Análise Arkade: Devil’s Hunt é o mais novo “filme B” do mundo dos games
Sabe aquele tipo de filme que você sabe que é ruim, mas mesmo assim continua assistindo até o final só para ver no que vai dar? Pois Devil’s Hunt é tipo isso: uma história que é um amontoado de clichês e um gameplay apenas ok que, juntos, formam algo que não é realmente bom, mas que consegue nos manter interessados. Mas calma que vamos falar mais sobre o game na sequência!
Um pacto com o tinhoso
Devil’s Hunt nos apresenta a Desmond, um jovem que parece ser o retrato do sucesso: morando em uma mansão de cinema e saindo com uma gata, ele ostenta um carro de luxo enquanto sai com seus amigos e treina para lutar em clubes da luta clandestinos que funcionam na surdina nas noites de Miami.
Um dia, porém, as coisas mudam drasticamente: Desmond se desentende com seu pai — que também é seu chefe –, perde uma luta contra um estranho e ao chegar em casa, encontra a garota (que tinha acabado de pedir em casamento) na cama com seu melhor amigo. O cara simplesmente não consegue lidar com tantos fracassos, e em um momento de desespero, atira-se de uma ponte com seu carro.
Como quem se suicida vai para o inferno, Desmond acorda por lá, e acaba sendo convencido pelo tinhoso a voltar à Terra para fazer uns servicinhos sujos — e de quebra, vingar-se de seu amigo e de todos que lhe traíram. Ele também acaba descobrindo que é uma espécie de “escolhido” — no jogo, chamado de “Salvador e o Destruidor” –, e seus poderes interessam tanto aos demônios quanto aos anjos, que, como sempre, estão em uma guerra pelo destino do mundo.
Assim, nesta vida após a morte, Desmond irá descobrir poderes demoníacos que irão lhe ajudar em sua missão. Há alguns plot twists aqui, e logo Desmond descobrirá que nem tudo era o que parecia em sua vida anterior. Assim, o que era uma jornada de vingança pode acabar virando algo maior, que pode definir os rumos da eterna guerra entre céu e inferno.
A história de Devil’s Hunt definitivamente não é nenhuma maravilha, mas os produtores sem dúvida esforçaram-se para contá-la de um jeito maneiro: o jogo é cheio de cutscenes bacanas, e enquanto viaja entre a Terra e o Inferno, Desmond irá conhecer um punhado de personagens interessantes. Não que o elenco leve a história nas costas, mas, como já dito, tudo fica com aquela aura de filme B de ação. Algo que não sei se é proposital ou não, mas tem seu charme.
Eu sei que falando assim parece que a história do jogo simplesmente não presta, mas não é verdade: é só que ela é clichê demais. Já vimos esse lance de “anti-herói que faz um pacto com o demônio para se vingar” centenas de vezes, de modo que o que falta aqui é originalidade — até no protagonista, que, convenhamos, parece um Dante genérico.
Na verdade o maior problema narrativo aqui é que a história não termina: Devil’s Hunt claramente foi pensado para ser uma série, de modo que o que temos aqui corresponde à primeira parte da história. Assim, o jogo termina de repente, sem uma conclusão de verdade.
Quando falamos de algo com uma sequência garantida, é até ok uma história acabar na metade (tipo Vingadores Guerra Infinita), mas aqui estamos falando de uma nova IP, que provavelmente vai precisar “se provar” e vender bem para ter uma parte 2. Logo, o futuro de Devil’s Hunt como uma série não é algo realmente concreto, o que torna esse final inconclusivo bem decepcionante.
Tá, mas e o gameplay?
Também não ganha muitos pontos por originalidade. O que temos aqui é um jogo de ação e pancadaria bastante linear, que nos coloca para surrar anjos e demônios usando poderes demoníacos variados, que transformam os braços de Desmond em carapaças reluzentes — e, assim como Dante, ele também pode assumir uma forma demoníaca muito mais poderosa por alguns instantes.
Curiosamente, o gameplay de Devil’s Hunt está mais para um Souls-like do que para um hack ‘n slash. Temos os botões de ataque mapeados no RB e RT do controle (joguei com um controle de XOne), com o X servindo para dash/esquiva e o LB assumindo uma nem tão útil função de parry (que só funciona para ataques específicos). Os botões principais (X, Y e B) podem ser configurados para acionar diferentes poderes demoníacos, que vamos desbloqueando em uma árvore de habilidades tripla conforme acumulamos almas. Há 3 “tipos de braço” diferentes, cada uma com suas próprias habilidades.
A barra de vida de Desmond é modesta, então estar sempre em movimento é fundamental para não morrer de bobeira. Os inimigos comuns vêm em pequenos bandos, e há alguns chefes apelões que possuem ataques em área e podem summonar seus minions para infernizar. Faz falta um botão de “lock on” para travarmos a mira em um inimigo, mas com o tempo, a gente acaba se acostumando.
Devil’s Hunt tenta emular os golpes finais viscerais que vemos em jogos como God of War e Darksiders, mas geralmente não é lá muito bem sucedido: se por um lado o game até tem animações de combate decentes, por outro falta peso, impacto, algo que faça os golpes parecerem realmente dolorosos. Assim, quando vemos Desmond rasgando uma garganta na unha ou arrancando uma cabeça no soco, a coisa acaba parecendo mais cômica do que violenta.
