Análise Arkade: Batman: The Telltale Series (Ep.5) – Cidade de Luz
E finalmente chegamos ao desfecho da mais nova incursão do homem-morcego no universo dos jogos. Se havia uma dúvida sobre o que a Telltale poderia adicionar ao mundo de Gotham e sua coleção de pessoas perturbadas, essa dúvida foi se dissolvendo ao longo desses cinco episódios e que vê em Cidade de Luz o seu derradeiro desfecho. Agora sim é possível ter uma visão do todo. É possível, portanto, entender Batman: The Telltale Series como um jogo por completo.
Ao longo da temporada, foi possível acompanhar uma trama original, ainda que beba em diferentes momentos da carreira de Batman sobretudo nos quadrinhos, que valorizou a vida de Bruce Wayne tanto quanto a sua contraparte vigilante. Como já se podia imaginar, a Telltale investiu bastante em uma trama intrincada, que não só fez uma releitura do primeiro encontro do cavaleiro das trevas com alguns de seus mais icônicos inimigos como também colocou em xeque algumas certezas estabelecidas, como a índole da família Wayne.
Enquanto o primeiro e o segundo episódios se preocuparam em construir o cenário de intrigas políticas e decisões difíceis para o jogador, o terceiro episódio se permitiu explorar uma gama enorme de eventos impactantes. Até então, a desenvolvedora conseguira encontrar um bom equilíbrio entre o controle da narrativa e as possibilidades de escolha do jogador que realmente se mostram significativas.
O quarto episódio baixou um pouco a adrenalina, preferindo se aprofundar em algumas das tramas paralelas apresentadas e preparando o terreno para um final arrebatador. Também se concentrou em apresentar um personagem já bastante conhecido, mas quase que irrelevante para a história contada aqui. O quinto episódio, contudo, do qual se esperava o clímax narrativo, infelizmente mostrou que faltou tempo para fechar todas as pontas soltas, ainda que o tenha feito de forma bastante satisfatória.
Portanto, Cidade de Luz não é ruim, longe disso. Mostra uma qualidade pouco vista em qualquer seguimento da indústria no que tange uma história bem contada e mais uma vez prova que a Telltale sabe lidar com narrativas seriadas como poucos nesse campo dos jogos. Mas a sensação que fica é que faltou equilíbrio em termos de tempo para conseguir tratar cada personagem da forma como merecia, visto que as implicações dramáticas do passado de alguns deles, inclusive os principais, ficam devendo no final.
A sensação do jogador em estar realmente criando o seu próprio caminho e estabelecendo a personalidade de ambas as facetas do protagonista é, todavia, um grande acerto do jogo. De fato, tudo parece ter suas consequências e poucas são as vezes onde as coisas que acontecem soam gratuitas ou diferentes daquilo que se escolheu, algo que chegou a ficar incômodo em jogos anteriores da Telltale. Aqui, tudo é, de fato, significativo.
A tentativa de se criar um mistério em cima da grande antagonista da história, cuja revelação da identidade se deu no final do terceiro ato e só apareceu no quarto indiretamente nas investigações do homem-morcego acabou por tirando um pouco da sua importância para a história. Quando ela aparece aqui, já parece ter perdido o peso e a gravidade. Algo diferente de Oswald Cobblepot, que foi melhor trabalhado pela trama, ainda que seu desfecho aqui seja aquém das capacidades estratégicas que ele mostrou nos episódios anteriores.
Ao mesmo tempo, essa construção de cada personagem – dos conhecidos aos originais – permite ao jogador uma avaliação mais limpa e menos afetada pelo que já sabemos sobre eles. Isso mostra o maior acerto em trazer a Lady Arkham para os holofotes nesse jogo: nosso julgamento das melhores escolhas a serem feitas vai, aos poucos, se desvinculando da nossa bagagem contaminada de tantas outras mídias e histórias já contadas. No último episódio, fica realmente difícil definir o que fazer e o que esperar dessa decisão.
Outra personagem que acabou se apagando durante a trajetória foi Selina Kyle, que nos três primeiros episódios era parte central do desenrolar dos fatos e que de repente acaba perdendo espaço até quase sumir nos episódios finais. Uma pena, já que tinha assumido um papel importante na estrutura ao ser a confidente de Bruce e que, ao mesmo tempo, poderia estar no centro da ação sem ser só uma ajudante, como são Alfred e Lucius. Ainda assim, o diálogo entre ambos nesse episódio foi interessante ao apresentar um aspecto de sua personalidade que poderá voltar em uma provável segunda temporada.
Tudo isso faz desse episódio, que sofre do mesmo mal dos anteriores ao parecer curto demais para a quantidade de coisas a serem resolvidas (e pelo preço), algo que deixa um sabor agridoce ao paladar do jogador. De certa forma, tudo é respondido, mas sem o peso que se esperava depois de uma construção bem costurada. É o efeito season finale de muitas séries, onde a trama parece maior do que o desfecho apresentado.
