela possui os mesmos gráficos que The Dark Descent, e seus monstros, nus, ensanguentados e torturados são um pavor aos olhos. Em termos gráficos, Justine é o único que sofre de um pequeno problema, alguns poucos engasgos de décimos de segundos que ocorrem vez ou outra, quase imperceptíveis, mas que estão lá.
A parte sonora da série Amnesia é fenomenal. Mesmo os menores sons, mesmo o próprio silêncio do game cria uma atmosfera que envolve o jogador em seu mundo. Músicas distorcidas, sons distantes, como vozes e gritos ao longe, rangidos de portas, janelas e metais, o crepitar de madeira em construções antigas, e até barulhos de passos que quebram o silêncio de forma terrível. Tudo se combina para criar um clima cada vez mais perverso.
E tenho que mais uma vez (e isso já está praticamente sendo gritado ao longo de toda essa análise) que The Dark Descent é o game que une tudo isso, departamento sonoro, visual, atmosfera e gameplay da forma mais perfeita possível. A Machine for Pigs perde pontos no resultado final, quando analisamos todos os seus pontos como uma coisa só. É algo que até parece injusto, mas inevitável, principalmente nessa coletânea com os dois jogos em um só pacote. Afinal, The Dark Descent é tão bem feito que não há como não vermos que faltou coisa em A Machine for Pigs, que infelizmente o tornaram inferior ao seu excelente antecessor.
Conclusão
Se você sofre com prisão de ventre, recomendo pelo menos uma dose diária de Amnesia Collection, de preferência a noite, para que você se cure desse problema. Mas falando sério, Amnesia é uma série de terror tão emblemática que sua chegada ao Playstation 4 é uma excelente oportunidade para quem não pode (ou teve medo) conferir a série nos PCs.
Diria até que é uma experiência interessante para todo jogador passar pelo menos uma vez na vida, que é encarar um game de terror que realmente pode te fazer sentir medo real. Isso em tempos onde muitos dos games de terror lançados não conseguem criar um clima muito profundo, um ou outro susto e olhe lá, mas Amnesia Collection tem e muito potencial para te proporcionar verdadeiro medo.
Então se você tem um Playstation 4 e é fã de games de terror, você tem por obrigação conferir essa coletânea de uma das melhores séries de terror já feitas. E se você está pensando em tentar a sorte e sofrer alguns sustos, essa é uma oportunidade que você faria muito bem em aproveitar. Além disso, o game conta com textos e legendas em português!
Amnesia Collection foi lançado no dia 22 de novembro no Playstation 4. Os games foram originalmente lançados para PC.