Análise Arkade – Goat Simulator 3 eleva a piada a um outro patamar

23 de novembro de 2022
Análise Arkade - Goat Simulator 3 eleva a piada a um outro patamar

Vivemos uma onda, nos últimos 10 anos, de simuladores de tudo. Não que seja um gênero especialmente novo, e o mais famoso de todos eles, Flight Simulator, cujo primeiro título foi lançado no longínquo ano de 1982, já tem mais idade que a maioria de nós, eu incluso.

Contudo, foi recentemente que a mercado foi inundado com emulações de outras atividades e profissões. Tem de tudo: de simulação de propriedade de estações de trem a de chef de cozinha pós apocalíptica; de médico cirurgião a veado de caça, cada qual com suas especificidades e mecânicas para, de alguma forma, oferecer uma experiência que coloque o jogador para vivenciar uma realidade outra.

Quando o mundo ficou sabendo sobre um simulador de cabras, não demorou para que as pessoas se perguntassem que tipo de experiência algo assim poderia oferecer que fosse interessante, e o tal Goat Simulator se tornou uma piada nas redes sociais e nos canais especializados.

Mal sabíamos nós que a gozação estava só começando. Nascido de uma ideia despretensiosa em uma game jam como tantas por aí, o jogo logo se provou um verdadeiro fenômeno de todas as formas possíveis exatamente porque se propunha a ser tudo, menos um simulador convencional.

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Amado e odiado ao mesmo tempo, às vezes pelas mesmas pessoas, a marca se tornou um verdadeiro ícone da zoeira moderna, com a indústria (mesmo que pela periferia da produção independente) rindo de si mesma, e se levando menos a sério em um tempo onde tudo parece grave demais.

Passados alguns anos, sem mais e sem menos, eis que uma vez mais nos surpreendemos, desta vez com a continuação direta, Goat Simulator 3. E sim, como a essa altura quase todo mundo já sabe, até com a sequência da continuação eles brincam, no melhor estilo Corra que a polícia vem aí 2 e 1/2.

Maior e melhor

Se há um mandamento bastante comum quando se trata de entretenimento é que continuações precisam superar seus predecessores para manter o interesse e renovar o impacto causado. Tem que ser mais pesado, tem que ser mais divertido, tem que ser mais comovente, tem que ter mais investimento… e neste caso, tem que sair ainda mais da casinha.

Goat Simulator 3 escala para todos os lados e consegue superar o game original em quase tudo, menos na surpresa e na inovação, porque sejamos sinceros, essa seria uma missão ingrata e impossível.

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A cabra mais bizarra do mundo, depois de criar todos os problemas possíveis em sua última aventura, começa o jogo chegando à sua nova casa (em uma cena em primeira pessoa que vai fazer fãs de RPGs medievais soltarem um primeiro e sincero sorriso de orelha a orelha), com um dono disposto a educá-la e torná-la a sua melhor versão.

O otimismo deste sujeito inocente termina no segundo em que ela se vê livre para andar por aí e começar a tocar o terror. O primeiro cenário, uma simpática fazenda, logo se torna um parque de diversões (para a cabra) e um espaço de experimentação para que relembremos os principais comandos. E está tudo no lugar de sempre, fazendo com que os veteranos da franquia se sintam em casa.

A primeira grande diferença também surge nesses primeiros momentos, com uma torre mística emergindo do chão. Descobrimos que este verdadeiro templo tem alguns selos a serem rompidos para que se abra o grande portão da revelação e, para isso, será necessário meter o louco, acumular pontos de experiência e tornar essas ruinas em uma imponente fortaleza sagrada de adoração a nossa grande heroína.

Se no primeiro jogo estávamos diante uma grande caixa de areia anárquica, agora temos sim uma série de objetivos palpáveis com uma meta mais definida para temperar nossas andanças.

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Isso torna o jogo, portanto, mais quadradinho, certo? Um mundo aberto, mas com missões organizadas, com tarefas definidas e uma ordem a ser seguida nada mais é do que uma adequação da sátira ao padrão atual, correto? Bem, sim… e felizmente não. Sem uma narrativa convencional sendo traçada, as tarefas listadas acabam por se tornar só um grande menu do que é possível fazer mesmo quando a nossa criatividade não é tão inventiva assim.

Ainda que nossa mente esteja condicionada a seguir um roteiro, mesmo que hipotético, essa abertura para cumprir metas ou simplesmente se manter correndo como doido por aí é um equilíbrio que muito jogo dito de elite ainda está buscando.