Quando não estamos surrando criaturas angelicais/demoníacas, estaremos explorando cenários majoritariamente lineares que podem ser tanto subúrbios quanto elegantes prédios comerciais ou mesmo palácios infernais em ruínas. Não há muito espaço para exploração, e algumas bifurcações simplesmente nos permitem encontrar um punhado extra de almas para coletarmos. De resto seguir em frente sem se perder é bastante simples.
A forma como a ação de Devil’s Hunt se apresenta lembra um pouco a dos jogos de arena: enquanto estamos explorando, sequer podemos “socar o ar” ou usar os poderes de Desmond — o gameplay resume-se a seguir em frente, com breves teleportes ou escaladas aqui e ali. Quando chegamos em uma “arena”, os braços do personagem mudam de aparência, deixando claro que é hora do pau. Inimigos vencidos, Desmond volta à sua forma original, e a gente segue em frente, até o próximo grupo de inimigos. Está fórmula repete-se por todo o jogo.
Assim, vamos de fase em fase, explorando cenários lineares enquanto coletamos almas, lemos alguns documentos espalhados pelo cenário (que servem mais para contextualizar o mundo do que para evoluir a trama de fato) e esmurramos monstros variados. Entre uma coisa e outra, uma cutscene com pinta de filme B evolui a história. É uma cadência simples e fácil de acompanhar, o que mantém o jogo num bom ritmo.
Audiovisual
Se tivesse que rotular Devil’s Hunt dentro de algum padrão da indústria, diria que ele é um daqueles jogos “AA”, onde estão títulos que claramente têm mais verba do que um jogo indie “tradicional”, mas que também não possuem o budget (nem a qualidade) de um legítimo game AAA.
Dito isso, no geral Devil’s Hunt não decepciona: ele sem dúvida parece um tanto genérico na maioria do tempo, mas é um jogo bonito, e vez ou outra nos surpreende com algum cenário realmente impressionante, algo que evidencia que houve um capricho na direção de arte. Não em toda ela, mas em alguns elementos.
O visual dos personagens, por outro lado, é bem “qualquer coisa”. O protagonista parece o apresentador Luciano Amaral, e salvo dois ou três coadjuvantes, no geral todo mundo parece genérico. Os modelos não entregam lá muita emoção nas cutscenes, ainda que os dubladores se esforcem para dar alguma personalidade ao elenco — destaque para o “Serrote” e seu sotaque fanfarrão fortíssimo.
A trilha sonora é inconstante de um jeito que eu não consegui ter certeza se é proposital ou não: ela só aparece de vez em quando, e em momentos que mereciam uma música maneira — tipo uma boss battle — ela some completamente. Pode ser bug (joguei antes do lançamento), mas é algo que causa alguma estranheza.
Devil’s Hunt chega com menus e legendas em português brasileiro, e embora traga alguns errinhos, no geral a tradução é decente, não poupando o jogador dos palavrões que permeiam boa parte dos diálogos.
Conclusão
Tenho consciência que, por tudo o que eu disse aqui, Devil’s Hunt parece um lixo. Mas ele não é: ok, sua história é extremamente clichê e seu gameplay nunca supera a barreira do “bom”, mas estes elementos se completam para oferecer uma experiência minimamente decente, que cumpre seu propósito como obra de entretenimento.
Ou seja, o que temos aqui não é um jogo que vai mudar a vida de ninguém, mas que oferece umas 8 horinhas honestas de diversão. Como eu já disse lá no primeiro parágrafo, Devil’s Hunt parece aqueles filmes que a gente têm consciência de que são ruins, mas continua assistindo só para ver o final — uma pena que aqui o final nem seja um desfecho de fato.
Isso está longe de ser um elogio, mas há jogos que não conseguem nem isso. Quantos games a gente simplesmente para na metade por não conseguir mais ir além? Me julgue, mas eu não consegui nem terminar Red Dead Redemption 2 — o ritmo do jogo é arrastado demais, me dá sono. Aqui eu consegui ir até o final sem que isso tenha sido um sacrifício, e me diverti distribuindo sopapos e acompanhando uma história galhofa. Isso não quer dizer que Devil’ Hunt é melhor do que Red Dead Redemption 2, não me entenda mal: só quis ilustrar que ir até o final dele foi bem tranquilo, então sua cadência, seu dinamismo, me agradaram mais.
Claro que eu falo isso como alguém que não precisou pagar pelo jogo — recebemos uma cópia antecipada da distribuidora para review — mas, na pior das hipóteses, Devil’s Hunt pode ir para sua wishlist, para ser adquirido quando estiver com um precinho mais em conta (lembrando que ele nem é um jogo full price), pois pode render uma boa diversão quando você só quiser distribuir umas porradas, sem ter que pensar muito.
Devil’s Hunt está sendo lançado hoje (17/09) para PC. No futuro, ele também deve chegar ao Playstation 4, Xbox One e Nintendo Switch.