Análise Arkade: Dreams, uma fantástica fábrica de sonhos (e jogos) no PS4
Dreams é o mais novo exclusivo do PS4, que chegou cercado de expectativas. O jogo, dos mesmos produtores da série LittleBigPlanet, promete ser uma verdadeira “fábrica” de jogos, onde os jogadores podem dar asas à imaginação para criar seus próprios jogos, curtas animados, e muito mais. Será que o jogo cumpre essa promessa? Vamos descobrir!
Dreams passou mais de 5 anos em desenvolvimento. O jogo foi anunciado lá na E3 2015 — bons tempos em que a Sony ainda participava da feira… — e, apesar de seu conceito altamente abstrato, conseguiu deixar todo mundo com a pulga atrás da orelha por seu potencial lúdico/criativo.
De lá para cá, o título foi lapidado e expandido, passou por algumas sessões de testes, onde a comunidade pode experimentar as ferramentas do jogo e começar a criar suas próprias obras. E agora, no “último ano” do PS4, Dreams enfim está finalizado… ou não, visto que boa parte da graça do jogo é seu potencial de ser infinitamente alimentado pela comunidade!
Exploramos o mundo de Dreams controlando uma simpática criaturinha chamada “Bichim” (imagem acima). Ela é nosso avatar naquele mundo, e é com ela que podemos interagir com tudo o que há no “Sonhocosmo“, o vasto universo do game, onde podemos 1) experimentar as criações da comunidade ou 2) criar seus próprios jogos e experiências interativas!
O Sonho de Art
Eu não tinha muita certeza do que esperar de Dreams, mas queria que ele tivesse algo para me mostrar além de sua “fábrica”. Felizmente, ele tem. A Media Molecule criou uma pseudo-campanha para ele, que nos apresenta a um contrabaixista de jazz chamado Art, que precisa resolver algumas pendências consigo mesmo para poder voltar a fazer o que ama — tocar com sua banda.
A história é interessante e divertida, mas um bocado confusa. Art está em busca de seu dragão Asalança, que foi aprisionado por um corvo sinistro chamado Bicoespinho. Para ajudá-lo nesta missão, ele irá “ressuscitar” alguns brinquedos de sua infância, bem como um simpático casal de raposas roqueiras.
Tudo isso acontece no plano dos sonhos, misturando plataforma 3D com alguns puzzles simples e um pouco combate igualmente simples. No plano “real”, o jogo se comporta mais como um point and click; vamos guiando Art por diversos cenários, interagindo com objetos e elementos que nos permitam levar a história adiante.
Apesar de abstrata e sem noção, esta pequena campanha é divertida, e serve para nos dar um gostinho de muito do que é possível fazer com Dreams: ao longo da jornada de Art, vamos passear por vários gêneros diferentes, o que sem dúvida dá uma palhinha do que pode ser criado aqui.
Ao longo das cerca de 4 horas de campanha, temos plataforma, puzzle, point and click…. sobra espaço até para um trecho estilo “jogo de navinha 2D” e alguns números musicais bem inspirados, tipo esse:
Experimentar O Sonho de Art é uma boa maneira de começar Dreams e entender mais ou menos como ele funciona e como seu Bichim pode interagir com as coisas. Inclusive, é possível controlar a criaturinha usando apenas os sensores de movimento do DualShock 4, e ainda que isso demande alguma prática, não deixa de ser um recurso interessante (e pouco usado em títulos que não são VR).
Embora seja bonito, interessante, e tudo o mais, O Sonho de Art sequer arranha a superfície de Dreams, que mostra a que veio de verdade nas criações da comunidade.
Explorando o Sonhocosmo
No momento em que escrevo este artigo, Dreams está completando uma semana de seu lançamento. É pouco tempo, mas ele já tem TONELADAS de conteúdo produzido pela comunidade, e a cada hora aumenta ainda mais a quantidade de produções feitas pelos jogadores.
Dreams é como uma tela em branco, esperando que o jogador a preencha com cor e vida. Muito além de jogos, há ferramentas no game para criar músicas, ilustrações, clipes, animações… o céu é o limite, e, já que o nome do jogo é Dreams, acredito que seja perfeitamente possível — com alguma dedicação — criar o jogo/obra dos seus sonhos dentro do game.
Quer alguns exemplos? Vamos lá. Já existe em Dreams, uma recriação altamente fiel de P.T., o teaser jogável do saudoso Silent Hills, que traz até os efeitos sonoros (sinistros) da obra de Kojima:
Outro que me chamou a atenção é um jogo 3D do Sonic que, embora estivesse meio bugado, já estava jogável:
E se tem jogo do Sonic feito por um “Seguista“, claro que também teve “Nintendista” criando um jogo do Mario em Dreams:
Também teve fã de Fallout recriando Fallout 4 em Dreams (não é o jogo inteiro, mas o que já tem lá está bem caprichado, e a recriação anda chamando a atenção de muita gente):
Também visitei um museu virtual, uma paródia de Read Dead Online (que só existe pela zoeira, mesmo), assisti a uma recriação de um trecho do filme Joker, ouvi uma música eletrônica bem psicodélica, vi uma imagem de um cachorro-quente absurdamente realista, experimentei um simpático joguinho de plataforma cujo protagonista é um bicho preguiça, um de navinha que lembrava muito Resogun, e por aí vai.
