Análise Arkade: Batman: The Telltale Series (Ep.2) – Filhos de Arkham
Em muitas oportunidades, jogos com grande foco na narrativa e nas tomadas de decisão por parte do jogador — incluindo a grande maioria das produções da Telltale — passam uma certa sensação de estarem nos enganando. Em vários momentos onde nos são dadas opções de caminhos, basta uma rápida reflexão para sentirmos que ou nossa escolha não muda nada na prática ou que somos conduzidos a fazer as decisões que servem melhor a narrativa. Ou seja, nos dois casos, a falsa ideia de poder de decisão acaba frustrando e quebrando com a própria imersão narrativa.
A boa notícia, porém, é que mesmo isso sendo uma estratégia bastante conhecida de um bom game design — a de fazer com o que o jogador acredite piamente que está decidindo sobre algo que na verdade está muito bem definido a priori — há formas boas disso acontecer e outras nem tanto. No caso desse segundo episódio de Batman – The Telltale Series intitulado Filhos de Arkham (ou Children of Arkham no original), tudo é feito de um jeito muito interessante e que de fato faz com que o jogador se sinta relevante para o andamento da história.
Audiovisual e jogabilidade
Não vamos nos deter aqui nesses dois aspectos de forma mais aprofundada já que o fizemos na análise do primeiro episódio que pode ser lida aqui. O importante a se destacar de especial neste segundo episódio é que as habilidades investigativas que se mostraram um grande acerto da desenvolvedora em comparação com suas produções anteriores e a criação de relacionamentos entre objetos, personagens e ambiente estão presentes nesse episódio, mas em menor escala. Aqui, há muito mais foco no combate e nos comandos de agilidade.
O visual continua sendo um ponto alto da produção, ainda que aquelas engasgadas de frações de segundo entre cenas ou mesmo dentro da mesma sequência acabem parecendo algo estranho demais para um jogo que, a princípio, deveria exigir menos do processamento gráfico desta geração. O problema piora muito quando se mantém ligada a opção de participação externa na tomada de decisões, uma ideia que a princípio parecia interessante mas que no final não soma muito a experiência do jogo e que mais atrapalha do que ajuda.
Ambientes variados dão o tom estético. Passamos por locais muito distintos entre si, passeando pelas diferentes faces de Gotham, e o aspeto cinza de tantas outras produções aqui é deixada de lado. Há cor na cidade, ainda que tudo pareça um tanto quanto melancólico demais pelo próprio pessimismo que tende a permear o comportamento das pessoas. Aquela sensação opressora desta cidade, um personagem vivo nas histórias do morcego, está lá, mas nos é mostrada de uma forma diferente do que vemos no cinema e na televisão.
Ao mesmo tempo, alguns aspectos mais sofisticados começam a se destacar, como uma ótima geração de partículas, tal como fumaça e fogo, por exemplo, ou na iluminação dinâmica e que ao mesmo tempo que carrega sutilezas consegue criar sensações pouco vistas mesmo no episódio anterior. Junta-se a isso um sistema preciso de QTEs em passagens de combate muito bem articuladas e o pacote consegue agradar mesmo aqueles que olharam um pouco torto para o visual e a ação das versões Telltale de Game of Thrones ou The Walking Dead.
A história esquenta!
Como não poderia ser diferente, essa produção tem um solidez narrativa bastante satisfatória. Conseguir transitar entre a atuação política de Bruce Wayne e a ação mais incisiva de Batman, como já destacamos quando tratamos do episódio de estreia do jogo. É o que de mais revigorante há nessa produção, talvez seu maior e melhor motivo para existir dentre a grande saturação do personagem nas mais diferentes mídias atualmente. E aqui, essa ambivalência do personagem é ainda mais explorada.
Isso pode ser visto em diferentes momentos, mas certamente a passagem que mais represente isso é quando é possível escolher entre abordar o prefeito na forma de um ou de outro, algo que irá gerar resultados diferentes para a trama e que, esta escolha sim, passa uma sensação mais lúcida de poder de decisão do jogador. É aqui que se percebe a diferença de abordagem de um ou de outro, como dois personagens diferentes, ou melhor, dois lados distintos de uma mesma pessoa perturbada.
