Análise Arkade: Salve a Terra de uma invasão de dragões em EarthNight

25 de janeiro de 2020
Análise Arkade: Salve a Terra de uma invasão de dragões em EarthNight

A cultura pop tem lá seus grandes clichês, e qualquer um de nós poderia citar dezenas deles rapidamente, mas poucos deles são tão óbvios quanto dragões. E não é raro encontrá-los nas mais distintas formas, com as mais diversas inspirações de origem. EarthNight investe pesado nesse elemento ao colocá-los não só como grandes inimigos do game, mas também como verdadeiros cenários ambulantes para uma grande aventura.

Salvar o planeta, claro

O jogo representa um belo exemplar de endless runner, ainda que não seja exatamente “endless”, com um certo tempero rogue-like. É, pois, daqueles games clássicos onde o personagem continua correndo adiante e cabe a nós, jogadores, usarmos os recursos que tivermos em mãos para desviar (ou mesmo derrotar) as pencas de inimigos que surgem, bem como coletar itens e as mais variadas tranqueiras que serão úteis mais tarde para evolução dos personagens principais.

Análise Arkade: Salve a Terra de uma invasão de dragões em EarthNight

O detalhe importante é que tudo isso acontece nas costas de dragões, daqueles mais próximos do que é visto em culturas orientais, com longos corpos de serpente. São várias destas criaturas que envolvem o planeta em diferentes camadas e, saltando de uma nave espacial, os protagonistas caem sobre eles, percorrendo toda a extensão do bicho até alcançar a sua cabeça e aí então tentar destruí-lo.

Isso porque estamos em um momento pós-invasão onde os poucos humanos que restaram acabaram por se exilar da Terra em naves que ficam orbitando o planeta, em uma camada acima das dezenas de dragões que o tomaram para si. Quase todo mundo se contenta com esse destino, até que os destemidos heróis do jogo, Sydney e Stanley decidem se rebelar e partem em busca de uma retomada, enfrentando todos os desavisados que atravessarem seus caminhos.

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Essa mecânica de queda livre passando por camadas lotadas de dragões funciona como um sistema de seleção de fases e cada grande camada externa da Terra agrupa dragões que influenciam diretamente na escala de dificuldade. É possível inclusive desviar deles – pulando etapas para alcançar os níveis mais próximos do planeta e enfrentar de vez os mais poderosos – ou procurá-los, passando por mais fases em cada camada.

Não negar as raízes

EarthNight não esconde a sua origem no mobile de controle e de evolução, uma vez que chega aos sistemas de mesa depois de passar principalmente pelos dispositivos Apple. Isso não se restringe somente ao gênero, ou mesmo os controles simplificados, mas também está marcado no visual, na reiteração e até mesmo em uma economia interna que, claro, não mantém a monetização de sistemas convencionais de free-to-play, mas garante a mesma lógica de acumular elementos (nesse caso, lixo que se torna água, a moeda interna do jogo) para melhorar um pouquinho mais antes da próxima investida.

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Assim, ao começar uma jornada escolhendo um dos dois protagonistas – um deles tem mais habilidades de combate enquanto a outra tem mais recursos de movimentação – a busca é sempre por ir um pouco mais longe, coletar mais lixo e outros itens especiais, avançar na batalha contra os dragões e, quando derrotado, conseguir retornar à nave e melhorar itens e equipamentos, bem como liberar novos recursos para a empreitada seguinte. É um jogo, sobretudo, que valoriza o retorno, a repetição, o passo seguinte.

Assim, mesmo que quase nunca os caminhos se repitam (a não ser pelo dragão roxo inicial, os demais não se repetirão com constância), aprender as nuances de distância, timing e diferenças entre os personagens jogáveis é o caminho natural para quem investe nesse retorno, para aquele bom e velho “só mais uma vez”. É um jogo de ação simples e ininterrupta, de jogabilidade rápida de se aprender e sem muitas variantes, e onde o desafio está na resposta imediata, no planejamento de curtíssimo prazo e na aprendizagem pelo erro.

