Análise Arkade: Batman: O Inimigo Interno (Ep.1) – O Enigma chega prometendo uma grande história
Quando a Telltale trouxe um dos maiores personagens das histórias em quadrinhos de todos os tempos para o seu jeito de fazer jogos, houve uma certa desconfiança de como isso poderia funcionar, principalmente porque a primeira temporada de Batman: The Telltale Series veio pouco tempo depois de Batman: Arkham Knight, fechamento primoroso da franquia encabeçada pela Rocksteady e que, para muitos, é inegavelmente a melhor linha de games com super-heróis de todos os tempos.
A empreitada se provou e, como você pode conferir aqui conosco e in loco, é uma aventura bastante divertida e com uma abordagem diferente, valorizando não só as peripécias do homem-morcego como também as relações intrincadas de sua contra-parte sem máscara, Bruce Wayne. Apresentou assim uma narrativa equilibrada, com uma trama bem costurada — ainda que não seja exatamente complexa — e com um visual que agrada bastante os fãs mais ávidos das HQs da DC Comics.
Não demorou (mesmo!) para a Telltale soltar uma segunda temporada do game, intitulada em inglês de The Enemy Within (que felizmente não foi traduzido como O Inimigo Dentro como estava na PSN na época de pré-venda). Temos então Batman: The Telltale Series – O Inimigo Interno. Nessa nova jornada, algumas pontas que se abriram na anterior devem ser retomadas, até porque o jogo promete trazer a tona o maior inimigo do morcegão.
Retomando a história
Depois de passar por uma verdadeira prova de fogo, Batman já é uma celebridade em Gotham City e colabora de forma oficial com a polícia, chefiada pelo recém promovido a comissário James Gordon. Se na primeira temporada tínhamos o protagonista em início de carreira, ainda não tão experiente, descobrindo que a sua família não era exatamente o melhor exemplo de conduta ética e tendo que lidar com amigos se tornando inimigos, a segunda temporada irá colocar a prova todo esse prestígio recém adquirido.
Em meio a uma investigação de rotina, o nosso herói tem seu primeiro encontro com um de seus mais icônicos antagonistas, o Charada, algo já bastante esperado não só pela campanha de divulgação do game como também pelo próprio nome do episódio — O Enigma. Diferente de outras abordagens, aqui ele é bem mais velho que o Batman e já era bastante conhecido antes mesmo das primeiras aventuras do herói. Desta forma, esse cânone estabelece que nem todo vilão mascarado é cria do próprio homem-morcego.
Além de bastante inteligente e sagaz, o Charada é ainda um bom desafio físico e, logo na cena de abertura do jogo, se mostra de fato ameaçador e um inimigo a altura. Ao longo da jornada, acaba ficando claro que a temporada apresentará outros adversários e que o grande vilão está se construindo aos poucos de uma forma muito interessante. Quem jogou a primeira temporada ou viu todos os vídeos dessa segunda sabe bem de quem estou falando, mas paro por aqui para não entregar possíveis spoilers dos próximos episódios.
Interessante ver que a Telltale continua se mantendo bastante fiel à proposta de continuar investindo na construção das duas facetas do herói — seja com o próprio Batman espancando capangas pela cidade, seja com Bruce Wayne e as complicadas relações de poder com personalidades da cidade, incluindo Amanda Waller, que vem ganhado notoriedade nos últimos anos aparecendo nos cinemas e na TV, personagem que já era bastante conhecida pelos leitores de longa data. A adição dela ao elenco pode trazer coisas ótimas pra franquia.
Fica claro também que não há nenhuma intenção de inovação narrativa nessa nova jornada. Quem já jogou um (ou todos) os games da desenvolvedora sabe exatamente como se comportar e o que esperar. Há um detalhe aqui e outro ali, como mensagens que deixam mais explícito o momento em que as escolhas do jogador afetam a relação entre os protagonistas, mas nada que realmente mude muito do que já conhecemos — e amamos ou odiamos — das produções da Telltale: uma boa trama, opções de caminho e de diálogos, e muita informação.