De qualquer modo, o episódio entrega combates interessantes e muito acima da média para um jogo da Telltale, e uma variedade de cenários muito bem vinda. Gotham, como dito antes, nunca foi tão viva, tão solar, e, ao mesmo tempo, continua sendo aquele lugar onde tudo parece estar estruturalmente podre e quase incurável. Bruce e Batman nada mais são do que parte desse lugar doente, que sempre remetem a pergunta: seriam eles os responsáveis pelas aberrações que combatem?
Temos, deste modo, a conclusão da linha principal da trama, quem são os famigerados Filhos de Arkham, incluindo Lady Arkham e suas motivações para buscar, como sempre, trazer o caos à cidade. Nesse ínterim, Bruce Wayne tem como maior desafio superar os traumas e segredos do passado de sua família e compreender seu verdadeiro lugar nesse mundo. Ainda que a narrativa tenha abandonado o peso das ações da família Wayne no passado, o questionamento de Bruce sobre quem ele é e o seu papel na sociedade ajudam a moldar o grande herói que ele está se tornando.
Quando a antagonista, se a personagem não entra para a galeria de vilões memoráveis do morcego, cumpre bem o seu papel de possibilitar que ele se estabeleça de forma sólida para os maiores desafios que são prometidos para o futuro da franquia. A reviravolta em seu passado mostrada nesse episódio lhe confere uma carga emocional interessante e mexe com um tema ainda bastante denso, principalmente para ser tratado com tão pouco tempo.
A série ainda evidenciou um problema sério a ser resolvido pela Telltale: o motor definido para os jogos da desenvolvedora não só dá mostras de estar superado em termos estéticos, de movimentação e de controle, como também não suporta mais o que se espera de um jogo para esta geração. Não são raros os momentos onde tudo fica meio atravancado, com loadings longos e estranhos, e como engasgos frequentes, inclusive em momentos onde a precisão de comandos é importante. Na versão testada, houve travamentos 3 vezes, algo bem preocupante para uma experiência de menos de 2 horas.
Soma-se a isso os problemas de cuidado com a versão localizada, que mais uma vez apresenta traduções preguiçosas, trechos inteiros de diálogo sem a tradução e mesmo escolhas importantes no idioma original. Foi possível encontrar até mesmo erros gramaticais. É certo que é um trabalho imenso para que cada episódio seja lançado simultaneamente para diferentes regiões e plataformas, mas é muito melhor demorar um pouco mais entre um episódio e outro do que lançar algo inacabado e com cara de desleixo.
Apesar de todos os senões, não há dúvidas que o jogo eleva o nível gráfico da desenvolvedora, com um estilo artístico que ao mesmo tempo que dialoga com as produções anteriores, mostra algo novo, com um traço mais bruto, cenários muito bem trabalhados e efeitos de iluminação surpreendentes. Como dito em outras oportunidades, Gotham é co-protagonista de toda história do Batman e precisa ser mais do que só um plano de fundo. E felizmente, aqui recebe um tratamento muito digno.
Conclusão
Batman: The Telltale Series – Cidade de Luz é a conclusão satisfatória de uma das melhores histórias do Batman já contadas em uma mídia audiovisual. Se não tem o mesmo impacto da franquia Arkham, da Rocksteady, consegue trazer algo de muito revigorante ao personagem, já tão batido e reconhecido nos últimos anos.
Como parte individual, acaba mostrando uma certa falta de fôlego para cumprir aquilo que a primeira metade da temporada preparou, principalmente em termos políticos e de relacionamentos complexos entre os diferentes personagens e as consequências de suas escolhas, mas consegue entregar de forma convincente as respostas para as perguntas levantadas. poderia ser maior e melhor estruturado, mas não perde o brilho por isso. Entrega ótimas situações e diálogos, cenas de ação acima da média e escolhas difíceis de se fazer.
Se compreendermos o jogo como um todo, é uma ótima incursão da Telltale nesse universo e uma promessa de que há coisas ótimas por vir, seja na segunda temporada de Batman, no já anunciado Guardiões da Galáxia, ou em qualquer outro projeto futuro. Ela precisa rever urgentemente as questões técnicas e talvez desacelerar um pouco para não se atropelar, mas não dá pra negar que está construindo a história dos jogos eletrônicos com sua forma peculiar de nos fazer refletir sobre o que, de fato, é um jogo.
Batman: The Telltale Series está disponível para Playstation 4, Playstation 3, Playstation Vita, XBox One, XBox 360, PCs, Android e iOS. Está localizado, em forma de legendas, para o português brasileiro, ainda que apresente problemas com isso, que certamente estarão corrigidos em patches futuros (algo que não aconteceu na atualização lançada até a publicação dessa análise).