Análise Arkade – Banishers: Ghosts of New Eden é vítima de sua própria ambição
Embora a trajetória do estúdio francês Dontnod Entertainment seja bem irregular, seu primeiro jogo, Life is Strange, me marcou muito, o que me faz acompanhar com interesse seus próxios trabalhos.
Esta semana, eles lançaram Banishers: Ghosts of New Eden, um RPG de ação que lembra um pouco outro jogo deles — o mediano Vampyr, de 2018 –, e traz uma história que mistura romance e sobrenatural de formas muito interessantes… ainda que isso não faça dele necessariamente um jogo bom.
O dilema dos banidores
A história do game se passa em 1695, e acompanha um casal de “banidores” (que são tipo os Caça-Fantasmas da época), Antea e Red, contratados para ir até a cidade de New Eden a fim de investigar uma maldição que está fazendo miséria com o local e as pessoas que ali vivem.
Logo descobrimos que a fonte dessa maldição é um “pesadelo”, um tipo de fantasma bastante poderoso que está com sede de vingança. E, já na primeira hora do jogo, vemos essa fantasma assassinar sem nenhuma cerimônia Antea, que até então parecia ser a protagonista do jogo.
A questão é que aqui os espíritos dos mortos podem acabar presos ao mundo dos vivos. Como banidores, Antea e Red seguem um juramento, e sua função é, basicamente, enviar fantasmas para o além. Porém, Antea e Red se amam… e aí entra a interessante (porém mal-aproveitada) dicotomia narrativa do título.
No papel de Red, passamos a ser “assombrados” pelo espírito de Antea… mas nosso papel é justamente caçar fantasmas, lembra? E agora? Vamos enviar nossa amada para o além, ou tentar trazê-la de volta à vida por meio de um ritual profano?
Bússola moral quebrada
Essa escolha meio que serve de bússola moral para o jogador, e vai nortear nossas decisões diante das diversas escolhas que teremos de enfrentar ao longo das mais de 30 horas de campanha.
É mais ou menos o mesmo dilema de Vampyr — onde o médico era um vampiro e tinha que decidir se saciava sua sede de sangue ou não –, mas com uma pegada diferente. E, ainda que eu tenha achado o conceito em si muito interessante, acho que a narrativa falha já de início por um motivo muito simples: o jogo não nos dá tempo de sentir falta de Antea.
Explicando: entre a morte de Antea e o momento em que ela ressurge como espírito, não se passam nem 15 minutos de jogo. Não há um período de luto, não sentimos o peso da ausência dela. Somado a isso, temos o fato de que o principal dilema moral do jogo (expurgar ou tentar reviver Antea) meio que nem é realmente um dilema, visto que claramente existe uma escolha mais altruísta e outra mais egoísta (que, obviamente, levam a finais diferentes).
Isso acaba afetando boa parte das decisões que tomamos. Como banidores, seguimos um juramento que (em teoria) norteia nossas ações. A opção “rescussitar Antea” envolve sacrificar almas (de vivos e mortos) para a realização de um ritual proibido.
Além do juramento dos banidores, há uma questão de bom senso envolvida. Escolher o ritual é simplesmente errado. Mas, você pode seguir esse caminho, se for egoísta quiser tentar ter sua amada de volta ao seu lado.
Detetives sobrenaturais
Tal qual Vampyr, Banishers: Ghosts of New Eden é um jogo com muitos diálogos. Praticamente toda missão envolve uma investigação sobrenatural. Pode ser uma pessoa que está sendo assombrada por algum fantasma, um crime que ficou sem solução, algum tipo de entidade maligna tocando o terror em algum lugar… ou algum defunto querendo que você recupere um objeto dele.
Aí entra o lado investigativo do game, que é um de seus aspectos mais interessantes (ainda que tenha lá suas limitações). Vamos conversar com NPCs, buscar pistas e até mesmo realizar rituais para fazer fantasmas aparecem e nos trazerem informações.
É meio normal que as investigações nos levem a combates — um ponto nem tão alto do jogo, logo falo mais disso –, e, ainda que não sejam especialmente complexas, elas aprofundam um lado bem mais interessante do trabalho dos Banishers, que é justamente ajudar pessoas (vivas ou mortas) a resolverem suas questões sobrenaturais e pendências.
E as limitações que mencionei ali em cima existem simplesmente porque o jogo não nos deixa investigar de fato. Ainda que o processo de coletar pistas e conversar com NPCs seja legal, não sobra espaço para dedução por parte do jogador. Tudo é bastante linear, pensado para culminar sempre em uma mesma decisão: vamos sacrificar ou poupar as almas envolvidas nesta quest?
Tais decisões alimentam o dilema principal que descrevi anteriormente: sacrificar almas é uma decisão egoísta”, que visa reviver Antea. Já o banimento nos leva para um caminho alinhado ao juramento dos Banishers: “vida para os vivos, morte para os mortos”.
Dupla dinâmica
Logo fica claro que a morte de Antea tem também um propósito prático no jogo. Afinal, Banishers: Ghosts of New Eden é um jogo de dois protagonistas: um deles está vivo, outro não. E, claro, cada um tem suas próprias habilidades, especialmente no que diz respeito ao combate.
