Análise Arkade: seja tudo o que quiser no filosófico Everything
Everything é um jogo que andou deixando todo mundo bem curioso: ele é um jogo que permite que você seja qualquer coisa — de uma formiguinha no chão à uma galáxia inteira. Será que essa ideia funciona bem na prática? Vamos descobrir!
Um jogo que não é bem um jogo
A definição de jogo é algo muito amplo, e não vamos descambar para uma discussão etimológica sobre isso. Mas é fato que, como jogo de videogame, Everything deixa um pouco a desejar. Ele está mais para uma experiência interativa altamente filosófica. Não há um real objetivo, nem uma narrativa, nem nada. Há basicamente a exploração pura e simples, com alguns elementos interativos aqui e ali.
Você começa o jogo controlando um pontinho de luz questionador que logo toma a forma de algum ser vivo — aparentemente é aleatório, eu comecei como um cavalo, mas um colega meu iniciou sua jornada como um leão. Sem muitas explicações ou tutoriais, só o que lhe resta fazer é explorar.
Confira abaixo um gameplay com quase 25 minutos, onde começamos com uma partícula de poeira e “passeamos” por diversas criaturas diferentes:
Conforme você avança pelo vasto cenário, vai sendo apresentado a alguns dos conceitos básicos do jogo: você pode interagir com certas criaturas e se comunicar de forma rudimental. Também é possível ouvir oque alguns seres “pensam”. Quando encontra seres da mesma espécie, você pode criar um bando, e com pelo menos 2 no seu bando, pode realizar uma “dança da procriação”, que faz novos seres daquela espécie nascerem.
Não pense que o jogo limita você apenas a animais ou seres vivos (do ponto de vista orgânico). Você pode assumir o controle de pedras, galhos, postes, casas (?!), ilhas, nuvens… praticamente qualquer coisa — daí o nome do jogo, afinal. De uma molécula de poeira a um sol, ou até uma galáxia inteira, quanto mais você viaja, mais seus horizontes se expandem.
Filosofia
Conforme explora os vastos mundos de Everything, você invariavelmente vai encontrar ícones coloridos, que são meio que como os audiologs de um jogo tradicional. Estas gravações são trechos reais da obra do filósofo e escritor Alan Watts (1915 – 1973), estudioso que se esforçou para trazer a filosofia asiática ao Ocidente, e ajudou a difundir o pensamento niilista.
Ainda que muitas vezes estas gravações pareçam meio deslocadas, quase todas elas abordam temas condizentes com o game, a vastidão do universo x a pequeneza do indivíduo, a origem da vida e do universo e como tudo está conectado em níveis que somos incapazes de assimilar. É bastante conteúdo filosófico para uma mídia que não costuma ir tão fundo nestes temas.
Sabe aquela cena do final do primeiro filme MIB: Homens de Preto, que mostra que toda a nossa galáxia nada mais é do que uma bolinha de gude nas mãos de alguma raça alienígena colossal? Essa cena aqui, ó:
Everything tem um pouco disso: tudo está conectado de algum jeito, e não importa quão “longe” você vá — e olha que ele chega a dimensões bem psicodélicas –, no fim, sempre haverá algo ainda maior (ou menor). Tudo está dentro de tudo.
Acho que a experiência filosófica que o jogo entrega é especialmente válida para pessoas que se acham “o centro do universo”. Everything bagunça nossas percepções mundanas de perspectiva, e nos faz perceber que, na escala cósmica do universo, somos pouco mais do que um grão de poeira. Sem dúvida pode servir como um choque de realidade para quem acha que o mundo gira ao redor do umbigo.
Audiovisual
Everything é um jogo indie com cara de jogo indie. Ele acerta em alguns pontos, mas erra em outros. A maneira com que ele brinca com as dimensões é muito legal — você pode “ser” uma partícula de poeira, depois uma árvore, e dali “virar” um planeta em questão de segundos. A perspectiva e toda sua magnitude são, sem dúvida, muito interessantes.
Também é bacana a maneira como tudo conversa de forma não verbal. A gente sabe qual o som que faz um cavalo, ou um macaco, por exemplo, mas e qual o som de uma constelação? Ou de uma célula? Everything inventa barulhinhos para tudo o que o jogador é capaz de controlar, e na maioria dos casos estes sons parecem realmente adequados para a “criatura” em questão.
Confira abaixo um trecho um pouco mais “cósmico” do nosso gameplay, onde viajamos por lugares psicodélicos muito além de nossa galáxia, dimensões dominadas por mundos de cristal e seres de luz e movimento:
Deixa muito a desejar, porém, a falta de polimento do jogo: as criaturas vivas sequer possuem animações decentes — elas geralmente saem rolando ou quicando pelo cenário — e bugs de colisão (objetos atravessando uns aos outros) podem até parecer condizentes com a pegada filosófica do game, mas realmente não são bonitos de se ver, e acontecem aos montes.
A impressão que dá é que faltou um polimento geral em praticamente tudo, visualmente falando: as texturas são simples, os cenários são genéricos, e as animações são ridículas de tão toscas. Ah, e se quiser entender todo o blá-blá-blá filosófico de Everything, é bom que esteja com seu inglês em dia, pois o game não possui legendas em português.
Conclusão
É difícil definir se Everything vale ou não a pena, simplesmente por ele ser tão diferente de praticamente qualquer outra coisa que existe no mundo dos games. Ele é uma experiência filosófica interativa que me parece mais adequado à uma galeria de arte digital, ou um ambiente acadêmico. Os gamers “tradicionais” nem sempre são muito receptivos a jogos que, à grosso modo, sequer têm um objetivo.
Porém, acho que Everything oferece algo que muitas vezes é ignorado pelos games “tradicionais”: de um jeito bem peculiar, ele fomenta a reflexão, o pensamento filosófico sobre a nossa vida e o nosso papel no universo. Por mais “não jogo” que seja, ele sem dúvida se destaca por ser diferente, ousado e até um pouco estranho, de forma positiva.
Everything está sendo lançado hoje no Playstation 4. Em abril, o game chega aos PCs.