Análise Arkade: Days Gone é muito mais do que “só mais um jogo de zumbis”
Amanhã chega às prateleiras Days Gone, o novo exclusivo do Playstation 4. Desenvolvido pelo Bend Studios — galera que trabalhou na clássica série Syphon Filter e no excelente Uncharted de PS Vita –, o jogo chamou a atenção dos jogadores, ao mesmo tempo que deixou todos meio céticos por parecer “mais um apocalipse zumbi”. E aí, como será que o jogo se sai? Confira nossa análise e descubra!
Pós-apocalipse sobre duas rodas
Days Gone nos apresenta a Deacon St. John, motoqueiro que perdeu sua esposa logo que o apocalipse zumbi — na verdade não são bem “zumbis”, pois são seres vivos que sofreram mutações por conta de um vírus misterioso, não mortos reanimados– explodiu no mundo, e vai adaptar seu estilo de vida para sobreviver a esta nova realidade do jeito que der.
Não quero entregar spoilers aqui, mas Days Gone é um jogo empenhado em contar não apenas uma, mas várias histórias. Você vai conhecer outros sobreviventes e ajudar diferentes acampamentos/facções em suas demandas, vai se esforçar para manter seu parceiro Boozer vivo, vai conhecer melhor Sarah (esposa de Deacon) em flashbacks, vai investigar as origens da praga que deu origem aos frenéticos (assim são chamados os zumbis “comuns” do jogo), o que a misteriosa organização NERO tem a ver com isso, e muito mais.
Claro que há sidequests e objetivos genéricos aí no meio, mas no geral é louvável o esforço da Bend em injetar backgrounds interessantes e conteúdo relevante ao game, ou ao menos em criar contexto para as coisas genéricas. Há muitas missões principais, que aprofundam as diferentes histórias e nos permitem conhecer melhor outros personagens — há inclusive missões que são só bate-papo; inclusive com Deacon falando “sozinho” diante do túmulo da esposa.
Com isso quero dizer que, embora seu mundo pós-apocalíptico pareça de fato genérico, houve um nítido esforço em povoar este mundo com personagens e missões interessantes. Days Gone não é bem um sandbox, pelo menos não do tipo “faça o que quiser”: há um fio condutor que mantém a(s) história(s) rolando, e seu foco em crafting e sobrevivência tornam a experiência muito mais cadenciada e menos frenética.
Ou seja, Days Gone é um jogo de mundo aberto pautado por alguma linearidade. Você até pode simplesmente subir na sua moto e explorar o mapa, mas como até isso está atrelado ao consumo de recursos (gasolina e sucata para consertar a moto), o ideal é que você esteja sempre fazendo algo útil — tipo indo até uma missão ou cumprindo algum objetivo — para otimizar a exploração. Mas, você é livre para decidir o que quer priorizar, e o jogo até nos dá algum poder de decisão quando encontramos sobreviventes e podemos indicar algum acampamento para o qual mandá-los.
Um jogo feito de referências
Um dos diferenciais de Days Gone é sua pegada “motoqueira”: Deacon é um motociclista nato, membro dos Mongrels MC, um sujeito que passou boa parte da vida sobre duas rodas e nutre uma afeição ímpar por motocicletas. Por conta disso, tal qual sua montaria em Red Dead Redemption 2, aqui sua moto não é apenas um meio de transporte qualquer: você precisa cuidar dela, colocar combustível nela, consertá-la e aprimorá-la, para que ela sempre esteja pronta para te levar aonde quer ir.
E é assim, sobre duas rodas, que vamos rodar pelo vasto mapa de algum lugar do interior dos EUA (inspirado em Oregon), cumprindo missões variadas para ganhar a confiança de diferentes grupos, coletando medicamentos aqui e tocando fogo em “ninhos” de frenéticos ali. Manter-se ocupado sem dúvida é a maneira que Deacon encontrou para sobreviver, e ele acaba se tornando muito bom nisso.
Em termos de gameplay, Days Gone se apresenta como uma mistura de elementos de vários outros jogos. Sabe como Darksiders pegou elementos de God of War, Zelda e até Portal para criar algo que é diferente, sem necessariamente ser novo? Days Gone faz a mesma coisa, mas bebe de outras fontes: traços de Horizon Zero Dawn, Mad Max, The Last of Us e Red Dead Redemption 2 são facilmente reconhecíveis aqui, empacotados em um clima de Sons of Anarchy.
