Análise Arkade: Distortions é um ambicioso (e confuso) game brasileiro
Distortions é provavelmente o jogo brasileiro mais ambicioso já criado. Foram quase 9 anos de desenvolvimento, presença constante em feiras e eventos, e a promessa de um jogo, no mínimo, “diferentão”. Será que ele conseguiu cumprir? Vamos descobrir!
Uma menina. Um acidente. Um violino.
Distortions acompanha uma menina sem nome que se envolveu em um acidente de carro e está presa em um mundo onírico onde o tempo parece ter parado. Lá, ela é atormentada por uma espécie de “Monstro”, encontra um violino e deve coletar páginas de um diário para entender o que é aquele lugar e como ela pode sair dali.
A narrativa é fragmentada e confusa: há uma narração que aparece de vez em quando — e parece ser de um psicólogo, ou analista, que está tentando tirar a garota desse “limbo”. Há também um bocado de backstory envolvendo um ex-namorado dela, mas nada parece se encaixar de formar satisfatória.
Com o perdão do trocadilho, a história de Distortions é bem distorcida: há um pouco de coisa para ler, um pouco de coisa para ouvir, fragmentos de partituras aqui e ali, um monstro gigante e algumas sombras malvadas que irão te perseguir ocasionalmente. São elementos interessantes, mas cujo potencial é perdido na forma bagunçada com que eles são apresentados. “Não dá liga”, sabe?
Gameplay
Distortions mistura elementos de diferentes estilos para compor seu (confuso) gameplay: na maior parte do tempo ele é um jogo em terceira pessoa, mas ocasionalmente ele assume uma perspectiva em primeira pessoa, ou mesmo de side scroller.
Essas mudanças funcionam, ainda que ocasionalmente a mudança brusca do ângulo de câmera cause alguma confusão — tipo quando você está indo para o norte, aí a câmera vira e de repente você está indo para o sul.
Independente do ângulo da câmera, porém, o foco do jogo sempre é a exploração, a busca por partituras e páginas de diário. Conforme vai encontrando estes segredos, você vai aprendendo a tocar novas músicas em seu violino, e elas afetam o mundo do jogo de formas únicas e surreais.
O lado musical
Talvez a implementação do violino seja o que Distortion tem de melhor: em um esquema que mistura o Celestial Brush de Okami com a Ocarina of Time do Zelda, tocar determinadas notas produz melodias que afetam a garota e o mundo a seu redor.
Por exemplo, a primeira partitura que aprendemos é da canção “Silêncio“. Ao tocá-la, cria-se uma “zona de abafamento” ao redor da personagem, que diminui o som dos seus passos e permite que você passe despercebido perto das sombras misteriosas que vagam em algumas áreas.
Outra canção útil permite que você rearranje elementos “quebrados” do cenário ou crie pontes, plataformas e passarelas. Bem útil para conseguir acessar certas áreas do jogo, mas não dê bobeira, pois estas construções desaparecem em alguns segundos!
Além das músicas “prontas” que têm efeitos específicos, há também um “free mode” onde você toca o que quiser. Ocasionalmente você encontra partituras anotadas em pedras e paredes, e tocá-las no modo livre do violino pode revelar algumas surpresas interessantes.
Um jogo confuso
Distortions meio que é um Metroidvania justamente por conta dessas “habilidades” que você ganha conforme coleta partituras. O problema é que ele é muito confuso: sem mapa, nem indicação do que fazer ou para onde ir, o que nos resta é vagar a esmo por aquele mundo, na esperança de (quem sabe) encontrar algo útil.
Isso é agravado pelo fato de que o mundo de Distortions é cheio de grutas, cavernas e passagens que parecem secundárias — mas na verdade são bem importantes –, com níveis e subníveis que muitas vezes nos levam para ambientes completamente diferentes. O layout destas cavernas também é confuso, de forma que nem sempre a gente consegue achar o caminho de volta, caso fique perdido.
Talvez eu é que tenha jogando “do jeito errado”, mas é fato que há problemas de game design bem óbvios aqui. Por exemplo: além de tudo ser vago e confuso, eis que de repente encontro um item de energia… mas o jogo sequer tinha me avisado que a personagem tinha uma barra de energia! Até ali eu pensava que teríamos uma experiência no estilo de Journey, ou quem sabe Limbo, onde há morte, mas não barra de energia. Entende o problema? Há conceitos elementares do mundo dos games que não são explicados adequadamente.
O que quero dizer com tudo isso é: Distortions demanda paciência e experimentação. Nada neste jogo é muito claro, e ficar perdido faz parte do processo. Pessoalmente, gostaria que ele fosse mais linear, justamente para a história ficar mais clara na cabeça da gente. Do jeito que está, o que temos é um jogo confuso com história confusa.
Audiovisual
Como já dito, Distortions é provavelmente o jogo brasileiro mais ambicioso já feito, e isso fica evidente no seu visual, bem acima da média para os padrões brasileiros, ainda que pareça um pouco datado. Ele também é um bocado bugado… nada que o torne “injogável”, mas os bugs dão um ar de “inacabado” ao jogo… o que é especialmente bizarro se considerarmos que ele passou quase uma década sendo desenvolvido.
Melhor que o visual do jogo em si é a direção de arte: o design como um todo é belo e surreal, com bom uso de cores e o “tempo parado” sendo utilizado de forma inteligente para criar paisagens bem psicodélicas.
Com todo o lado musical latente envolvido, é óbvio que a trilha sonora é um dos destaques de Distortions. Com músicas licenciadas de 3 bandas diferentes e ainda um punhado de faixas compostas exclusivamente para o game, a trilha é bem variada, e consegue casar bem com a vibe surrealista do jogo.
O jogo é brasileiro, mas traz dublagens somente em inglês. Compreensível, afinal, estamos falando de um produto que visa o mercado internacional. Felizmente, temos menus, legendas e letterings em português brasileiro, de modo que ninguém vai ficar boiando na história… ou vai, mas aí é culpa da própria narrativa, não da localização.
Conclusão
Após passar várias horas perdido — literalmente e figurativamente — pelo mundo de Distortions, fico com a impressão de que minha jornada não foi a que os desenvolvedores queriam que eu tivesse. Achei o jogo confuso, o gameplay estranho e a história excessivamente fragmentada, de modo que a experiência de jogo como um todo foi diluída em meio a estes problemas.
Ainda acho que o game tem seu valor por ser ambicioso e diferente de tudo o que anda sendo produzido por aqui. Porém, ele deixou um sabor meio amargo para mim, pois sinto que passei mais tempo aborrecido com seus problemas do que desfrutando de suas qualidades.
O game anda recebendo updates diários baseado no feedback da comunidade, e espero que no futuro (não muito distante) ele ofereça uma experiência de jogo melhor. Até agora, porém, não consigo deixar de pensar que, mesmo após quase 10 anos em produção, ele foi lançado “antes da hora”, e precisaria de mais um tempo sendo polido e para ser recomendável.
Distortions sem dúvida é uma joia rara do mercado nacional… mas uma joia em estado bruto, que precisa (e merece) de uma boa lapidada para brilhar como deveria.
Distortions foi lançado em 2 de março, exclusivamente para PCs via Steam.