Análise Arkade: Batman: The Telltale Series (Ep.3) – Nova Ordem Mundial
Não há dúvidas de que o trabalho realizado nos dois primeiro episódios de Batman: The Telltale Series carregava em si qualidades até então pouco ou nada vistas no universo dos videogames e até mesmo em outras mídias audiovisuais. Se Reino das Sombras conseguiu estabelecer uma dinâmica entre as duas faces do personagem — ora como o milionário playboy Bruce Wayne, ora como o vigilante mascarado — e uma trama que valorizava a personificação de ambas as facetas, Filhos de Arkham teve o objetivo de dar consistência não só a essa dupla atuação, como também para as decisões a serem tomadas.
Agora, Nova Ordem Mundial (New World Order, no original em inglês) traz consigo o peso das consequências de cada uma dessas decisões e, de quebra, ainda revela o verdadeiro oponente da trama.
O terceiro episódio (de um total de cinco) dessa aventura contada ao modo Telltale chega a um ponto fundamental da história, que é o momento onde as diferentes linhas narrativas começam a convergir e a se tornaram mais graves de modo a cada vez mais fugir de um pretenso controle. Enquanto ainda lida com as consequências do final do episódio anterior e vê o surgimento de um dos seus mais icônicos antagonistas, Batman também descobre que a verdadeira ameaça é ainda maior.
Ao mesmo tempo, na pele de Bruce Wayne, vemos tudo a sua volta desmoronar de forma assustadoramente orquestrada. Sua família, sua empresa, seus antigos amigos, tudo parece estar escorregando por entre seus dedos. Para contrabalancear, novas relações vão se costurando, e o playboy precisa, durante todo o episódio, se reinventar e sair de sua zona de conforto. Precisa abrir mão de suas fortalezas — das físicas e das psicológicas — se quiser sobreviver em meio a uma onda de mentiras e trapaças.
Desta forma, o arco narrativo que antes parecia disperso e um tanto quanto polarizado começa a fazer sentido dentro de um verdadeiro jogo de poder — nada mais icônico, portanto, o destaque dado ao tabuleiro de xadrez — onde nem Bruce nem Batman parecem saber direito ainda quais papéis estão desempenhando. As nuances que foram muito bem desenhadas nos episódios anteriores entre as duas personalidades do mesmo sujeito começam a perder a nitidez. Ser um e ser outro já não parece tão claro assim.
Tudo começa a ficar mais claro, felizmente, já a partir da metade do episódio. Harvey Dent já não esconde mais as características que farão dele o Duas-Caras e a condução desse processo de transição é muito bem articulada dentro da história, com o personagem passando pelas próprias provações diante a tudo o que lhe acontece. Selina, ainda que garanta altas doses do mistério que lhe são muito característicos, também ganha contornos de profundidade narrativa que deixam sua participação em evidência.
Quem perde um pouco de espaço nesse momento é o núcleo da lei, digamos assim. Ainda que Montoya tenha uma boa participação logo no princípio (e que pode ser maior ou menor dependendo de certas escolhas do jogador), Gordon fica aqui relegado a um breve momento de apresentação de um dos objetos mais icônico da história dos quadrinhos e das histórias de super-heróis. Lucius Fox, Vicky Vale, Oswald Cobblepot também tem boas participações, enquanto Alfred é mais discreto, como não deveria deixar de ser.
O sistema de combate, por sua vez, não muda tanto e se mantém sólido e bastante coerente com o modo Telltale de trabalhar com QTEs criativos e bem coreografados. O fator investigativo aqui se faz presente e se apropria bem da possibilidade de se criar relações entre diferentes pontos de foco. A valorização do Batman investigador continua sendo um dos maiores acertos da Telltale nesse projeto.
Pode-se destacar ainda a bela direção de arte do episódio, capaz de mostrar as dimensões do império Wayne em Gotham, ainda que o setor de tecnologias aplicadas pareça mais uma garagem americana com tecnologia avançada. Levar a narrativa para novos ambientes que fogem da dinâmica tradicional “Mansão Wayne – Batcaverna – Ruas de Gotham“ cria uma relação ainda mais próxima do jogador para com o universo daquela grande e caótica cidade.
Tudo isso encaminha a história para um lugar muito interessante e que consegue trazer incertezas ao jogador em termos de como tudo irá acabar. É realmente um novo mundo, onde Bruce não é mais o queridinho de Gotham e os Wayne não são o oásis de bondade e honestidade, onde o Batman sabe menos do que deveria, onde as dicotomias maniqueístas não são mais tão simples e sedimentadas.
Conclusão
Batman: The Telltale Series – Nova Ordem Mundial consegue dar um passo adiante não só em termos narrativos, como também da própria experiência interativa proposta pela Telltale. Os encaminhamentos das diferentes linhas narrativas, o amadurecimento da dualidade Bruce/Batman e o verdadeiro peso das consequências das escolhas mais difíceis de serem tomadas mostram um história consistente e bem amarrada, capaz de contar sua própria versão de como se dá a origem de alguns dos personagens — inimigos ou aliados — e que, em muitos aspectos, é melhor do que as contadas tantas outras vezes nos quadrinhos, na televisão ou no cinema.
Para não dizer que são só elogios, as decisões principais desse episódio parecem as que menos oferecem dúvidas reais de como agir. Sintoma disso é ver que todas elas, ao final, tem mais de 70% para uma das escolhas, o que mostra que a função de criar caminhos diferentes e com o mesmo grau de interesse não foi tão bem sucedido assim nesse episódio. Aguardemos, portanto, o próximo episódio, que deve já encaminhar a conclusão dessa história original.
Batman: The Telltale Series está disponível para Playstation 4, Xbox One e PCs, além de ter versões para Android e iOS. O terceiro episódio, Nova Ordem Mundial, está disponível desde o dia 25 de outubro de 2016 já com legendas devidamente (e com poucos erros) localizadas para o português. Ainda sofre com problemas — um tanto quanto inexplicáveis — de desempenho, mas mantém o alto padrão estabelecido e suas duas horas de duração sempre dão a sensação de que passam rápido demais.