Lambe, explode, cabeceia… e mais

A falta de limites se tornou o grande legado do jogo original, que se apropriava de instabilidades (intencionais ou não) na física do jogo para que as coisas mais bizarras se tornassem possíveis. Virtualmente imortal, nossa protagonista não tem quaisquer barreiras para explodir tanques de combustível e automóveis a seu bel prazer, absorver cargas elétricas para chocar o mundo inteiro, se esfregar no lixo mais nojento que encontrar para espalhar o fedor e acabar com qualquer coisa que pareça certinha demais.

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Se formos falar friamente sobre comandos, temos a tradicional cabeçada; a lambida que, na prática, é uma forma de segurar coisas e pessoas; e o pulo como padrão. Também há como balir e se jogar no chão para rolar como um saco de estrume, ações que parecem a princípio mais engraçados do que úteis, mas que logo podem ter sua aplicação.

Conforme liberamos traquitanas para equipar, ganhamos poderes especiais que podem ser mapeados para os botões de ombro, e até aqui o sistema caótico se mostra presente. Por vezes, se assim permitirmos, temos duas coisas diferentes no mesmo botão de ação, o que é engraçado na maioria do tempo, mas pode atrapalhar em tarefas que exigem mais precisão.

Cada nova habilidade, planejada ou eventual, torna tudo ainda mais imprevisível. Explodir um barril pode nos deixar em chamas e capazes de disparar bolas de fogo. Se encostarmos em um fio solto, damos choque em tudo pela frente.

Agora, imagine encontrar essas fontes em um único local fechado e nada mais faz sentido. Confesso que este ´´e o jogo, dos quais me lembro, que realmente me trouxe, em certos momentos, alguma canseira visual e um certo enjoo, tamanha a bagunça descontrolada na tela.

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Contudo, é o total descompromisso com a física que realmente nos tira qualquer sentimento de gravidade da coisa toda. Cair, rolar, despencar, explodir, tudo que há no jogo favorece vermos nossa querida avatar – ainda mais customizável, vale destacar – no ar.

As vezes, senhora da situação, ela é capaz de fazer belas manobras que deixariam Tony Hawk com inveja, e em outras oportunidades, ela se torna só uma passageira da agonia. Em ambos os casos, ainda me pareceu um pouco truncado a falta de ter um controle maior de direção e intensidade de saltos e arremessos. Esse é um dos poucos aspectos onde a ausência de precisão mais atrapalha do que diverte.

Mas se em algum momento a ação desenfreada, o puro espírito de porco e a falta de qualquer bom senso não forem suficientes, dá pra melhorar jogando ao lado de outras pessoas, seja em tela dividida localmente, seja em um modelo multiplayer online. Com roupas e acessórios aos montes, customizar sua cabra e sair com os amigos, cada um com suas qualidades, é ainda mais insano.

Aliás, se largamos tudo de lado só para nos permitirmos liberar colecionáveis e desbloqueáveis, ainda tem muita coisa a se fazer. Mesmo que se aproprie de uma roupagem de jogo de ação em mundo aberto, o sentimento, principalmente coletivo, é de um típico party game de domingo a tarde.

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Como um todo, portanto, é impossível levar as mecânicas do jogo a sério. Primeiro, porque só de se importar com alguma coisa aqui já significa que o jogador está fazendo algo errado. Segundo que a falta de ajuste fino é parte da proposta desta experiência, e por mais que essa possa ser uma desculpa esfarrapada de produtos mal acabados, particularmente aqui é o que nos foi prometido, e sinceramente, se fosse entregue algo diferente, qual graça teria? Goat Simulator 3 é, sobretudo, uma caricatura de si mesmo, um arremedo de um jogo sério, porque isso é a essência de sua identidade.

Ordinário… mas até bonitinho

Se alguém se detiver em traçar comparações técnicas e gráficas, é evidente que este jogo tem várias limitações em relação aos grandes nomes do mercado. Os modelos humanos, particularmente, não são superiores aos que já vimos há uma, duas gerações atrás.

O rigging (sistema de articulações em objetos 3D) é simplório, o que faz com que toda e qualquer movimentação seja muito simples quando funciona corretamente, e se comporte também das formas mais estranhas quando atacados. Tente golpear alguém para um precipício e veja ossos que parecem nem estar conectados uns aos outros.