Isso faz com que Days Gone não seja um jogo inovador ou vanguardista, mas o que ele se propõe a fazer, faz bem o bastante para tornar a experiência aprazível. Como em The Last of Us, você vai querer guardar garrafas, pregos e trapos para criar coquetéis molotov e equipamentos. Como em Mad Max, coletar sucata e gasolina é essencial para manter sua moto rodando. E como em Red Dead Redemption 2, tudo isso deve ser feito sem pressa e correria, respeitando o ritmo do jogo.
Por exemplo: invadir as unidades da NERO é muito útil, pois isso lhe concede áreas de descanso e fast travel. Porém, para conseguir entrar nessas bases, há uma série de procedimentos que devem ser realizados: trocar um fusível da porta, colocar gasolina no gerador e — importante! — destruir as caixas de som que ativam um alarme capaz de atrair toda a zumbizada da região. Este é apenas um exemplo, mas demonstra bem como Days Gone é metódico, cadenciado, e não deve ser “rushado”.
Felizmente, o ato de ir e vir (e explorar) Days Gone é prazeroso, e a moto deixa tudo mais dinâmico e divertido. Porém, como já dito ela precisa estar com gasolina no tanque para rodar, e mesmo a utilização dos fast travels consome sua gasolina — o que te impede de abusar do recurso, pois você nem consegue ir para algum lugar que seria longe demais para seu tanque de combustível aguentar. É como se você de fato tivesse usado sua moto para ir lá, gastando gasolina e tempo no processo.
Sobrevivência e Combate
Essa pegada menos acelerada não quer dizer que estamos diante de um jogo leve e pacífico, onde só vamos passear de moto e apreciar a paisagem. Há perigo em todo o canto em Days Gone, e ele chega das mais variadas formas: há frenéticos para todo lado (divididos em várias sub-espécies), grupos de humanos saqueadores e gangues rivais de motoqueiros, animais selvagens que podem surgir do meio do mato, e por aí vai.
Felizmente, como o game traz aquela mistureba de referências que eu descrevi ali em cima, é fácil de aprender a se virar, pois mecanicamente, o jogo é muito familiar para qualquer um com alguma bagagem. O stealth lembra bastante o que vimos em Horizon Zero Dawn, enquanto o combate (tanto com armas de fogo quanto corpo-a-corpo) e a exploração remetem ao clássico The Last of Us.
Falando nisso, Days Gone traz uma barra de stamina, que é consumida especialmente rápido quando Deacon corre ou se esquiva. Por este motivo, tentar uma abordagem stealth ou uma eliminação à distância sempre é recomendável. Mas este é um jogo onde os inimigos quase nunca vêm sozinhos, então saber improvisar e sempre ter noção de onde largou sua moto é essencial para sobreviver, pois fugir a pé quase nunca é uma opção.
Confira abaixo um pouco de gameplay que traz um bocado de quase tudo que há para se fazer no game: temos rolezinho de moto, combate com humanos, combate com frenéticos, colocar combustível na moto… e um fatídico e inesperado encontro com uma horda ali no finalzinho do vídeo:
As tais hordas, que foram muito utilizadas nas demonstrações do jogo, demoram bastante a integrarem plenamente o jogo, e, sem exagero, nas primeiras 10 ou 15 horas o melhor a fazer é evitá-las. Só ali pelas 20 e poucas horas você será obrigado a enfrentar estas turbas violentas de frenéticos, e enquanto isso não for mandatório, simplesmente evite grandes grupos — eles são implacáveis e podem aniquilar Deacon em segundos se ele estiver a pé. Quando há uma horda muito grande perto de alguma área que você realmente precisa ir, o melhor a fazer é dar um rolê e ir fazer outra coisa até que ela disperse ou se afaste.
Dependendo do tipo de inimigo, você pode tentar diferentes táticas de aproximação. É possível usar uma abordagem stealth e alguns headshots — lembre de investir em silenciadores! –, espalhar armadilhas para atrair inimigos, ou simplesmente bancar o Rambo e se meter em acirradas trocas de tiros.
Arrumar munição nunca é realmente um problema (dica: todo carro de polícia tem uma caixa de balas no porta-malas, e toda ambulância carrega um kit médico), mas a quantidade de armas e equipamentos que Deacon pode carregar é bem limitada, e isso deve ser levado em conta para que o desperdício não te deixe na mão numa hora de real necessidade.
Audiovisual
Mundos pós-apocalípticos não são exatamente uma novidade no mundo dos games, e nesse ponto Days Gone entrega o que se espera de um jogo deste porte — e que sem dúvida teve um bom orçamento pra ser desenvolvido. O mapa do game é gigante, e oferece uma boa variedade de ambientes, passando por áreas urbanas, rurais, montanhas nevadas, florestas, cavernas e desfiladeiros.
