Análise Arkade: O velho-oeste violento e procedural de Colt Canyon
O tal do velho-oeste (ou western para os mais puristas) nunca saiu de moda. Ok, talvez tenha tido uma queda de popularidade entre as décadas de 1980 e 1990, mas é uma temática que nunca ficou distante do nosso consciente coletivo cultural. A primeira metade do século XX vivenciou o ápice desse sub-gênero de ação, sobretudo nos Estados Unidos e parte da Europa, e a arte revelou alguns dos maiores nomes da história do cinema, como John Ford, John Wayne, Clint Eastwood, Paul Newman e tantos outros.
Contudo, para nós que gostamos de falar e vivenciar o mundo dos games, há outros títulos e nomes no mínimo tão famosos quanto os da tela grande. John Marston deve ser o primeiro que vem à mente de todos nós e a franquia Red Dead é sem dúvida o maior expoente nessa temática. Mas também não dá pra esquecer de títulos como os recentes Desperados e Call of Juarez ou os saudosos Wild Guns e, claro Sunset Riders. E, como quem não quer nada, mascando o seu tabaco e com o chapéu abaixado no canto do sallon, Colt Canyon parece merecer seu lugar no hall das melhores obras do bom e velho bang-bang virtual.
Sequestraram seu parceiro
A premissa é tão simples quanto eficiente: seu parceiro é sequestrado e cabe a você, no papel de um dos protagonistas, atravessar uma série de níveis, vencer os bandidos sem nenhuma piedade e cavalgar rumo ao pôr-do-sol. Raso assim. Se parece clichê demais para os dias atuais, fique tranquilo porque é proposital. Colt Canyon não quer e não tem qualquer necessidade de uma trama complexa, de personagens profundos ou reviravoltas tarantinescas. É o que vem depois da introdução de poucos segundos que importa de fato.
A construção e o encadeamento narrativo do game se dão pela geração de cenários procedurais em duas dimensões, vistos de cima. Atravessá-lo da esquerda para a direita fica por conta do jogador: você pode continuar correndo em linha reta — circulando os obstáculos geográficos, claro — de um ponto ao outro, evitando conflitos ou problemas maiores, algo que vai funcionar bem (ao menos até você encontrar o primeiro chefe)… ou você pode explorar cada canto da fase para encontrar armas, salvar outros reféns (há um em cada fase que pode tanto lhe acompanhar como parceiro como lhe oferecer benefícios e melhorias) e, principalmente, munição — muita munição — para dar conta do que vem pela frente.
Na primeira opção, sem tantos conflitos, certamente há poucos riscos de fracasso, principalmente nas fases iniciais. Mas isso implica em um preparo (técnico e prático) aquém do que se exige dali pra frente. Afinal, sem explorar, não se tem as armas mais eficientes, nem muita munição, nem power ups ou parceiros para ajudar. Isso não necessariamente impede o avanço, só o torna mais difícil. Já na segunda opção, que deve ser a mais natural para quem começa a jogar, você vai encontrar acampamentos inimigos, construções e, eventualmente, alguém amarrado ou preso dentro de um caixão.
Todavia, essa não é uma escolha lá tão difícil assim, primeiro porque naturalmente o jogo vai se adequar ao que o jogador prefere quase que automaticamente. Segundo, porque se apropriando de um estilo que bebe bastante na fonte roguelike, cada nova jornada é só mais uma dentre tantas runs que certamente serão feitas, mas com alguns perks permanentes que vão sendo desbloqueados — sendo, portanto, um roguelite.
A campanha do jogo é relativamente curta. A vida útil, porém, vai muito além de chegar ao fim e conseguir cumprir a missão, principalmente porque esta será uma tarefa bem complicada de se conseguir.
Explicando melhor: não há save game, não há checkpoint, não há o “continuo depois”. Você começa, avança, supera os níveis mantendo sua barra de vida e, quando morrer (e isso vai acontecer bastante) começa tudo de novo, podendo escolher um novo personagem e uma nova arma inicial, elementos que vão sendo liberados de acordo com os avanços anteriores. É aquele esquema quer vemos em jogos como Hades e Dead Cells: cada derrota significa recomeçar do zero, mas com um extra que pode ajudar a dar um passo a mais na próxima.
Saque primeiro
Jogar Colt Canyon é como jogar Hotline Miami em espaços abertos. Principalmente os aspectos visuais, dos quais tratarei mais tarde, são bastante similares, mas o próprio feeling do gameplay é semelhante. As diferenças são significativas, claro. A primeira delas é que, mesmo difícil, esse faroeste é menos cruel e há uma barra de vida até que bem generosa. Bastam alguns tiros na fuça para que ela se esvazie, claro, mas nada tão definitivo como o temido one-hit kill. O contrário também é verdade, porém, e os inimigos podem ser duros na queda.
Outra diferença, já adiantada no parágrafo anterior, é o espaço cênico mais amplo. Aqui, grande parte dos confrontos acontecem em campo aberto, e o jogador acaba precisando se apropriar de pedras, árvores e construções para fugir do tiroteio. Isso também significa que não se tem muito espaço para o planejamento furtivo ou a aproximação estratégica. É chegar, vencer o máximo possível de inimigos pelas costas, e se dar melhor na troca franca de tiros com quem sobrar. E se tiver um barril explosivo para ajudar, melhor ainda.
