Análise Arkade: FIFA 23 mantém seu legado de qualidade e poucas mudanças
Ano após ano, título após título, cá estamos nós renovando os ânimos para uma nova edição de uma das franquias mais populares do mundo. FIFA 23 enfim chegou, prometendo, como sempre, novidades dentro e fora de campo sutis para olhares mais distantes, mas significativos para fãs de longa data e jogadores mais dedicados. Para não alongar esta análise para além da conta, já adianto que em nossa prévia destacamos algumas destas promessas. Caso não tenha lido, confere lá depois.
Esta é, como sabemos, a última edição da marca como a conhecemos. Com o fim do contrato entre a EA e a entidade máxima do futebol, havia uma certa expectativa sobre como o jogo seria tratado: uma despedida em grande estilo que celebrasse a longeva parceria ou só mais uma edição para cumprir tabela. Depois de experimentá-lo ainda com o anterior fresco na memória, posso dizer que, no geral, o resultado final está no meio termo. Se sim, temos uma percepção inevitável de que continua sendo o mesmo FIFA de sempre, algumas adições são perceptíveis o suficiente para entendermos a evolução (nem sempre positiva) de uma edição pra outra.
Uma nova carreira
Sem a possibilidade de importar progressos seja qual for o modo, confesso que um dos aspectos mais frustrantes é ter que sempre começar tudo do zero. No modo Carreira para treinador, o meu lugar preferido do jogo off-line, meu poderoso Arkade FC, o time da firma, já estava, em FIFA 22, em sua quarta temporada disputando a Champions League e com estrelas como Mbappé e Halland comendo a bola. Passando para o novo jogo, lá vamos nós começar tudo de novo, levando jogadores modestos como o goleirão Rodrigo Pscheidt, o zagueiro bate-estaca Gilson Peres, o volante arranca-toco Renan do Prado, o meia das pernas tortas Stephano Luiz e o atacante caneleiro Paulo Montanaro, para saltos maiores.
Neste modo, algumas opções de personalização, certos treinamentos e detalhes na interface foram atualizados, mas foi onde senti a menor diferença de uma edição para outra, principalmente porque preferi continuar com um avatar personalizado no lugar de usar um técnico consagrado. O sistema de negociações é exatamente o mesmo, contando inclusive com animações e modelos de negócios que já vimos no último grande salto; a dinâmica de entrevistas pré e pós-jogos tem as mesmas questões e respostas; o sistema de categorias de base também não mudou nada e a montagem de elenco e estratégias personalizadas será de grande familiaridade para qualquer um que já tenha experimentado o modo nos últimos anos.
Já na Carreira para jogador, houve mudanças um pouco mais significativas. Se o modelo RPG, que conta com árvores de habilidades, se mantém de forma sólida, agora há uma mecânica de personalidade, onde atitudes fora do campo influenciam na configuração do jogador. Por exemplo, entrevistas e atitudes que o levem para o lado mais rebelde garantem atributos de maior espontaneidade dentro de campo, como drible e criatividade. Já para aqueles mais altruístas, se tornar a alma do time melhora habilidades mais conjuntas, como passe. É uma adição que pode parecer mais burocrática para quem se importa pouco com contexto, mas que cobre a falta de um modo história mais narrativo de forma bem satisfatória.
Além disso, foi adicionada a possibilidade de jogar alguns momentos pontuais durante os jogos da temporada para quem não quer jogar todos os noventa minutos de cada peleja. Para esse modo em específico, onde passamos 80% do tempo assistindo a IA do nosso time jogar e nos posicionando até que a bola chegue a nossos pés, é uma opção interessante, não fosse falha. Na prática, entrar por meio de recortes pode ser frustrante porque por várias vezes seu time age de forma estúpida e você sequer tem a chance de tentar fazer alguma diferença. Ou o time perde a bola antes de tocar pra você, ou se posiciona sem qualquer critério forçando ou que se escolha sempre a jogada individual, ou que na tentativa da jogada coletiva se chegue a lugar nenhum.
Essa possibilidade de se jogar momentos, aliás, é um dos maiores incrementos também no principal modo do jogo, o FIFA Ultimate Team, ou FUT para os mais íntimos. Contudo, aqui parece que as coisas são melhor balanceadas e, ao menos com as opções disponíveis atualmente — conforme se passam as semanas, os trechos disponíveis serão atualizados — é possível se divertir bastante vivendo momentos específicos, por exemplo, da carreira de Killian Mbappé, co-estrela desta edição, ou cumprindo missões pontuais, como fazer uma quantidade específica de passes, dribles e finalizando em gol.