Audiovisual
Em termos gráficos, o jogo segue o ótimo padrão estabelecido na temporada anterior, misturando um belíssimo cel shading que flerta com o realismo ao mesmo tempo que se mantém fiel a uma estética dos quadrinhos. Há uma série de detalhes e efeitos de luz que valorizam o trabalho, e os movimentos e expressões parecem um pouco mais fluidos do que games anteriores da desenvolvedora. Não percebi os engasgos gráficos que sempre foram frequentes, sinal que o motor tem melhorado em performance.
Também é bastante saudável não haver problemas de frases não traduzidas na versão localizada para o português brasileiro, ainda que haja aqui e ali alguns deslizes de gênero na versão tupiniquim, algo comum em textos traduzidos fora do contexto e/ou sem uma revisão adequada. Ainda assim, incomoda muito menos que frases inteiras de uma conversa em idiomas distintos. O cuidado, contudo, não foi o mesmo com textos dentro do jogo, como inventário ou o codex, com informações de personagens e lugares. Uma pena, mas algo menor que pouco atrapalha.
Já a dublagem continua bastante competente, inclusive dos personagens secundários. É um trabalho bastante imersivo de interpretação. Em um ou outro diálogo, parece faltar um pouco mais de emoção, mas como um todo, funciona muito bem. Os efeitos sonoros também estão bastante competentes, tendo destaque em várias passagens onde a ambientação é também elevada ao primeiro plano e a trilha musical segue uma linha segura de abordagem para com o universo.
Vai assistindo e vai jogando
Não é surpresa nenhuma que não há uma mecânica refinada de gameplay em um jogo da Telltale, que sempre preza muito mais pela narrativa rizomática e pela construção das relações. Há escolhas relevantes para se estabelecer a personalidade tanto do Batman como de Bruce Wayne e outras que dão direções distintas para como alguns problemas serão resolvidos. Nada de exatamente novo.
O que vale a pena, nesse sentido, é uma melhora nas passagens de investigação da trama, onde além de explorar e analisar dados e pistas, é necessário criar vínculos entre diferentes elementos para solucionar pequenos puzzles. Não é nada de muito complexo e não vai exigir demais do raciocínio do jogador, mas funciona muito melhor do que interagir de forma simplória com algo para a história seguir adiante. Além disso, o próprio Charada adiciona um elemento a mais de enigmas a serem resolvidos que não são tão óbvios assim.
No mais, o sistema de combate é raso, mas consistente. Há uma série de combinações entre botões de ação e direções para os movimentos rápidos e, em alguns casos, é possível escolher entre um golpe ou outro, que na prática tem o mesmo efeito — derrubar um adversário, por exemplo — mas tem um impacto visual que instiga a querer saber como seria a ação com a outra escolha. Interações e decisões cosméticas que funcionam para a proposta do jogo, mas ainda muito simples para quem espera mais de um sistema de combate.
Conclusão
O Enigma é somente o primeiro de cinco episódios desta temporada e não dá pra avaliar exatamente quais são as implicações narrativas do game. Ainda que tenha algumas escolhas difíceis de se fazer — daquelas que você sabe que não tem a melhor ou pior — os caminhos não variam tanto assim, até para garantir uma estabilidade para os próximos episódios. Contudo, o gancho que o final do episódio deixa mostra que haverá momentos complicados para o protagonista no desenrolar da trama, tendo que se equilibrar entre uma e outra máscaras — a do vigilante e a do playboy.
Visualmente o jogo é consistente e parece mais estável, além de ser muito agradável e um deleite para fãs de uma estética cartoon clássica de quadrinhos norte-americanos. O sistema de combate funciona em sua proposta e há momentos interessantes em termos de exploração e resolução de pequenos puzzles. Nada tão inovador, mas sempre bem-vindo quando feito de forma adequada.
Portanto, enquanto conjunto da obra, o primeiro episódio agrada e traz consigo a promessa de crescimento para os próximos capítulos. Fica a expectativa da construção bastante gradual do vilão verdadeiro da trama e de como esse equilíbrio entre as duas facetas do protagonista vão interferir nos eventos que se seguirão. Gotham, enquanto personagem vivo na primeira temporada, não brilhou tanto quanto poderia, mas a construção dos personagens de apoio se mostra um grande acerto da trama. Vejamos o que vem adiante.
Batman: The Telltale Series – O Inimigo Interno está disponível para Playstation 4, XBox One, PC e dispositivos mobile iOS e Android.