Para tanto, o jogo se caracteriza como um estabelecido sistema twin-stick shooter, onde uma das alavancas serve para se movimentar e a outra para mirar. É possível ainda alternar entre duas armas principais e uma habilidade especial, a dinamite. É um formato sem muitos segredos e que em alguns segundos já parece automático nas mãos. Os comandos complementares não vão além de usar o botão de ação para desamarrar alguém ou realizar um ataque melee próximo. Colt Canyon encontra na simplicidade seu maior trunfo, e oferece mecânicas fluidas, divertidas e viciantes.
Não podemos esquecer ainda do quase sempre esquecido e muito bem-vindo sistema cooperativo local. Jogar com mais alguém — que seja controlado por outra pessoa, e não a IA — é uma vantagem e tanto, primeiro por aumentar muito as chances de abordagem: enquanto um atrai, o outro ataca pelos flancos, ou um enfrentamento frontal com força, ou ainda ataques surpresa. Segundo que com um jogo que rende ótimas situações descompromissadas, é sempre bem divertido ter alguém para rir junto nas vitórias e, claro, nas derrotas ridículas.
Pixel art raiz
Sabe quando um jogo busca emular a experiência das gerações 8 e 16 bits na composição de cores, volumetria e iluminação? Alguns são mais rígidos, outros abrem algumas exceções, mas o visual ganhou muita notoriedade dentro das produções independentes. Colt Canyon vai muito além disso, e traz uma proposta com aspectos que lembram jogos de fliperama anteriores aos sistemas domésticos citados. O design de produção se pauta no desenho de silhueta, no minimalismo cromático e no contraste com elementos fundamentais de seu estilo artístico.
Levando o conceito para os jargões do gênero, a produção assume o conceito de “pistoleiro sem nome” (personagem dos mais marcantes na carreira do já citado Clint Eastwood na Trilogia dos Dólares, de Sérgio Leone) ao extremo. É o homem sem rosto, o justiceiro sem identidade, o herói anônimo em um mundo cão. Ok, eles até têm um rosto e um nome se considerarmos a tela de seleção de personagens, mas que os identifica muito mais enquanto arquétipos (ou classes, se preferir) diante os demais selecionáveis do que enquanto personagem de fato.
O mesmo, claro, transborda para cenários, construções, geografia e elementos de interface. Temos um pixel art, portanto, mais grosseiro, com poucas nuances ou detalhes, e uma palheta de cores mais restrita, seca, árida, que passeia por tons marrons, com pouca saturação e normalmente pendendo para os avermelhados. A trilha musical acompanha o conceito do mínimo sem pecar pela ausência e os efeitos de tiro são protagonistas principais da banda sonora, como deveria ser.
A iluminação global evita os degradês e a sutileza fica a cargo da geração de partículas, seja na névoa pelo qual atravessamos de uma fase para outra, seja na poeira do ar, ou até no efeito de se atravessar uma plantação de trigo. E, as vezes, do sangue jorrando dos inimigos. Exceção feita em alguns elementos de suporte, como itens de upgrade e tela de seleção, e na tipografia, que abusa da tradição dos cartazes de “procurado” dos filmes do gênero.
Lembra quando comparei Colt Canyon a Hotline Miami? Pois então, isso se faz presente também na violência gráfica crua. O impacto de cada tiro parece muito eficiente muito mais pelo rastro de sangue que deixa para trás do que qualquer outra coisa. Não há realismo, mas isso não significa que o jogo não consiga transmitir essa sensação de agressividade de outras formas. E é nos efeitos e nos resultados onde se consegue identificar as características de cada arma. Se a shotgun dá o tiro espalhado, mas de curto alcance, e a espingarda é muito mais precisa e certeira, e até uma frigideira pode fazer um bom estrago.
Senti, contudo, que o jogo é bem menos generoso com munição do que eu esperava (e gostaria). Não foram raros os momentos em que fiquei sem munição para ambas as armas que tinha em mãos, e aí sobram as opções de sair correndo atrás de vasos ou outros recipientes, ou tentar encarar inimigos fortes só “no soco” (raramente uma boa ideia). Até funciona em alguns casos, mas são duas formas pouco promissoras de se enfrentar grupos maiores. No geral, explorar é não só uma possibilidade, como uma necessidade, para que não se fique desarmado nos piores momentos.
Conclusão
No geral, vale o óbvio: o sistema de Colt Canyon é feito para que o jogador saiba atirar e se movimentar o tempo todo, articulando momentos de reload com alguns obstáculos bem-vindos para cobertura. Nada das facilidades dos shooters de murinho atuais, contudo. Aqui, é saber se movimentar direito para colocar sempre um obstáculo entre você e seu adversário quando ele atacar, e o contrário quando precisar mandar bala.
O estilo artístico e a narrativa são propositalmente simplificados ao extremo, sem frescuras ou melindres, na intenção de favorecer a fluidez de um gameplay comum e, ao mesmo tempo, muito eficaz. Há sim alguns bugs menores de colisão ou interação, mas são questões tão pontuais que sequer valem como pontos negativos. Colt Canyon é redondinho e altamente recomendado para quem curte roguelites e procura um tiroteio old school desafiador e, ao mesmo tempo, viciante.
Desenvolvido pela Retrific e distribuído pela Headup Games (que nos cedeu uma cópia do jogo para avaliação), Colt Canyon está disponível para PC, Nintendo Switch, Playstation 4 e XBox One. Infelizmente, o jogo ainda não traz localização para o português brasileiro.