Análise Arkade: Foregone, uma incrível mistura de MetroidVania com Roguelike
A “modinha” dos Roguelikes me trouxe um dilema constante nos últimos tempos: por um lado, eu adoro a jogabilidade de títulos como Dead Cells e Children of Morta. Por outro, eu detesto basicamente todo o resto que os caracteriza como “Roguelikes” — morte definitiva, perda de tudo o que foi conquistado, mapas aleatórios, etc.
Felizmente, o pessoal da Big Blue Bubble pensou em mim (e em outras pessoas com o gosto parecido com o meu) enquanto desenvolvia Foregone. O estúdio pegou emprestada a deliciosa fluidez de Dead Cells — seu gameplay gostoso e seus combates frenéticos — e colocou em um MetroidVania, gênero que me agrada muito mais. O resultado é um MetroidVania com elementos de Roguelike e até uma pitada de looter shooter que me pegou de surpresa, e mostrou-se uma aventura viciante e muito divertida!
Pacificando o fim do mundo
Foregone nos apresenta à primeira Pacificadora, uma guerreira super poderosa que foi criada para proteger a cidade de Calagan. Na verdade, a cidade já foi quase toda destruída, então ela meio que chegou tarde para cumprir esta missão… mas, felizmente, chegou a tempo de tentar evitar que o mundo todo seja tomado por uma corrupção misteriosa que está despertando um mal ancestral que coloca todo o futuro em perigo.
A história é simples mas interessante, e traz uma boa reviravolta ali pela reta final. Há diários e coletáveis que aprofundam o “lore” do jogo, e a própria origem da personagem é um mistério instigante que vai sendo desvendado aos poucos.
Porém, esse é aquele tipo de jogo que a gente aproveita mais pela mecânica do que pela história. E, meu caro, se você curte jogos que misturam ação, pancadaria e plataforma, e faça tudo isso com mecânicas fluidas, ágeis e responsivas, Foregone foi feito para você.
Pancadaria fluida
Em Foregone, é você contra o mundo. Há monstros, máquinas e torretas espalhadas pelos cenários, e tudo isso está no seu caminho. Se quiser avançar, você vai precisar utilizar as armas e habilidades da protagonista para descer a porrada em tudo e todos.
O gameplay é simples, mas deliciosamente responsivo. Seu ataque principal do botão X (joguei no Xbox One, então vou usar os botões dele como base) corresponde à arma branca que você equipa — há espadas, lanças, cimitarras e até nunchakus. Já com o Y você usa sua arma de fogo — que pode ser uma pistola, uma escopeta, um rifle, ou mesmo um arco. O A pula, e com o B, você realiza um dash, muito útil para escapar de ataques e projéteis.
Os combos são simples, mas o jogo ganha camadas extras de complexidade através das habilidades especiais da protagonista. Ao longo da campanha, você vai desbloquear meia dúzia de poderes diferentes, mas só pode manter duas equipadas ao mesmo tempo, nos gatilhos. Uma delas obrigatoriamente vai ser a cura, o que te deixa com apenas um botão disponível para equipar outra habilidade, que pode ser tanto um ataque (como um raio de energia, uma onda de choque, ou um dash que causa dano) quanto uma manobra defensiva (um escudo que repele ataques, ou um campo de estase que deixa inimigos dentro dele em câmera lenta).
Por mais que você sempre possa alternar suas habilidades equipadas na sua base, que é o hub do jogo, trocá-las no meio de uma fase é um pouco mais complicado (simplesmente porque não há muitos pontos de troca pelo mundo). Ou seja, você precisa tentar estar o mais preparado possível para os desafios que virão, por mais doloroso que seja abrir mão de um ataque poderoso para garantir uns segundos de invencibilidade com o escudo.
Felizmente, se você dominar o básico do gameplay — ataques, pulos e dashes — pode se dar ao luxo de ser mais ousado, deixando equipada uma habilidade ofensiva. Digo isso porque o combate é todo pautado pela sua agilidade nos controles e pela maneira com que você “dança” entre os inimigos, distribuindo ataques e tiros de maneira gloriosamente brutal — sim, há muito sangue em Foregone, das mais variadas cores.
Para nunca te deixar sem recursos, o jogo usa uma mecânica semelhante à de Doom: sua munição pode acabar, mas você ganha mais simplesmente realizando ataques físicos nos inimigos. Recuperar sua cura e suas habilidades também depende da pancadaria, então até isso corrobora com a fluidez do combate, pois te incentiva a variar entre seus ataques, e isso acaba te tornando melhor na porradaria. E, acredite, você vai precisar ser bom, pois os chefes deste jogo são bem desafiadores.
Deixo uma palhinha abaixo:
Se você morrer, não perde tudo: você volta para sua base/hub sem dinheiro e sem pontos de XP… mas pode negociar com o barqueiro para recuperar metade do que perdeu. Ou, você pode simplesmente entrar na máquina de teleporte e lutar para recuperar na raça a urna com tudo o que você deixou cair ao morrer. Ao contrário de um Roguelike, a morte aqui não é definitiva, e você pode se teleportar para sua base sempre que tiver dinheiro/XP acumulados para aprimorar seus equipamentos e habilidades. Ah, e como aqui não tem geração aleatória de ambientes, você sempre vai saber para onde está voltando!
MetroidVania com Loot
Eu estou chamando Foregone de MetroidVania aqui na falta de um termo melhor, mas a verdade é que ele tem uma cadência muito própria. Seu mapa é dividido em áreas que são interligadas, mas o andamento da trama não te obriga a ficar indo e voltando o tempo todo — o famoso backtracking típico dos MetroidVanias aqui é opcional. Se preferir, você pode simplesmente seguir em frente, e o jogo vai te dar as ferramentas para fazer isso enquanto você avança.
