Análise Arkade – Brothers: A Tale of Two Sons Remake é um retorno que ainda pode emocionar

6 de março de 2024
Análise Arkade - Brothers: A Tale of Two Sons Remake é um retorno que ainda pode emocionar

Em se tratando de videogames, sobretudo no contexto atual, o que justifica um remake? É o tempo de lançamento da versão original? Melhorias gráficas que se apoderem do potencial das novas gerações? Atualização da narrativa? A busca por um novo público? Lucrar um pouco mais com um produto comprovadamente bem aceito pela comunidade? Tudo isso junto? Ou outra coisa?

Não me lembro de ter iniciado uma análise com tantas perguntas logo no primeiro parágrafo, mas acreditem: cada uma destas possibilidades me passou pela mente enquanto em jogava as pouco mais de três horas da campanha deste que, particularmente, considero o remake de um grande clássico de duas gerações atrás. Em um tempo onde o mercado indie ainda buscava ganhar espaço enquanto um método mais sustentável de produção, o jogo se destacou até diante gigantes da indústria e tanto mídia quanto público se surpreenderam com o que ali era proposto.

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Não à toa, várias das bases que foram utilizadas pelos mesmos desenvolvedores em A Way Out e It Takes Two, ambos ainda mais notórios, foram sedimentadas em Brothers: A Tale of Two Sons, e até hoje poucos são os jogos que se apropriam, por exemplo, do uso dos dois analógicos para mecânicas de colaboração mútua entre personagens diferentes — em 2023, Bayonetta Origins brincou um pouco com essa dinâmica. A ideia nunca foi emular algo que veio antes, ou aquilo que estava em alta na época, mas sim compreender o que mais poderia ser feito com essa mídia ainda tão nova.

Mais do que isso, o game propôs uma estratégia narrativa muito mais intimista e simbólica, sem o uso de diálogos eloquentes ou eventos piroténicos. Tudo isso 11 anos atrás, o que pode parecer pouco tempo quando nos referimos à história, mas nós presenciamos tudo o que aconteceu desde então, e não foi pouca coisa. Todas as questões do primeiro trecho desta análise, portanto, se tornam uma: vale a pena retornar para esse jogo em 2024?

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Um conto sobre dois filhos

Sem textos de introdução, diálogos verborrágicos ou documentos contextuais, toda a narrativa que acompanhamos no jogo emerge do simbólico, da identificação que firmamos com esses jovens logo nos primeiros minutos da aventura. Se o mundo que iremos desbravar é fantástico, cheio de magia e criaturas especiais, a essência é muito próxima de qualquer um de nós aqui no mundo real.

Diante do túmulo de uma pessoa querida, nosso herói mais jovem exala saudades, a falta que faz ter as coisas mais simples da vida, e do quão sofrido pode ser crescer sem um de seus alicerces morais e emocionais. Não há tempo para mais lamentações quando somos chamados a socorrer o segundo dos pilares do nosso núcleo mais íntimo. Com o pai doente, é o irmão mais velho que toma a responsabilidade de acudi-lo. Duas crianças, o mesmo drama, as mesmas perdas. São duas partes de um, algo que será a base de toda uma jornada que vem adiante.

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Em busca de um elixir que pode curar os males que afligem a família, os meninos partem, com a roupa do corpo e uma dose extra de coragem, em uma busca cheia de perigos, obstáculos, mas também de aliados e encantamento. Do inventor dançarino a trolls apaixonados, cada nova situação traz um humor de afago, mas também temas pesados que mesmo com a leveza de um roteiro cuidadoso, podem ainda impactar pessoas mais sensíveis. Se os primeiros minutos parecem indicados para se jogar com a família, a metade final é definitivamente contra-indicada para crianças.

Ainda assim, pela forma singela e, por vezes, alegórica como trata seus temas, Brothers: A Tale of Two Sons Remake consegue se bastante fiel ao jogo original, sem reiventar aquilo que era coeso e consistente desde o princípio, e continua acertando em cheio no tom, andando pela linha tênue entre a emoção e a pieguice, sem nunca ultrapassar esse limite. Seja a primeira ou a décima vez que se joga, a abordagem consegue, em cerca de três ou quatro horas, nos comover com delicadeza.