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Contudo, essas raízes trazem consigo suas limitações. Ainda que o caminho de cada retorno à aventura seja praticamente único, com sistemas de geração procedural de desafios, obstáculos e escolhas distintas feitas em queda livre, a sensação de repetição pode surgir em algum momento, principalmente quando começamos a identificar certos padrões que começam a se tornar previsíveis, ou ainda quando começamos a nos dar conta que vários dos coletáveis meio que não fazem tanta diferença assim depois de um tempo.

A escalada do desafio também contribui para essa sensação, já que ela evolui de forma muito acelerada, herdando uma característica comum de games mobile. Logo, os primeiros níveis de dragões começa a se tornar fácil demais, enquanto os seguintes complicam rapidinho. A barra de vida recebe as consequências disso. Se nas primeiras duas, três fases ela se torna quase intocável, basta uma sequência ruim logo no que vem pela frente para complicar a caminhada inteira.

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Isso acarreta num ciclo de repetição que, em dado momento da evolução do jogador, começa e termina nos mesmos pontos, tirando aquela percepção já dita nesse texto de “fui um pouquinho mais longe desta vez”. A evolução, com o desbloqueio de novos recursos e habilidades, estaciona e logo são necessárias mais e mais repetições para abrir um novo item, ou melhorar um já existente. E, nesse momento, o jogo pode perder um pouco do interesse, do agenciamento.

(Quase) Feito a mão para se ver e ouvir

EarthNight segue o já clássico sistema de runners de progressão lateral 2D, com um visual caprichado e cheio de detalhes impressionantes, sobretudo na composição dos personagens principais, dos inimigos comuns e, claro, dos imponentes dragões. Há um trabalho muito refinado na concepção de volume e da profundidade de campo, até por toda a ação se passar em espaços abertos, no céu distante do planeta.

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Esse nível estético apurado muito acima da média se deve, em grande parte, ao trabalho de Mattahan, artista que, segundo a desenvolvedora, é responsável pela composição e pintura de mais de 10 mil frames de arte e animação do game. Tudo isso compondo um universo quase surreal com uma trilha eletrônica cheia de melodia, batidas suaves com ótimas variações que dão ritmo e ludicidade à aventura.

É um trabalho artístico quase artesanal, uma mistura de técnicas e tecnologia que agregam valor e imersão ao projeto, valorizado sobretudo por uma dinâmica quase sem telas de loading ou menus espalhafatosos. Tudo é muito prático e facilita um retorno quase que imediato à ação, fortalecendo ainda mais aquela sensação de que 15 minutos se tornam 4 horas sem tempo para nos darmos conta disso.

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Claro, a famigerada repetição pode pegar um pouco aqui também, já que os dragões (e portanto cenários) da mesma camada tendem a ser muito semelhantes entre si, variando, quando muito, na cor. E como as primeiras camadas tendem a se repetir muito, começa a ficar tedioso enfrentá-los o tempo todo, mais uma vez. A vantagem aqui é conseguir passar diretamente por eles e “pular” fases para ir até as mais profundas, interessantes e diversas. Mas falta personalidade para essas criaturas que são, afinal de contas, o ponto central do jogo.

Conclusão

EarthNight traz consigo muito do que é visto em outros jogos do gênero em termos de jogabilidade, progressão e evolução compartimentalizada, mas consegue migrar para sistemas de mesa com muita personalidade, graças à uma direção artística muito competente, uma temática quase universal e uma experiência simplificada que valoriza a repetição e a resiliência do jogador.

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Contudo, não é um jogo com capacidade de nos cativar ao longo do tempo e a reiteração, parte de seu charme, pode começar a incomodar, diminuindo assim o envolvimento a longo prazo. Os dragões poderiam trazer consigo mais personalidade, mas a dinâmica acelerada sem momentos de respiro garante uma diversão ininterrupta, intensa e com aquela sensação de simplicidade e desafio que estão em falta nos projetos mais pretensiosos dos dias atuais.

Disponível há algum tempo para dispositivos iOS, o jogo já pode ser desfrutado no PC, Playstation 4 e Nintendo Switch, infelizmente somente no idioma original, o inglês.

Paulo Roberto Montanaro

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