A mecânica de dois personagens meio que funciona como a mudança entre o plano material e o espectral do clássico Legacy of Kain: Soul Reaver. Há coisas que só podem ser feitas no mundo dos mortos, bem como pistas espectrais que só Antea pode ver. Ela também pode se teleportar, mas não consegue conversar com os vivos nem interagir com objetos físicos.
Isso cria uma sinergia interessante entre os personagens. Os dois são importantes, cada um à sua maneira. Isso se aplica inclusive nos combates: há inimigos mais fracos contra os ataques físicos de Red, outros cuja fraqueza são os poderes fantasmagóricos de Antea.
Como a troca entre os protagonistas é instantânea — basta pressionar um botão –, saber qual personagem é mais efetivo acaba sendo uma nuance bastante explorada nas batalhas.
Precisava ser um RPG de ação?
Dito isso, reforço: as mecânicas de combate de Banishers não são lá essas coisas. Ele claramente busca inspiração no reboot de God of War, mas faz isso sem ter a mesma verba nem o mesmo polimento. O resultado é uma jogabilidade que funciona, mas nunca é tão prazerosa ou fluida quanto poderia ser.
Somado a isso, temos um acúmulo de espólios que realça o lado RPG do jogo, mas parece meio sem propósito. Cada área do jogo têm um conjunto específico de colecionáveis (plantas, fungos, minérios, restos espectrais) que não tem nenhum propósito a não ser a evolução dos nossos equipamentos.
O lance é que, para um jogo cujo maior trunfo é (ou deveria ser) sua história, Banishers acaba tendo combates demais, colecionáveis demais, sidequests demais — e recompensas interessantes de menos. É um jogo que poderia durar umas 12 ou 14 horas se fosse mais focado, mas que foi “inflado” com elementos genéricos de um típico “RPG de ação moderno” apenas para render 30 horas de gameplay.
E isso me deixa especialmente chateado porque, apesar de não aproveitar o potencial de sua temática, Banishers poderia ter ido por um lado mais narrativo e investigativo. Sendo honesto, é justamente nesses momentos que ele brilha, o que só deixa claro o quanto ele deveria ter se focado mais nas investigações do que na pancadaria.
Audiovisual
Ainda que tenha sido lançado exclusivamente para PCs e consoles da geração atual Banishers: Ghosts of New Eden não chega a ser um jogo surpreendente em termos técnicos. Na verdade, ele traz alguns elementos que parecem herança da geração passada — como aqueles caminhos estreitos por onde temos de nos espremer para passar e que muitas vezes serviam para mascarar loadings. Decisões como essa me levam a crer que o jogo provavelmente rodaria sem grandes problemas no PS4 ou no Xbox One.
Isso não quer dizer que ele seja feio, mas que não parece tirar proveito dos hardwares atuais como outros jogos recentes fazem. Não ajuda o fato de que sua temática “dark fantasy” seja bastante batida, o que concede um ar um tanto genérico ao jogo, uma vez que sua direção de arte não impressiona.
A trilha sonora está ali mais para contribuir com o clima do jogo do que para se destacar, e cumpre seu propósito. As dublagens, por sua vez, são muito boas, e só não se destacam ainda mais porque os diálogos em si não são lá muito bem escritos.
Por exemplo: quando abordamos um NPC, nossa interação não parece uma conversa, mas um interrogatório. A gente pergunta, ele responde. Falta naturalidade, saca? Isso pode ser uma questão de orçamento, mas considerando que já era uma questão em Vampyr, me parece mais uma falta de tato dos roteiristas.
No mais, espere pelos tradicionais modos de desempenho e resolução que já tornaram-se padrões nos consoles atuais. Espere também por menus e legendas em português brasileiro, algo que facilita bastante o entendimento da trama e dos diálogos que teremos com dezenas de personagens secundários.
Conclusão
É errado ser ambicioso demais? Porque, sob muitos aspectos, tenho impressão de que esse é o problema da Dontnod Entertainment. Quando ela resolve entregar uma experiência mais focada, ela acerta em cheio — caso de Life is Strange e Jusant, por exemplo. Porém, quando aumenta demais o escopo de seus jogos, acaba perdendo a mão — e com isso, perde também o foco do que faria deles algo especial.
As questões éticas, morais e tudo mais o que envolve a temática “vida após a morte” poderiam render uma história realmente densa. Porém, em Banishers: Ghosts of New Eden, essa ótima premissa acaba diluída na forma de um RPG de ação que se alonga por tempo demais, com combates demais, colecionáveis demais, sidemissions demais.
Fosse um jogo mais contido, com mais atenção à sua narrativa e ao desenvolvimento de seus personagens, Banishers seria incrível. Mas, estou avaliando o jogo pela minha experiência com o que ele é, não com o que eu gostaria que ele fosse. E, como RPG de ação com temática dark fantasy, ele é apenas genérico, não explora seu potencial e, justamente por isso, não se destaca.
Banishers: Ghosts of New Eden foi lançado em 13 de fevereiro, com versões para PC, Playstation 5 (versão analisada) e Xbox Series X|S. O game possui menus e legendas em português brasileiro.