A comunidade parece ter realmente abraçado o conceito de Dreams, e só o tempo irá nos mostrar o que mais poderá ser criado dentro do jogo. Considerando que suporte ao PSVR já foi confirmado e uma continuidade do Sonhocosmo para o Playstation 5 deve ser anunciada em breve, a possibilidade deste acervo crescer ad infinitum por muitos anos é enorme.
A Media Molecule sabe disso, e promete manter a chama do hype acesa através de Jams semanais, desafios temáticos e concursos que vão estimular os jogadores a criarem ainda mais conteúdo, enchendo o Sonhocosmo de vida e criatividade!
Uma baita ferramenta
No fim das contas, é aí que está o verdadeiro valor de Dreams: ele dá a game designers em potencial a oportunidade de criar algo único e autoral dentro de uma interface intuitiva e (relativamente) fácil de usar.
Confesso que eu ainda não criei nada no game — além de achar a experiência em si meio intimidadora, essa nunca foi a minha praia: nem em jogos como Super Mario Maker eu tinha paciência de criar minhas próprias fases — mas já estou realmente de queixo caído com a quantidade (e, no geral, com a qualidade) — do que já vi em Dreams. Tanto conteúdo criado e compartilhado em tão pouco tempo é algo realmente impressionante.
Não duvido que logo teremos “olheiros” no Sonhocosmo, testando jogos criados pela comunidade e recrutando talentos promissores para trabalhos “de verdade” na indústria de games. Do mesmo jeito que já vimos grandes jogos sendo criados com o RPG Maker, não deve demorar muito para que algo realmente grande saia de Dreams — já há até MMOs sendo criados por lá!
Somado a isso, há o lado “rede social” do jogo: todos podem dar curtidas no que experimentam, seguirem outros jogadores, compartilharem screenshots, e muito mais. O próprio jogo destaca os conteúdos mais relevantes na própria interface do Sonhocosmo, mas, tal qual escolher o que assistir no Netflix, aqui dá para passar um bom tempo perdido, simplesmente escolhendo o que jogar. Felizmente, não há longos downloads, nem nada do tipo: tudo é dinâmico e responsivo, o que agrega ainda mais valor à experiência.
E isso é realmente fascinante: Dreams não é só um jogo, mas uma grande oficina, que dá aos jogadores a oportunidade de criar uma infinidade de coisas, mesmo sem qualquer conhecimento em programação. Quem quiser mergulhar de cabeça e começar algo do zero, pode, quem preferir pegar algo “pré-fabricado” e trabalhar em cima, também pode. Da temática ao ângulo de câmera, passando pela interface, há opções para todos os gostos, e a liberdade criativa — aliada à interface intuitiva — que o jogo oferece é algo nunca visto antes.
E sabe o que é mais louco: mesmo oferecendo tudo isso — e tendo este potencial de crescer infinitamente — o jogo foi lançado custando bem menos do que um “triple A” tradicional (na PSN ele custa menos de R$ 170, e a versão em disco já pode ser encontrada por menos de R$ 150). Um valor irrisório diante de todo o conteúdo que ele já oferece — e ainda vai oferecer.
Conclusão
Quem acompanha a Arkade sabe que não damos notas para os jogos que avaliamos, e adoro isso. Certas conceitos não merecem ser mensuradas por um “9” ou um “7,5”, e Dreams é um jogo particularmente difícil de atribuir uma nota, simplesmente porque ele não é apenas um jogo, e seu universo — ou melhor, seu Sonhocosmo — está em plena expansão.
Pretendo revisitar Dreams esporadicamente, até para listar aqui algumas das criações mais bacanas que eu encontrar pelo Sonhocosmo. Se só o que vi na primeira semana já me impressionou, imagina o que teremos daqui a 6 meses? 1 ano? Dreams tem potencial para ser eterno, uma verdadeira biblioteca de conteúdos digitais atualizada e ampliada pela sua comunidade.
Então, por enquanto, paro por aqui, mas deixo o conselho: se você alguma vez na vida já teve a vontade de produzir um jogo — ou um clipe, ou um curta-metragem, ou uma ilustração digital, ou mesmo uma música –, mas achou que não tinha o talento ou o conhecimento para tal, reveja seus conceitos: Dreams democratiza a arte de se criar jogos e experiências interativas, e se você tiver criatividade e força de vontade para dominar as ferramentas que ele lhe dá, poderá criar tudo o que sempre sonhou. E isso, meu caro, não é pouca coisa.
Dreams foi lançado em 14 de fevereiro, exclusivamente para o Playstation 4. O jogo está 100% localizado para o nosso idioma. Este review foi feito com base em uma cópia digital do jogo, que recebemos da Sony.