Análise Arkade: FullBlast aposta na nostalgia, mas não vai muito além disso
Quem nunca se aventurou por jogos como Sonic Wings, 1942, Galaga, River Raid ou Gradius, certamente tem uma lacuna em termos da experiência dos jogos eletrônicos clássicos. Os tais jogos de navinha, também conhecidos como shoot ‘n ups, são um dos gêneros mais icônicos desse nosso mundo digital desde os primórdios e, mesmo não sendo exatamente parte da elite nos dias atuais, continuam carregando em seus tiros múliplos, power-ups, hordas de inimigos, movimentos padronizados e chefes gigantescos uma legião de seguidores.
Exemplos mais recentes não faltam. Só nos últimos meses, você acompanhou aqui com a gente lançamentos como Aces of the Luftwaffe Squadron, Boiling Bolt, Next Jump: Shmup Tactics, Ghost Blade HD, Sky Force Anniversary, Blue Rider, Airheart – Tales of Broken Wings e tantos outros que passaríamos esse texto inteiro só listando títulos que se apropriam da tradição para trazer à nova geração a experiência de ver a sua aeronave de cima ou ( ou pela lateral) e atirar em tudo o que se movimenta.
Nesse contexto, a nova geração de consoles recebe este ano um game lançado lá no final de 2014 para dispositivos iOS e Android e que no ano seguinte ganhou uma versão para WiiU: FullBlast, da Ratalakia Games é, em uma definição mais convencional, um shoot ‘n up de perspectiva bird’s eye (ou “visão de cima”) de progressão vertical, que aposta nos recursos mais tradicionais do gênero para conquistar o seu espaço nesse ainda concorrido mercado. A questão é até onde essa aposta pode levá-lo.
Uma linha narrativa (nada) original
Uma invasão alienígena, um piloto de caça como esperança da humanidade, inimigos incontáveis, um general bigodudo lhe guiando e chefes colossais. Liste todos os mais clássicos clichês do gênero e certamente a grande maioria estará em FullBlast. A questão é que tudo aqui é apresentado de uma forma mais direta, levando o jogador ao que realmente interessa.
Isso deixa a jogatina bem ágil, porém acaba sacrificando qualquer possível carisma que o game poderia ter: não há qualquer envolvimento, qualquer motivação para com a trama que valha a pena. No máximo, algumas boas frases de contexto. E só.
Soma-se a isso um design audiovisual até bem trabalhado, sobretudo considerando ser original do universo mobile, mas que pouco investe em originalidade ou identidade. A sensação, ao longo de toda a campanha, é que você já viu tudo aquilo em algum lugar. E aí está, talvez, o maior problema do game: ele sabe fazer razoavelmente bem aquilo que se propôs, mas propôs pouco. Sua intenção é claramente a de homenagear e apelar para a nostalgia, a dinâmica de outrora e a simplicidade de décadas atrás.
Nesse sentido, ao terminar o jogo, fica aquela sensação de que tudo é passageiro, rápido e esquecível. Não porque seja ruim, mas porque não traz nada de novo para dar substância ao que já é consagrado. Ainda que tenha ali seus pontos instigantes, como a boa mescla de inimigos terrestres e aéreos, a sacada do controle inimigo de tropas aliadas e até mesmo elementos marinhos, a soma parece ser só uma simples reciclagem. É como requentar a comida do dia anterior: não é ruim… mas é a comida de ontem, não a de hoje.
Só um port. Bem feito, mas ainda assim um port
FullBlast é um jogo reaproveitado. Tanto na sua concepção como no seu lançamento atual para as novas gerações. Isso carrega marcas que podem incomodar. A mais evidente delas são as barras laterais, delimitando a área do jogo para um formato quase quadrado de tela, algo bastante comum em relançamentos de jogos da geração 16 bits, por exemplo, que eram pensados para a tela de TV de tubo 4:3 padrão. Em um jogo moderno, tem lá seu charme nostálgico, mas de novo, acaba só deixando claro que sequer houve um trabalho de adaptação.