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Texturas e construções também são repetitivas ao extremo, e cada gramado será o mesmo que o do lado, só com objetos cênicos diferentes, ou espalhados de outra forma. A água é particularmente feia e, por estar presente por todo o cenário – há inclusive passagens com boas sessões de natação – acaba chamando a atenção.

Além disso, objetos destrutíveis e interativos lembram, na maioria do tempo, cenários de isopor típicos de produções baratas da época de Chaves e Chapolim. Considerando que quase tudo é quebrável, é impossível não reparar nos pedações de maquete por todos os lados.

Dito isso, essas também são algumas das maiores vantagens e qualidades do jogo, dada a sua proposta. Primeiro que eu não quero que os corpos humanos se comportem de forma realista e quanto mais desconjuntados, mais engraçado é derrubar um pescador desavisado na água, ou um observador de cima de um penhasco. Sem peso, sem compromisso com as leis da física, a gargalhada é garantida, mais ou menos como em Human: Fall Flat, guardadas as devidas proporções.

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Além disso, coisas e construções destrutíveis que se comportam de modo esdrúxulo também fazem parte a proposta para que possamos agir como agentes do caos, e nada seria mais frustrante que um automóvel só ser levemente amassado quando atacado por nós.

Como vamos curtir ver um posto de gasolina indo para os ares se as grandes estruturas não esfarelarem como biscoito cream cracker? Há quem não consiga se envolver, se permitir a suspensão da descrença quando a coisa é absurda demais, e se for seu caso, não é esse jogo que vai mudar sua opinião.

Ao mesmo tempo, não espere um jogo desleixado por conta dessas especificidades. Na verdade, não foram poucas as vezes que fui surpreendido com um belo pôr-do-sol, uma paisagem de cartão postal e belos cenários urbanos. Se os poucos ambientes internos não brilham como os de fora, há uma utilização de cores e contrastes bastante caprichada e, em vários momentos, até exuberantes.

Reflexos e partículas – e acredite, há muita coisa sendo gerada em tempo real – também não fazem feio e mesmo que consideremos o escopo e a proposta da produção, há sim muita beleza a ser apreciada aqui.

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Além disso, referências à cultura pop não faltam, e procurar detalhes em todos os cantos é um bônus inesperado. Do nada, você pode encontrar um cartaz de um filme famoso na lanchonete da esquina e, mais adiante, curtir (ou explodir) um belo show de uma banda cujos componentes usam maquiagem pesada em forma de estrela no rosto. Quando estiver passeando na praia, não esqueça de fazer um belo castelo de areia que, do nada, se parece muito internamente com o mapa de um belo shooter competitivo. O repertório é vasto e a busca acaba se tornando um vício.

Conclusão

Goat Simulator 3 é o tipo de jogo que não tem meio termo. Você pode odiar o modo desordeiro como as missões se encadeiam, como a física funciona e como o tosco se torna estética. Neste caso, provavelmente este não é o jogo para você. Mas na outra ponta, pode adorar a possibilidade da zoeira pela zoeira, o caos pelo caos, relevando inclusive as questões técnicas que tanto cobramos em jogos que se levam a sério de verdade, e aí certamente passará horas e mais horas ininterruptas se divertindo.

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Claro que isso não significa que vale tudo, e questões técnicas ainda importam e, por vezes, incomodam. Não foi uma só vez que atravessei paredes que obviamente não deveriam ser atravessadas, que fiquei preso em cantos improváveis ou que a câmera se portou do pior jeito possível, se enfiando nos cantos ou simplesmente bugando o enquadramento todo, atrapalhando até a bagunça. Mesmo com uma proposta despojada, ainda falta aparar algumas arestas grosseiras para que a falta de compromisso não traia a si mesma.

Ainda assim, o modelo com missões completamente non sense; a liberdade de exploração com passe livre para a loucura sem consequências; e as possibilidades quase infinitas de uma cabra tocar o terror em uma pequena e pacata cidade são suficientes para que compreendamos que o jogo é uma grande brincadeira com a indústria e, desta forma, propõe uma experiência que consegue fugir da sisudez com a qual estamos acostumados atualmente. Ainda bem.

Goat Simulator 3 foi lançado em 17 de novembro de 2022 para PlayStation 5, PC e Xbox One, e felizmente está bem localizado, em menus, textos e legendas, para o português brasileiro.

Paulo Roberto Montanaro

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