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Um controlando dois, mas…

A essência da jogabilidade original também é mantida e respeitada. Cada analógico controla uma das crianças, enquanto os gatilhos correspondentes acionam ações como subir em beiradas, se pendurar em um penhasco, acionar manivelas, ou pegar uma engrenagem do chão, só pra citar exemplos comuns. Nada muito sofisticado, mas tudo bastante intuitivo, sem a necessidade de uma legenda dizendo o que é e o que não é interagível. Coisa rara nos dias atuais, quando os jogos, mesmo os mais simples, nos pegam na mão até quando não queremos.

A maior virtude no aspecto de gameplay, todavia, não está no que cada um pode fazer, mesmo que algumas coisas possam ser feitas só por um ou por outro, como por exemplo, o mais novo podendo atravessar portões e grades estreitas enquanto o mais velho pode carregar coisas pesadas. Melhor do que saber com quem fazer certa ação é compreender como a soma das habilidades é a única forma de superação de puzzles, obstáculos e hostilidades. Por mais que seja essencialmente single player, esta é uma experiência sobre colaboração.

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Entretanto, há uma adição interessante neste remake, que é a possibilidade de se jogar com outra pessoa em um clássico (e quase esquecido) multiplayer local, com obviamente cada pessoa assumindo um dos irmãos. É uma função com dois pontos de vista: se por um lado valoriza a experiência compartilhada, a necessidade de se trabalhar junto para chegar ao objetivo em comum,; por outro fere as bases do desenho de jogabilidade, que é o maior trunfo do jogo. Em outras palavras, jogar com outra pessoa é uma ótima adição, mas não substitui a vivência solo.

Ainda tenho alguns problemas com o sistema de câmera do jogo, que em vários momentos tem um movimento próprio pensado para aumentar impacto e a dramaticidade da cena. Girar automaticamente em uma posição quase top down (ou de cima pra baixo de forma quase vertical) acaba passando dos limites em certas cenas. Da mesma forma, o controle manual com os botões de ombro do controle funciona em poucos momentos porque não havendo ajustes possíveis de altura, tudo se limita só ao eixo X. Ajuda, mas nem tanto, Ou essa cisma pode ser somente eu, agora acostumado com as modernidades, sentindo falta de uma liberdade maior no posicionamento do olhar.

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O jogo continua ótimo e muito adaptativo nos controles, e mesmo fiel aos princípios originais, ganhou uma fluidez confortável e generosa com alcance, colisão e equilíbrio de personagens. Tem suas limitações, alguns pequenos bugs inclusive (tive que jogar tartarugas mais vezes do que gostaria só porque uma delas insistia em enroscar numa aresta mal polida), mas no geral, todas as pequenas funções que apresenta são muito bem pensadas para valorizar o tema do jogo. Nada é verdadeiramente desafiador, mas o level design é inteligente e muito bem construído.

Lindo, mas não perfeito

Logo de cara, confesso ter me incomodado com a escolha, mesmo jogando em um Playstation 5, entre os já batidos modos Qualidade ou Desempenho. Por mais que eu esperasse virtuosismos visuais que justificassem um remake usando o Unreal 5, nada no jogo original parecia ser tão exigente assim a ponto de termos que escolher entre uma coisa e outra. E é aqui onde esta nova versão tropeça, porque ainda que aceitemos ter que optar, nenhuma das duas opções funciona perfeitamente bem.

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No modo qualidade, aquela que deveria prezar pelos visuais, senti algumas quedas bruscas no sistema de iluminação e até em texturas mais simples demorando a carregar, além de um ou outro probleminha de instabilidade, com cenários piscando e coisas do gênero. Degradês também traziam algumas nuances bem grosseiras, principalmente em cenários mais escuros. Do outro lado, no Desempenho, por mais que o framerate estivesse bem mais estável, a olho nu, do que o esperado, ainda havia problemas quando se girava a câmera muito rápido, sobretudo em ambientes abertos.