Esse estado mental do protagonista ganha novas dimensões quando a trama nos leva cada vez mais ao fundo do passado da família Wayne. Enquanto o primeiro episódio joga uma tal pulga atrás da orelha de Bruce e do próprio jogador quanto às ações e relações entre seus pais e o crime organizado da cidade, o segundo acaba solidificando cada vez mais essa percepção meio esquizofrênica de que o Batman teve como ponto de origem o assassinato de seus pais e a visão do jovem Bruce de caçar os bandidos tais quais aquele que lhe causou tamanho trauma.
Descobrir que seus pais faziam parte dos esquemas corruptos que lhe motivaram a abrir mão de tudo em busca de justiça é algo que tem potencial de lhe transtornar ainda mais. Com os desdobramentos de suas relações com Alfred, Selina, Gordon, Falcone e, principalmente Dent e Cobblepot a partir dos eventos apresentados nesses dois episódios, esse conflito interno tende a ganhar novos contornos. O que acontece quando tudo o que dá segurança ao Batman e seu alter-ego começa a desmoronar diante dos seus olhos?
Escolhas como essa de qual persona adotar, ou outras anteriores como a forma como se vai interrogar um dos personagens logo no princípio, ajudam o jogador a, inclusive, encontrar espaço para moldar a personalidade, ou ao menos algumas nuances dela, de um ícone já tão estabelecido. Bruce pode ser cruel, Batman pode ser compassivo, ambos podem se aproximar da lei ou se afastar cada vez mais dela. Podem ser mais manipuladores ou atuar mais nas sombras. O jogador pode ser Batman enquanto Bruce e Bruce enquanto Batman.
A sequência final é, nesse sentido, um grande deleite para premiar os jogadores. Tem ali um fechamento de arco digno das narrativas seriadas que entregam um episódio fechado em si e que ao mesmo tempo instiga para o próximo e soma a trama mais ampla. Não entregaremos o spoiler completo no texto, mas se quiser ver por si mesmo, o vídeo abaixo trata exatamente dessa passagem:
Aqui o jogo oferece uma última escolha que pode – e deve – definir o futuro do homem-morcego e de seus aliados e inimigos para sempre, algo ousado quando se trata de estabelecer uma nova origem para personagens tão consagrados. Mais do que tudo isso, oferece a chance de o jogador fechar o capítulo com aquela sensação de “será que fiz a escolha certa?”, que nos remete ao dilema da escolha tratada no início dessa análise. Quando isso acontece, a tal narrativa interativa cumpriu seu papel.
Conclusão
Batman: The Telltale Series tem se mostrado um grande acerto da produtora que, junto com a Warner e a DC decidiram trazer esse universo novamente para os games com o risco evidente da comparação direta com a sub-franquia Arkham que ainda está bem recente na memória dos fãs. Essa passagem cativa, motiva, engaja, e nos apresenta uma nova dimensão do bordão que poderia muito bem emprestar das produções da Rocksteady: Seja o Batman! E, aproveitando a oportunidade, seja o Bruce Wayne também. E se divirta sendo ambos.
Para não parecer que só há elogios para a produção, além dos pequenos probleminhas de truncagem visual, o que decepciona um pouquinho é a curta duração do episódio, que não passa de uma hora e meia, o que fica abaixo não só do primeiro episódio como também da média da Telltale, o que tem um efeito de ser rápido demais e, para quem compra episódios separadamente, pode trazer uma sensação de que faltou conteúdo para justificar um investimento direto. Contudo, quando o ponto negativo é a sensação de “quero mais”, não chega a ser tão ruim assim, né?
Batman: The Telltale Series – Children of Arkham já está disponível para Playstation 4, XBox One, PCs e dispositivos móveis Android e iOS e, como o episódio anterior, se encontra localizado para o português nas legendas, mantendo sua dublagem original em inglês.