Análise Arkade: Headliner – NoviNews é uma (rasa) crítica às fake news e ao poder da mídia

21 de setembro de 2019
Análise Arkade: Headliner - NoviNews é uma (rasa) crítica às fake news e ao poder da mídia

Nos últimos tempos, ouviu-se falar muito em fake news na responsabilidade da mídia discute de escândalos políticos e acusações. Neste cenário, Headliner – NoviNews é um jogo que soa absolutamente contemporâneo, mesmo chegando ao Nintendo Switch com alguns meses de atraso.

Formador de opinião

Originalmente lançado para PCs em 2018, Headliner – NoviNews se passa em um futuro distópico em que a engenharia genética cria bebês aprimorados, seres humanos vivem à mercê da indústria farmacêutica e há muita tensão sociopolítica latente.

O game nos coloca no papel de editor de um portal de notícias tremendamente influente de uma nação fictícia chamada Novistan. Nosso trabalho é basicamente escolher quais artigos serão publicados diariamente, e depois conferir, nas ruas, a repercussão que as notícias tiveram na sociedade.

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A campanha toda do game se desenrola ao longo de um período de 2 semanas, sendo que cada dia rende alguns poucos minutos de escolhas e conversas pela rua com alguns coadjuvantes que têm alguma relação com o protagonista.

As vidas dessas pessoas — e da cidade como um todo — são afetadas pelo que o jogador decide publicar (ou não) nas páginas virtuais do NoviNews, e o espaço de tempo curto dá um tom emergencial aos acontecimentos. Tudo está sempre à flor da pele por aqui.

Mamilos Assuntos polêmicos

Um dos temas abordados pelo game que é muito atual e relevante é a questão da imigração: o que fazer quando grandes corporações chegam à cidade, podendo falir os pequenos negócios familiares locais?

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No papel de editor, a gente acaba tomando partido nessa polêmica ao escolher o que vamos publicar. E, ao final do expediente, no caminho para casa, podemos ver como os assuntos escolhidos impactaram na vida das pessoas.

Tudo é muito rápido e intenso por aqui: eu escolhi alguns artigos que não viam com bons olhos a chegada de empresas de fora da cidade, e de repente os cidadãos estavam literalmente tocando fogo em uma grande loja de departamentos que acabara de abrir — para grande satisfação do dono da lojinha local, que estava com medo de falir e não poder sustentar sua filha.

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Headliner – NoviNews faz esse tipo de coisa o tempo todo, e ainda que nem toda consequência seja tão drástica, tudo causa impacto social. Temas como drogas, crimes e a indústria farmacêutica sempre voltam à pauta, e podemos ver no caminho para casa como nossos artigos afetam a população — pichações surgem pelos prédios, outdoors mudam, e cidadãos mais rebeldes podem organizar manifestações e algazarras.

E antes que você ache que pode ser altruísta e só publicar o que acha correto, saiba que há interesses corporativistas envolvidos: seu chefe pode lhe pedir para publicar algo sobre a empresa X ou sobre o político Y simplesmente porque ele acredita em determinados ideais, ou — pior — acha que isso pode colocar o site nas boas graças daquela companhia/pessoa.

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Contrarie seu chefe mais do que deveria e, bem, digamos que o jogo pode vir a durar menos de 2 semanas para você!

Correria demais, desenvolvimento de menos

Ainda que o jogo trate destes temas polêmicos de forma bem interessante, não posso deixar de apontar o quanto as coisas parecem apressadas e rasas. A curta duração da campanha torna tudo muito intenso, mas também não dá o devido tempo para que certos fatos se desenrolem.

Quem sofre com isso são os coadjuvantes: há Evie, uma jornalista estrangeira que enfrenta preconceito por não ser nativa e serve meio que como um affair do nosso personagem. Além dela, temos também o irmão do protagonista, sujeito que sonha em ser humorista, mas está quebrando a cara para conseguir mostrar seu talento, o que afeta sua mente e sua autoconfiança.

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Ambos são personagens bacanas que possuem sub-tramas interessantes, mas acabam não tendo o aprofundamento que lhes seria adequado porque, bem, o tempo passa rápido demais. As conclusões dessas histórias paralelas chegam de repente, e deixam um sabor amargo na boca. Não era assim que eu queria que fosse, mas o jogo simplesmente não me dá o tempo para lidar com tudo isso de outra forma.

Nesse ponto, a curta duração do game realmente prejudica a narrativa. Ok, não é a narrativa principal, mas são as histórias paralelas dos coadjuvantes que dão corpo ao jogo, e nos permitem gerar empatia com ele. Sem isso, a cidade que pegue fogo, afinal não estamos apegados emocionalmente a ninguém.

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Curiosamente, o game parece ir por esse lado “resumido” para encorajar a gente a re-jogar tudo diversas vezes. Quando você começa uma nova jornada, os personagens até farão comentários sobre o “último editor”, e de como eles esperam que as coisas sejam diferentes desta vez. Um recurso narrativo bem interessante, mas que não muda o fato de que tudo parece apressado, superficial.

Editor de fake news

Outro problema está diretamente ligado à temática do game: vivemos em uma época na qual as pessoas não leem realmente as notícias, mas os títulos, e saem compartilhando coisas por aí sem sequer saberem se aquilo é verdade ou não. Como editor do tal site, eu gostaria de poder ler cada artigo antes de decidir se ele merece ser publicado ou não, mas isso não é uma opção: podemos ler apenas o título e a gravata — e tomar uma decisão com base nisso.

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Entendo que muita gente não teria saco de ler tudo, mas deveria haver uma opção para quem quisesse. Como editor de um site de verdade (esse que você está lendo <3), parte do meu trabalho consiste em avaliar e revisar textos de colaboradores. Isso já é algo tão natural para mim que eu gostaria de poder fazer o mesmo no game, mas não posso, e acabo julgando tudo pelo título — algo que, como a gente bem sabe, é um comportamento bastante prejudicial, pois dissemina desinformação.

E, já que tocamos nesse assunto, Headliner: NoviNews é o tipo de jogo que merecia uma localização para o nosso idioma. O game está todo em inglês, e ainda que não possamos realmente ler os artigos, podemos ler os títulos e chamadas, e há muitos diálogos quando estamos fora da redação. Seu inglês precisa estar em dia se você não quiser ficar boiando na trama.

Conclusão

Na prática, Headliner – NoviNews parte de uma premissa fantástica, mas decide pegar o caminho mais rápido, e todo o potencial de sua história acaba diluindo-se em uma correria insana que parece mais disposta a chocar o jogador do que a permitir que ele realmente tome decisões coerentes.

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Esse tipo de jogo “burocrático” — como Papers, Please, só para citar um exemplo famoso — costumam meter o dedo em certas feridas, e ainda que Headliner faça isso, ele não dá tempo para que seus temas sejam suficientemente desenvolvidos. Com isso, o real impacto do jogo se perde.

Eu gostaria de uma versão 2.0 do game, que me desse mais tempo para acompanhar a repercussão de minhas decisões, e me permitisse realmente ler os artigos e ponderar sobre eles. Do jeito que está, Headliner – NoviNews acaba sendo apenas uma paródia rasa do problema (extremamente real) das fake news e do poder da mídia que ele parecia disposto a abordar com mais propriedade.

Headliner – NoviNews foi originalmente lançado para PCs em outubro de 2018, e agora está disponível também para Nintendo Switch (versão analisada). O game está 100% em inglês.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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