Análise Arkade: restaure a voz do mundo no “Dark Souls brasileiro” Blade & Bones
Talvez você nunca tenha jogado Dark Souls, mas com certeza já ouviu o termo “Souls-like” sendo falado aqui e ali ao se definir um game, como o recente Nioh e outros como Lords of the Fallen e The Surge. E agora um título brasileiro chegou para fazer parte desse novo “sub-gênero” que tem se popularizado cada vez mais: Blade & Bones, da Coffee Addict Studio. Mas será que o game mandou bem? Venha com a gente conferir sua análise completa!
O deus raivoso e o herói cuja voz foi arrancada
Blade & Bones conta a história do deus Niro e da raça dos Orins. Niro é o deus que criou o mundo do game e que com suas lágrimas criou os Orins, serem idênticos a ele. Porém a criação se voltou contra seu criador, e criou sete espadas mágicas para confrontá-lo. Cego de fúria, Niro lançou uma maldição sobre os Orins, arrancando suas vozes, o que matou muitos no processo. E assim, o deus deixou uma profecia: Aquele que quiser reverter o que aconteceu pode tentar, mas para isso, deverá coletar as sete espadas lendárias e encará-lo frente a frente.
E assim, assumimos o controle de um dos Orins, aprisionado em uma sala escura, e um dos últimos de sua espécie a querer colocar fim na maldição. A jornada então começa com nosso personagem sozinho em um mundo aberto, com a missão de encontrar e coletar essas espadas sagradas para poder então libertar sua espécie.
Um pequeno mundo aberto
Blade & Bones entrega um mundo aberto logo de cara para o jogador. É um mundo pequeno, mas ainda assim vasto. Dividido em diferentes regiões com visuais completamente diferentes um do outro. Você pode ir pra qualquer lugar que quiser e explorar livremente, mas alguns eventos no game acontecem em horas específicas.
O game possui um total de cinco pontos de save, que ficam de frente para gigantescas mãos de pedra com uma plataforma de controle de tempo com dois botões, um para avançar, e outro para retroceder o tempo. O tempo no game vai além do dia e noite, pois existem três tipos de noites diferentes, definidos pela lua que brilha no céu. Existem três luas no game, azul, verde e vermelha, e certos eventos só ocorrem com a lua correta, como power ups só disponíveis em determinada lua e etc.
Para conseguir se guiar por esse mundo, o jogador inicia o game com uma relíquia que indica a direção de cada uma das sete espadas. Basta que o jogador escolha uma direção e siga adiante até o local onde está a espada, alguns sendo necessário cumprir certos requisitos ou estar na hora certa do dia. E ao longo do game, outras relíquias podem ser encontradas, com efeitos diferentes que ajudam bastante durante o game.
Combate problemático e outros problemas
Infelizmente, apesar da premissa interessante do game, ele acaba não fazendo jus em seu gameplay, que possuem muitos erros que não deveriam estar presentes. Sendo um game que é abertamente inspirado em Dark Souls, o principal ponto do game seria o combate, dessa forma, esse seria o ponto mais bem trabalhado no game, mas infelizmente o game sofre com muitos problemas, justamente aqui.
Uma das premissas do game, comparável inclusive a Nioh, são os estilos de luta. Ao se enfrentar guerreiros de pedra, o jogador coleta pergaminhos com novos estilos de luta, cada um com suas próprias características, sendo um mais rápido, outro mais forte e por aí vai. Mas na prática, o combate do game é muito lento, e muito travado. Por exemplo ao tentar realizar combos. Seu personagem simplesmente não encaixa golpes com naturalidade, ficando travado na posição final do golpe por muito tempo até que seja “libertado” e possa ser controlado de novo. E muitas vezes seus ataques atravessam os inimigos sem causar dano algum.
O combate de Blade & Bones é quase o mesmo de Dark Souls, até no layout dos controles. Temos ataque fraco e forte, rolamento para desviar ataques e trava de mira. Não é possível trocar de armas e relíquias durante o combate, apenas alternar entre dois estilos equipados. Para trocar espadas e relíquias, é preciso usar o comando de meditar, quando estiver fora de combate. Todas as espadas do game possuem durabilidade, se uma espada se quebra, ela desaparece de seu inventário e a próxima espada da lista ocupa seu lugar durante a luta.