E já que estou falando do FUT, a mais alardeada mudança aqui estava pautada em um novo sistema de entrosamento, que basicamente mede a afinidade do time. Se antes o medidor variava de 1 a 10 e estava direcionado a quanto o jogador conhecia seus companheiros diretos de posição, agora a escala está entre 1 a 3 estrelas e considera o time inteiro. Ou seja, se você tem jogadores de um mesmo país, de uma mesma liga ou de um mesmo time, terá mais vantagens no entendimento deles em campo, facilitando posicionamento, movimentos coletivos e, deste modo, o percentual de sucesso em jogadas como passes, lançamentos e cruzamentos.
Por fim, o Pro Clubs e o Volta foram unificados em um sistema de progressão comum, onde ambos compartilham o mesmo avatar, a mesma barra de experiência e alguns dos mesmos atributos. Para quem tem esse ranço que eu tenho de sempre recomeçar do zero, é uma melhoria sutil, mas muito bem-vinda, porque inevitavelmente ambos concorriam pelo interesse e pelo investimento do jogador, já que poucos têm tempo ou paciência para ficar retroalimentando todos os modos ao mesmo tempo. Na prática, porém, essa é alteração mais significativa de ambos os modos, e confesso serem os dois menos atrativos atualmente. Para quem ainda esperava um Volta cada vez mais próximo da malemolência moleque dos tempos de FIFA Street (ainda que haja, sim, mais leveza e descontração se comparado à última versão), ainda não chegamos lá.
Dentro das quatro linhas
Burocracias a parte, no final das contas o que importa mesmo é quando a bola rola, certo? Neste caso, FIFA 23 é muito similar ao que já vimos antes, consolidando a passagem para a nova geração. O celebrado HyperMotion2, sistema de animações, física e movimentaç`ão geral que tem por objetivo aproximar o esporte virtual cada vez mais do realismo, de fato pode ser sentido em vários momentos. Fica mais evidente identificar a forma como um jogador corre, seus movimentos de drible e até posicionamento de chute, principalmente aqueles mais famosos que a audiência já conhece. A fluidez em cada movimento, de fato, não decepciona.
Esta característica, porém, não é livre de falhas. O modelo de colisão por vezes se comporta estranhamente, algumas trombadas têm efeitos desproporcionais, por vezes o atrito e a inércia meio que arrastam o jogador sem motivos, e não é raro vermos alguém perdendo a bola por uma fração de segundos por um efeito inesperado, como cair em uma simples disputa de cabeça. Quando coisas assim me acontecem, tendo a concluir que a culpa é minha, mas como vi acontecendo muito mais com a CPU do que comigo, algo realmente pode não estar respondendo bem. Não é nada muito frequente ou de grande impacto no todo, mas também não é difícil perceber quando acontece.
Como consequência, é necessário se adaptar para evitar, por exemplo, faltas desnecessárias, abandono de bola fora de hora e ficar no chão depois de uma disputa aérea. Contudo, se há algo que fica distante desta tentativa de contenção de efeitos colaterais é o goleiro, que claramente passou por uma reformulação que ficou muito longe de dar certo. Em FIFA, os goleiros nunca foram uma constante muito coesa, mas nesta edição 23 estão piores do que… bem, do que em qualquer jogo anterior da franquia. Não só porque tomam gols inexplicáveis em bolas fáceis, mas também porque o nível de milagres também é mais escandaloso.
Ou seja, é possível que o goleiro adversário de grande prestígio, por exemplo um Neuer ou um Donaruma, tome um tento bobo de um chute mascado no meio do gol de fora da área, e no ataque seguinte o seu modesto goleiro nível prata defenda uma bola a queima-roupa de dentro da pequena área como uma verdadeiro mestre Jedi. Para quem se irrita com tais “injustiças”, um prato cheio para justificar um controle espatifado na parede e, claro, não vão faltar telas de estatísticas em redes sociais onde alguém prova que perdeu o jogo mesmo tendo dado vinte chutes na direção do gol e tomado só um ou dois. Faz parte de um fator aleatório presente em jogos do gênero, mas mesmo assim, a constância nas falhas grosseiras é algo a ser corrigido.