Também pode haver um certo incômodo em algumas escolhas estéticas que acabam sujando a imagem de uma forma que, particularmente, gosto pouco. A geração de granulados é um dos aspectos que sempre que possível, eu desligo, mas aqui não foi possível. Também há uma série de desfoques e outros efeitos de distorção que deixam tudo mais confuso do que deveria, e a sensação de devaneio e sonho dá lugar a só um desconforto visual. Nada que seja tão significativo, mas ainda assim, um exagero que causa estranhamento.

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Se ignorarmos os preciosismos, porém, é impossível não se admirar com algumas paisagens deslumbrantes, cenários ricos em detalhes e um trabalho bem interessante na geração de partículas, principalmente nos efeitos elementais, como água e fogo. A iluminação dinâmica ganha muito com o HDR no talo e mesmo em trechos menos apelativos, a atenção ao que é quase imperceptível é exemplar. O mesmo cuidado pode ser sentido também em uma ambientação sonora cheia de riqueza nos ruídos, algo surpreendente pelo escopo da produção.

Os diálogos não verbais – aqueles murmúrios que são de compreensão quase universal pela expressividade das conversas – funcionam sem parecer um recurso pobre, mas é a trilha musical que brilha verdadeiramente, com composições emocionais orquestradas que parecem não economizar na complexidade de cada nota, trabalhando com cordas e outros timbres típicos de aventuras de fantasia nórdica. Sair planando com uma espécie de asa delta quando o som cresce é impagável. Recomendo fortemente o uso de um bom sistema de som, ou de headsets de qualidade, porque este jogo merece ser ouvido.

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Detalhes que fazem a diferença

Por mais que esta reconstrução resulte em basicamente o mesmo jogo quando comparado ao original, obviamente melhorado nas questões técnicas, eu ainda tinha minhas dúvidas sobre o quão necessário era este relançamento de algo relativamente recente. Ao assistir o vídeo que fica disponível depois da primeira run, com o jogo inteiro comentado pelo criador, porém, o impacto desta evolução é mais evidente, já que ele grava em cima de um walkthrough do original. A diferença é assustadora.

Não é só aqui onde se vê o carinho dedicado ao projeto, já que a galeria de arte é das mais bonitas que eu já vi em produções recentes trazendo esboços e esquemas bem legais. Para além de uma coleção quase documental da coisa, vale a pena dar uma circulada nas artes lá dispostas, principalmente quando se conhece a trajetória de quem fez isso tudo. Brothers: A Tale of Two Sons Remake, se olhado como um resgate de algo que parecia perdido no seu tempo, pode ser uma ótima adição para qualquer biblioteca, seja o jogador antigo fã ou um novato de primeira viagem.

Análise Arkade - Brothers: A Tale of Two Sons Remake é um retorno que ainda pode emocionar

Conclusão

O que resta a ser respondido das questões que abrem esta análise? Brothers: A Tale of Two Sons Remake é, inapelavelmente, uma pérola que precisa ser celebrada, não só pela sua relevância histórica, mas principalmente porque é, essencialmente, um grande-pequeno jogo. Sua história é simples e sem quaisquer artifícios rocambolescos, e continua funcionando para qualquer pessoa (com o cuidado dos temas sensíveis), principalmente aquelas que se envolvem com narrativas que tratam das relações humanas mais íntimas.

Se não chega a ser desafiador, suas mecânicas guardam algumas ótimas soluções que se apropriam criativamente da relação entre dois irmãos em um mundo tão belo quanto perigoso. Jogar ao lado de outra pessoa no sofá de casa facilita as coisas, mas não deixa de ser algo divertido. Sozinho, porém, tudo parece melhor não porque mais de uma pessoa atrapalha, mas porque os controles foram desenhados para alguém lidar com dois pontos focais ao mesmo tempo. Na dúvida, jogue das duas formas.

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Se você já conhece o jogo de outros tempos e esgotou aquilo que ele poderia oferecer, talvez haja pouco aqui que realmente faça valer o investimento, então esta é uma avaliação bastante particular. Mas se você ainda não conhece a experiência a fundo, esta é a edição definitiva e obrigatória que precisa ser vivenciada. Fuja dos spoilers e aproveite a viagem.

Brothers: A Tale of Two Sons Remake foi lançado em 28 de fevereiro de 2024 para Playstation 5, XBox Series S|X e PC, com menus e interface em português brasileiro.

Paulo Roberto Montanaro

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