A rolagem funciona de forma bem problemática. Ela só é eficiente para se rolar pra frente, sendo rápida e cobrindo uma longa distância. Mas rolar para os lados ou para trás é extremamente lento e curto. E pior, graças ao travamento do personagem durante ataques, é muito difícil conseguir atacar e se esquivar logo em seguida. Pois vai da boa vontade do game travar ou não seu personagem, mesmo que ele tenha estamina o bastante para rolar após um ataque. Sem contar é claro que, apesar de seus ataques muitas vezes atravessarem os inimigos sem dano, os ataques inimigos sempre o acertarão se você estiver em seu alcance.
O game não possui defesa, o que faz muita falta. O que substitui é um sistema de defletir golpes, que ocorre quando duas espadas se chocam ao mesmo tempo, mas isso é raríssimo de acontecer, afinal o combate é muito lento, então é impossível ter tempo de resposta suficiente para atacar na hora certa e se defender. A verdade é, defletir golpes é uma ação da IA do jogo em resposta a seu ataque, não o contrário. Ou melhor dizendo, é um evento ocasional de os dois personagens atacarem ao mesmo tempo.
Criativas batalhas contra chefes, porém burláveis
As batalhas contra os bosses são criativas em sua maioria, porém acabam sofrendo por ser possível burlar a estratégia por completo. Por exemplo, imagine Shadow of the Colossus, cada boss tem uma forma de ser derrotado, que envolve que jogador descubra a estratégia correta e a execute. Mas imagine que fosse possível matar qualquer boss do game simplesmente usando o arco de longe. Aqui acontece isso.
Alguns bosses foram claramente construídos para explorarmos suas fraquezas em velocidade. Ele ataca e fica imóvel por poucos segundos abrindo uma oportunidade ao jogador. Porém quando você se aproxima, o boss se recupera automaticamente, e vai te acertar qualquer golpe que ele usar enquanto você estiver em seu alcance, não importando se você tente se esquivar. Dessa forma, muitas vezes a melhor estratégia é simplesmente ficar andando a média distância e atacando usando a relíquia revolver. Como o nome já diz, é um revolver, porém de tiro único e alto tempo de recarga para ser usado novamente. É possível simplesmente ficar circulando a arena de combate, e ir dando tiros quando a relíquia recarregar, burlando assim todo o sistema de batalha desenvolvido para aquele boss.
De maneira similar, também chega a ser mais vantajoso fugir dos inimigos comuns do game do que enfrentá-los. Não há vantagem real que incentive o jogador a enfrentar os inimigos comuns, que basicamente se resumem a Orins hostis e outros tipos de inimigos exclusivos de cada área do game. Inimigos mortos dropam itens de reparo de espadas e raramente espadas novas, o problema é, você gasta a durabilidade de sua espada para coletar itens que consertam espadas, acaba não sendo muito vantajoso no fim das contas, pois basta lutar apenas contra os bosses e você conserva suas melhores espadas.
Gameplay e um quase permadeath
Como já foi dito, o gameplay de Blade & Bones é altamente inspirado em Dark Souls, porém não funcional. Mas ainda há outros pontos a serem comentados. Um deles é o fato que não existir level up no game, uma decisão ao mesmo tempo criativa e perigosa. Seu personagem possui uma barra de vida e estamina padrões desde o início, a estamina pode ser aumentada coletando certos itens, mas só fui capaz de encontrar um em todo o game. Mas ambas as barras, bem como os stats de seu personagem são melhorados de outra maneira.
Para melhorar seu personagem, são necessários Kuros. Eles são como “bênçãos” coletadas em certos altares e com alguns personagens. Cada Kuro possui uma “build” própria, aumentando e diminuindo atributos, bem como barra de vida, estamina e a aparência de seu personagem. Um dos Kuros, por exemplo, torna o braço direito de seu personagem em pedra. Assim, ele se torna mais forte e com mais vida, porém mais pesado e lento. Outro dá leveza ao personagem, permitindo-o pular bem alto, porém causando menos dano com ataques. E por aí vai. Os Kuros fazem toda a diferença nas batalhas contra chefes. Muitas vezes trocar um Kuro para uma batalha muda tudo, inclusive deixando batalhas difíceis em fáceis.