Outra mudança para este ano, o chamado Power Shot que substitui alguns modelos anteriores, parece muito melhor implementado. É basicamente um chute mais caprichado, potente e matador, com grande chance de sucesso, mas que demanda um tempo de carregamento bem maior do que arremates convencionais. Para quem consegue abrir espaço e calcular bem o timing do efeito, uma ótima inclusão, mas que, em contrapartida, não atrapalha o equilíbrio do jogo porque realmente demanda um tempo precioso que boas defesas jamais abririam espaço para tal. É um ótimo recurso, portanto, para contra-ataques, ou para aquele belo drible que deixa o zagueiro para trás.
A maior surpresa, porém, veio em novas-velhas mecânicas de bola parada. Aquele cursor de ponto futuro foi substituído por linhas de direção, e agora há um controle mais acessível da posição do pé na batida. Você pode, por exemplo, aplicar a mesma força, mas se pegar mais embaixo da bola terá um resultado complemente diferente. Se em um primeiro momento assusta, a prática em escanteios e cobranças de falta pode trazer ótimas recompensas. O mesmo vale para pênaltis, e agora há também uma janela de timing para o chute, acrescentando tensão e variabilidade ao modelo modorrento anterior. Neste aspecto, um ponto muito positivo para FIFA 23 na inevitável comparação com seus predecessores.
Já a inteligência artificial, algo que me incomodava muito até então, parece muito mais eficiente e adequada, não só porque os nossos aliados se posicionam de forma mais interessante para jogadas trabalhadas, tabelas e ações coletivas, mas principalmente quando o time adversário se tornou mais objetivo e letal. Até a versão 22, jogar contra a máquina em modos como o FUT ou Carreira era um exercício de paciência e resiliência na recuperação da bola, sobretudo nos níveis de maior dificuldade, porque os jogadores eram basicamente imunes a erros de passe e divididas, e simplesmente poderiam ficar com a bola eternamente rodando de um lado para o outro e aplicando dribles invencíveis, perdendo a bola só quando finalizavam a jogada.
Como isso era equilibrado pelo jogo? Os arremates eram de péssima qualidade. Ou seja, era comum ganhar jogos, golear até, mesmo tendo menos de 30% da posse de bola. Agora, é o inverso: a CPU é mais direta, a troca de passes tem uma objetividade mais direcionada ao gol, e por isso mesmo, os times se arriscam mais. Bom para quem quer ter um embate franco de disputa e recuperação de bola, mas ruim para quem tem dificuldades em armar defesas, já que esta mudança de postura resulta em mais ações de ataque reais e um melhor aproveitamento de finalizações. Em outras palavras, enfrentar a máquina agora é mais perigoso, mas muito mais divertido pela sensação de equiparação na vontade de vencer.
Não espere por milagres, porém. As assistências do jogo continuam falhas e cobram caro. A mudança de cursor ainda é caótica — selecionar o volante e não o zagueiro é um tormento — e no ataque inimigo é comum ficarmos brigando com a zaga para que ela não se esfarele e abra um rombo irrecuperável no meio da área. O direcionamento de passes e, principalmente, lançamentos longos podem ser praticados, mas para os mais experientes, melhor trabalhar com configurações manuais ou, no máximo, semi-assistidas, porque ao menos erros ridículos se tornam realmente de nossa responsabilidade.
Jogo bonito
Se há um aspecto que não traz nenhuma grande diferença do que já vimos e que continua muito competente é o trabalho estético do game. Sim, a velha sensação do vale da estranheza permanece e duvido que um dia chegue no ponto de não incomodar, até pelo menos que alguém comece a implementar recursos de deep fake em jogos do gênero, mas toda a ambientação é extremamente bem trabalhada. Muitos jogadores bem representados, campos com texturas assombrosas, uma torcida muito viva e vibrante e efeitos climáticos convincentes dão o tom que já nos acostumamos. Sem toda aquela pirotecnia que vemos em jogos licenciados de ligas norte-americanas de outros esportes, o clima de domingão de futebol aqui está cada vez mais presente.
Algumas expressões faciais ainda são meio robóticas, a grande maioria das animações e comemoração são recicladas e certos detalhes e texturas ainda têm pontos a melhorar, mas considerando a quantidade de jogadores presentes na casa das centenas, senão milhares, há que se destacar que tudo está muito próximo da excelência. A interface de alguns modos, por sua vez, continua atravancada, e sigo achando que o FUT tem telas demais para a conclusão de uma mesma ação. Porém, como é uma estrutura de menus e submenus sem mudanças significativas, não chega a ser um elemento impeditivo. No máximo, é enfadonho ficar abrindo envelopes, esperar a animação de revelação do jogador, ir pra tela onde você confirma que quer o jogador, e por aí vai.