Visualmente, é um jogo bem cuidado, com qualidades interessantes. Os modelos dos aviões se aproximam do cartunesco e os cenários conseguem traduzir uma profundidade antes difícil em sprites 2D. Alguns inimigos também ganham atenção especial, mas logo aparecem as questões de repetição e a sensação de looping: as 12 fases, no final, são somente 3, subdivididas. A ambientação muda pouco. O mesmo vale para os inimigos comuns, que são os mesmos da primeira até a última fase.
Essa questão se repete também em termos sonoros. A música tem aquele ritmo intenso e coerente com o gênero, mas logo você nem presta mais atenção. Os efeitos sonoros são diminutos, restringindo muito a ambiência e deixando claro que todo o som do jogo foi pensado e replicado para as limitações do mobile. Isso significa que a mixagem de som é simplória, cumpre uma função prática, mas fica bem abaixo do potencial atual.
Na soma dos fatores, FullBlast não é exatamente um jogo feio ou mal feito. Os modelos digitais funcionam, não devem em nada para as principais referências do gênero e cumprem seu papel de criar uma sensação dinâmica e, ao mesmo tempo, não atrapalhar visualmente o jogador (a não ser quando inventa de mudar a cor do tipo dos adversários, sobretudo de um ou outro chefe de fase). Ainda assim, é tudo básico demais, sem qualquer redesenho para plataformas de mesa.
Para ter uma ideia melhor disso, olha só o nível 2, jogado na íntegra:
Atirando e desviando – ou vice-versa
A dinâmica de um shoot ‘n up nunca foi segredo para ninguém. Reduzindo ao básico, sua nave precisa atirar em uma infinidade de inimigos que vão surgindo na tela ao mesmo tempo que tenta não ser atingido pelos projéteis delas. A partir daí, conforme avança, é possível coletar power-ups que aumentam frequência, quantidade de tiros e dano causado, bem como itens clássicos como vidas extras, escudo e multiplicador de pontuação. Isso é o que é a base do gênero. E é o que FullBlast oferece. Nem mais, nem menos.
Assim, não há segredos ou inovações. É atirar, melhorar as armas conforme avança, se manter intacto e acumular pontos. Do primeiro ao último nível. E é isso. Ah, e tem um ataque especial simples para apelar em momentos bem limitados de apuro. Então, cabe ao jogador descer o dedo no botão de tiro e ficar manobrando pela tela do começo ao fim, entendendo padrões de movimentação dos poucos tipos de inimigos comuns e de cada chefe, que depois se repetem nas fases seguintes.
Tal como visto em termos narrativos e estéticos, FullBlast não vai além do óbvio. Não apresenta escolhas entre armamentos e ataques especiais, não varia muito de tipos de inimigo (quando muito, só muda a skin deles, mantendo o padrão de ataque e de movimentação) e garante o que lhe é mais básico. Isso, claro, faz o jogo ser correto, uma vez que executa aquilo que se consagrou ao longo de décadas, e responde bem a isso. Mas jamais se arrisca a ir além. Desta forma, é bom, mas acaba caindo inevitavelmente no “mais do mesmo”.
Conclusão
FullBlast é um bom jogo despretensioso. Mas é bom somente quando os “senões” são ignorados pelo jogador. Não espere um game inovador, um respiro novo para o gênero — lembrando que recentemente tivemos até um jogo de navinha com missões stealth, ou seja, é possível inovar mesmo em algo tão estabelecido — ou mesmo um nível de imersão instigante. Nada disso. Não fosse os modelos em alta definição, certamente o jogo passaria como um port da era dos 16 bits sem qualquer sinal de amadurecimento. Ou seja, diverte, cumpre o seu papel, mas em momento algum mostra ousadia ou pretensão de ser um jogo novo.
Seu final deixa um gancho no melhor estilo anos 1980 para uma continuação, a qual é impossível saber se virá algum dia, até por já ser originalmente de 3 ou 4 anos atrás. Há boas ideias ali, com potencial em todos os aspectos, e que com um pouco mais de coragem dos desenvolvedores poderia ser maior do que um game para passar o tempo sem compromisso. Quem sabe em uma sequência?
FullBlast está disponível agora para Playstation 4, XBox One, PC (via Steam), iOS, Android, WiiU e Nintendo Switch e não conta com adaptações para o português, algo que neste caso não faz tanta diferença, já que pouco do jogo precisa da compreensão do idioma.