O game possui uma ideia bem interessante, mas que acabou não funcionando de maneira adequada, o sistema de Purity. Seu personagem possui um contador de Purity, que são um total de nove orbes azuis em sua barra de vida. As Purity representam as vidas do personagem, sendo assim, o jogador tem apenas nove vidas totais. A ideia é que, caso o jogador perca suas nove Puritys, o save será apagado permanentemente, obrigando o jogador a recomeçar tudo de novo.
É uma ideia bem interessante, mas que infelizmente não funciona. Enquanto eu jogava, cheguei a perder todas as Purity e ver a mensagem de game over. No entanto, ao iniciar um novo jogo, eu voltei para o save que já estava jogando. Na verdade, meu save não foi apagado, mas se transformou em um save state. Se eu morria para um boss, voltava para o último save point. E se morria pra inimigos comuns, voltava para o exato ponto onde morri. E minhas Putirys se negativavam, pois mesmo ao coletá-las pelo cenário (Puritys são extremamente raras de se encontrar), meu contador não subia.
O game infelizmente também sofre de problemas que podem travar tudo. O já mencionado Purity negativo causou um problema sério em meu game. Ao caminhar por áreas que não deveriam ser acessíveis, o game gera uma névoa vermelha para matar o jogador. Nisso, eu acabei morrendo um lugar graças a essa névoa, e como o game com zero Piruty se transforma em save state, o load se dava no exato local da morte, assim, tornando o game impossível de ser jogado, e me obrigando a deletar o save manualmente. Outro problema encontrado foi uma das relíquias, uma Foice, ela não funcionava ao ser ativada, e se usada, fazia o game dar crash logo em seguida ao apertar certos botões do controle.
Audiovisual
Algo que merece elogios em Blade & Bones é seu departamento visual, o game é bem bonito, ainda que tenha gráficos simples. O design dos personagens humanos é bem simples, com poucos detalhamento, mas outros tipos de criaturas são bem detalhados, como golens de pedra e as criaturas do pântano do game, com um visual bem grotesco e quase alienígena.
Os cenários são belos, cada região do game possui um visual único, com desertos, montanhas cobertas de neve e florestas. São poucas regiões diferentes, e vastas a primeira vista, porém rapidamente exploradas e decoradas. Atravessar a pé os cenários é bem demorado, por conta disso, cada save point do game também é usado para transportar o jogador entre regiões usando os sinais. Como os Orins são mudos, eles se comunicam por sinais, sendo quatro ao todo: Pacifico, Agressivo, Questão e Duelo. Os sinais são usados para se comunicar com personagens, com diferentes reações para cada sinal usado. E os sinais também são usados para escolher qual área você quer ir a partir de um save point.
A parte sonora tem altos e baixos. As músicas vem e vão enquanto se explora os cenários do game, mas estão sempre presentes nas batalhas contra os bosses. Cada boss possui um tema próprio, alguns melhores, outros nem tanto. E os sons de combate, de golpes, passos e espadas se chocando ficaram muito bem feitos.
Conclusão
Blade & Bones é um game que tinha bastante potencial em ser um “Dark Souls brasileiro”. O game tem sim ideias interessantes e uma premissa boa, mas infelizmente sofre muito por culpa de seu gameplay defeituoso. Verdade seja dita, porém, após avançar bem pelo game, o jogador pega o jeito dos combates, com a combinação de Kuro, espada e relíquia certos, mas ainda assim, o combate contra inimigos comuns não é incentivado, acabando sendo necessário apenas para os bosses, e por isso muito do game acaba sendo deixado de lado pois basta simplesmente andar para frente ignorando tudo.
A Coffee Addict Studio criou um game interessante e que poderia, e merecia ter sido muito melhor, Blade & Bones tem bastante potencial, mas acabou sendo prejudicado por seu combate falho, e que deveria ser o centro de todo o game, afinal, um game que se inspira em Dark Souls tem por obrigação se equiparar ao mesmo, além é claro de criar sua própria identidade, ponto no qual o game foi bem sucedido.
Blade & Bones foi lançado para os PCs no final do ano passado, e chegou no dia 9 de maio ao Playstation 4 e Xbox One.