Na verdade, cada área principal do jogo funciona como um MetroidVania auto-contido: você vai ter que ir e vir naquele ambiente para acionar o mecanismo que abre uma porta, ou ativa um elevador. Mas, isso é super intuitivo, e a progressão do jogo não tenta complicar demais as coisas, o que é mais um ponto que contribui para tornar a jogatina mais dinâmica. E, caso fique perdido, o mapa sempre te ajuda a saber o que não explorou.
Algumas das habilidades que você ganha favorecem a mobilidade — como o dash no ar, ou o wall jump — mas, ao contrário de um MetroidVania tradicional, aqui não há backtracking obrigatório, que obrigue você a voltar para uma área antiga depois que adquire uma nova habilidade. Revisitar cenários é algo que você faz por opção, se quiser aproveitar suas novas habilidades para encontrar locais secretos… ou simplesmente fazer um grinding.
Sim, outro ponto interessante de Foregone é que ele tem um sistema de loot baseado em cores, como vemos em Destiny e Marvel’s Avengers. As armas da cor cinza são as mais precárias, depois vem as azuis, roxas, amarelas e, finalmente, as vermelhas. Você vai coletar muita porcaria enquanto joga, mas felizmente, o espaço no inventário é grande, e ao conversar com o ferreiro, você pode sucatear equipamentos ruins em troca de um bocado de ouro. Melhorias de equipamentos custam apenas dinheiro, então o segredo é simplesmente acumular moedinhas, e poder fazer isso sucateando equipamentos ruins acaba te ajudando.
O jogador mais detalhista talvez vai gastar algum tempo comparando as estatísticas de cada arma, os buffs e debuffs de cada equipamento (há armas que envenenam os inimigos, ou congelam, explodem), mas te falo que isso não é realmente necessário: é perfeitamente possível focar-se em melhorar seus equipamentos mais raros, pois eles sem dúvida se tornarão mais poderosos do que um equipamento que já está num level alto, mas é de uma cor inferior (até porque quanto melhor a cor de um item, mais upgrades podem ser feitos nele). Na prática, vermelho > amarelo > roxo > azul > cinza. Segue essa receita que é sucesso.
Eu sei que essa mistura de MetroidVania com Roguelike com todo esse loot pode fazer parecer que Foregone é um jogo burocrático e engessado, mas acredite: não é. Você definitivamente não precisa ficar estudando seu inventário, e logo vai estar sucateando seu lixo e equipando sua guerreira com muita agilidade. Tudo é bem intuitivo: o jogo não quer que você perca tempo, mas te permite fazer isso se quiser. Eu deixei o jogo me levar, upando só os equipamentos de nível mais alto, e tive uma experiência muito satisfatória.
Audiovisual
Este é mais um ponto no qual Foregone surpreende: o que temos aqui é um jogo com uma pixel art deslumbrante, animações incríveis e cenários extremamente detalhados. Eu não sei o nome da técnica utilizada aqui, mas parece o que a Arc System Works fez em Dragon Ball FighterZ: criou personagens 3D e “planificou” eles em um ambiente 2D. Digo isso porque os inimigos rodopiam e giram de um jeito que, se fossem apenas sprites 2D, seria bem menos interessante.
E digo mais: embora na maior parte do tempo ele lembre Dead Cells, em alguns aspectos — no design dos chefes, principalmente — eu senti uma vibe meio Darksiders. Até na mistura de armas brancas com armas de fogo, na vibe meio gótica… eu realmente fiquei curioso para ver um Darksiders 2D, e considerando que a série já se aventurou por outros estilos, acho que seria bem interessante ver um jogo com essa pegada.
MetroidVanias tendem a ser um pouco repetitivos por se passarem dentro de ambientes enormes (castelos, florestas), mas Foregone foge disso ao introduzir diversas áreas temáticas. Então, vai ter “o bosque”, “o cemitério”, “o templo”, mas você passa só um tempinho em cada um, de modo que nenhum deles se torna entediante. E, ressalto, o visual aqui é lindo, e os efeitos de iluminação são bem impressionantes.
A trilha sonora alterna entre momentos épicos e outros bem tímidos, mais atmosféricos. O jogo possui vozes e atuações muito boas, que ajudam a dar dramaticidade à história. Ah, e temos menus e legendas em português brasileiro, com uma tradução muito boa. Tecnicamente, joguei no Xbox One X e a fluidez é incrível — 60fps cravados, com pequenos slow downs no momento em que você vence um chefe e ele dropa muitas “moedinhas”.
Conclusão
Foregone durou pouco mais de 14 horas para mim, e eu adorei cada momento que passei com ele. Seu gameplay é simplesmente maravilhoso, e, acredite, esse é aquele tipo de jogo que é bonito de se ver, melhor ainda de se jogar. O feeling de jogá-lo é incrível.
Sem dúvida uma ótima surpresa indie neste último trimestre de 2020. É impossível não reparar que ele se inspira (muito) em Dead Cells, mas oferece uma experiência mais alinhada com o meu gosto para games. Ele não é Roguelike, e isso já faz eu gostar mais dele, pois não curto quase tudo o que define o gênero Roguelike.
Gosto da mistura que foi feita aqui: Foregone mistura MetroidVania com Roguelike e toneladas de loot, e faz isso de um jeito que funciona muito bem. Confesso que eu nem conhecia o estúdio Big Blue Bubble, mas eles definitivamente ganharam um fã com esse jogo. Que venha uma sequência nos próximos anos!
Foregone foi lançado ontem (13/10) com versões para PC (na Epic Store), Playstation 4, Xbox One e Nintendo Switch. Este review foi feito com base na versão Xbox do jogo, rodando no Xbox One X.