O fato de ser pautado pelo mundo real — e ser baseado em Oregon, onde fica o Bend Studio –torna tudo um tanto “mundano”, mas isso não é uma crítica, visto que o jogo sem dúvida faz um bom trabalho em criar um pós-apocalipse verossímil. Há carros abandonados por todos os cantos, construções dilapidadas e estruturas improvisadas protegem acampamentos (igualmente improvisados) e agrupamentos de sobreviventes.
Os modelos de personagens impressionam: a vibe motoqueira do jogo traz um protagonista cheio de adereços e tatuagens, e tudo isso é representado em detalhes incríveis. Os NPCs mais importantes — que nos passam missões — também são muito detalhados, e ainda que o visual dos frenéticos como um todo seja meio que padrão, há uma boa variedade de modelos para que eles não pareçam ser “sempre os mesmos”.
Por estar preocupado em contar uma história, Days Gone traz muitas cutscenes, e a qualidade das animações e expressões faciais é surpreendente. Houve muito capricho no trabalho de captura de interpretação e no áudio original (em inglês), os atores realmente se entregam aos personagens e situações. A dublagem brasileira não fica muito atrás, e o bom trabalho de localização não economiza nos palavrões para manter as características dos personagens.
Jogando no PS4 Pro o jogo flui muito bem, com pouquíssimas quedas de framerate em momentos bem específicos. A passagem do tempo — com direito a ciclo de dia e noite, chuvas e até nevascas esporádicas — contribuem com a ambientação, e sons de grilos, lobos e trovoadas fazem um excelente trabalho na hora de potencializar a imersão, embora o jogo não poupe sua boa trilha sonora durante as perseguições e momentos mais intensos.
Vale ressaltar, porém, que em mais de uma ocasião eu tive problemas de áudio: meu headphone estalava e de repente apenas alguns sons eram reproduzidos (excluindo, por exemplo, o ronco do motor ou os sons dos frenéticos). A única forma de corrigir isso era sair do jogo e iniciá-lo novamente.
Mas, tenho consciência de que joguei antes do lançamento, então é provável que, quando você for jogar, isso já esteja totalmente corrigido. Aliás, mesmo sem ter sido lançado, o jogo já recebeu 2 patches cavalares — libere espaço no seu HD, pois ele já está ocupando mais de 60 GB!
E, como sempre gosto de ressaltar, este é mais um triple A que chega com um apetitoso recurso fotográfico, que nos permite pausar a ação para tirar screenshots épicas controlando câmera, campo de visão, aplicando filtros, e muito mais. Deixo abaixo alguns dos meus cliques e convido quem curtir a visitar meu Instagram @gamesphotomode:
Conclusão
Admito para você, caro leitor, que ainda não zerei Days Gone. Mas já conclui quase todas as missões principais, e acumulo mais de 30 horas de jogo até o momento. Estou me dedicando a limpar o mapa e aprimorar minha moto antes de finalizar a campanha em si, pois não sou o tipo de cara que fica jogando o “pós-game” eternamente.
Baseado nisso, é com prazer que afirmo que Days Gone superou minhas expectativas. O que parecia ser “só mais um jogo de zumbis” se mostrou uma obra densa e envolvente, com muito aprofundamento em seus personagens e nas relações entre eles. Os frenéticos estão ali berrando e mordendo, mas (como em toda obra pós-apocalíptica que se preza), Days Gone é antes de mais nada um jogo sobre relações humanas.
Se por um lado ele não se esforça para ser inovador, emprestando elementos e mecânicas de diversos outros jogos, por outro ele consegue misturar todas as suas referências em algo caprichado e funcional. E, considerando a qualidade acima da média dos jogos que ele toma como base, é seguro dizer que o pessoal do Bend Studios fez a lição de casa direitinho.
Pode ser que Days Gone não ganhe prêmios nem torne-se um sinônimo de qualidade como os jogos que lhe inspiram, mas ele sem dúvida tem predicados de sobra para manter o jogador entretido, seja catando coisas, rodando de moto… ou sendo perseguido por uma horda!
Agora se me dá licença, vou ali terminar meu jogo! Talvez eu volte a falar sobre ele em um artigo do tipo “Além do Review” ou “Depois do Fim“, o que acha?
Days Gone será lançado nesta sexta (26/04) exclusivamente para PS4. O jogo está totalmente localizado para o nosso idioma (dublagem, menus e legendas). Este review foi feito com base em uma cópia antecipada, que recebemos da Sony para fins de análise. O jogo foi testado em um PS4 Pro.