A seleção musical segue uma bela tradição com ótimas canções. Pessoalmente, fiquei mais apegado às da edição anterior, mas pode ser só questão de costume. Toda a ambientação sonora do campo de jogo é muito bem aproveitada, a quantidade de cânticos de torcida é significativa, ruídos e efeitos transbordam aos montes e o trabalho de vozes, em especial na edição brasileira, é espetacular. Pena que a participação da Natália Lara seja tão diminuta e restrita a dar resultados de jogos em paralelo nos modos de campanha, mas em contrapartida Gustavo Villani e Caio Ribeiro transbordam simpatia e trazem para o jogo um clima de transmissão da vida real. O narrador, aliás, tem alguns dos melhores bordões de sua geração e com a sua presença constante no jogo vai sedimentar uma nova leva de garotos e marmanjos que certamente deve repetir os chavões naquela peleja de rua. Joga a luva, goleirão!
Para nós, brasileiros, a localização de idioma é o maior acalento, já que o mesmo não acontece com o futebol nacional em si. Há times brasileiros no jogo, especificamente todos os que participam dos torneios oficiais do nosso continente (a Libertadores da América e a Copa Sulamericana, ambos oficialmente licenciados pelo game), mas infelizmente sem os elencos reais. Não há sequer uma Liga Brasileira genérica no jogo, e até as seleções canarinho, tanto a feminina quanto a masculina, seguem sem os jogadores reais, mesmo aqueles devidamente presentes em seus clubes. Tomara que ao menos no conteúdo extra das Copas do Mundo esteja todo mundo lá. E tomara, principalmente, que as burocracias por aqui sejam resolvidas para que se torne mais fácil e mais prático negociar esses direitos aqui como é em outros lugares do planeta. Até os argentinos estão na nossa frente, assim não dá.
Conclusão
É inegável que FIFA 23 não é o jogo que vai revolucionar o gênero, tampouco convencer os não adeptos do esporte virtual a entrar nesse universo. Certamente, não é também o que vai convencer os fãs da franquia rival a mudar de lado, porque carrega consigo alguns dos mesmos vícios que causam repulsa nos convertidos do ex-PES, como o sistema de drible, de posicionamento e de troca de passes. Então nada é mais evidente do que isso: FIFA 23 não foge da máxima que vemos com frequência sendo repetida, a de ser o mesmo jogo com algumas pitadas de alguma coisinha aqui, outras adições modestas ali, e uma ou outra novidade menor acolá.
Da mesma forma, também não tem como fugir da constante de que com as melhorias implementadas, esse é o melhor FIFA até então, honrando suas melhores qualidades e também suas piores limitações. Licenças extras, futebol feminino de clubes, as vindouras Copas do Mundo (masculina ainda esse ano e a feminina ano que vem) como DLC gratuito, tudo funciona como um incremento, camadas em uma base totalmente sedimentada que continuará agradando a seu público. O último FIFA da EA é também aquele que mais representa toda a história da franquia em todas as suas características mais intrínsecas. Se isso é bom ou ruim, cabe ao jogador definir.
2023 será um ano atípico para quem joga futebol nos videogames. Na sequência de um processo que se iniciou ano passado com a concorrência, será a primeira vez que não teremos nem uma edição de PES, nem de FIFA, ao menos não como as conhecemos agora. Se do lado da Konami a mudança é estrutural, com um jogo contínuo sendo atualizado agora sob a alcunha de eFootball, a EA deve seguir mais conservadora, mesmo passando a chamar seu jogo de EA Sports FC. O fim de uma era que se iniciou lá em 1993, porém, pode trazer boas oportunidades para a série se reinventar, ou quem sabe ousar mais em aspectos extra campo, e, porque não, dentro de campo também.
Seja como for, até lá FIFA 23 segue sendo FIFA. Sem mais. Sem menos.
FIFA 23 está disponível oficialmente desde 30 de setembro de 2022 para Playstation 5 (versão analisada), XBox Series S|X, Playstation 4, XBox One, PC e Nintendo Switch (em sua versão Legacy) e permite o crossplay, desde o lançamento, entre plataformas de mesma geração, recurso bem-vindo que tem funcionado muito bem neste primeiro momento. O jogo, como de costume, está totalmente localizado para o nosso português brasileiro.