Análise Arkade: Helheim Hassle, uma aventura viking sem pé nem cabeça (e isso é um elogio)
Certas empresas simplesmente não conseguem fazer jogos “normais”. Elas apostam em situações bizarras, humor nonsense e mecânicas estranhas para contar suas histórias. A Perfectly Paranormal é uma dessas empresas. E eu adoro o quão estranhos e criativos eles são!
Talvez você não se lembre do nome, mas ela é a produtora de Manual Samuel, jogo de 2016 que contava a bizarra história de Samuel, sujeito que, após morrer e fazer um pacto com a morte, volta à vida… mas precisa reaprender a fazer coisas extremamente básicas, como respirar, andar, comer, etc. Nosso camarada Paulo Montanaro analisou o jogo na época, e elogiou justamente quão bizarro e criativo ele era.
Bjørn, o matador de ursos
Agora em 2020, Helheim Hassle nos apresenta a Bjørn Hammerparty, um jovem viking que definitivamente não se encaixa nos padrões de seu povo. Se para os guerreiros vikings morrer em combate e ir para Valhalla — a morada eterna dos deuses — é a maior honraria, para Bjørn, isso é um pesadelo, simplesmente porque ele não é um guerreiro, não quer saber de encrenca.
Bjørn acredita que seu lugar é em Helheim, o inferno viking, para onde vão os covardes, os que morrem sem glória, de velhice ou doença. E, como o pacifista (um tanto covarde) que é, ele não tem problema nenhum com isso. Quando seu vilarejo é invadido por gigantes e todos correm para a glória da batalha, Bjørn também corre… mas para o outro lado, para fugir do combate!
Em sua fuga, ele despenca de um precipício e se despedaça todo, o que sem dúvida lhe renderia a morte desonrosa que ele tanto queria… porém, ele cai em cima de um urso (?!), o que lhe concede o heroico título de Bjørn Bear-Slayer, e um lugar em Valhalla. Mas ele definitivamente não vai querer passar a eternidade toda por lá.
Quando Pesto, um enviado da morte (que lembra bastante o companheiro de Samuel no outro jogo) precisa resgatar um artefato de Helheim, mas não tem como entrar lá por não saber ler as runas vikings, Bjørn vê uma chance de escapar de Valhalla. Ele então tem seu corpo morto reanimado por Pesto, e juntos, eles vão adentrar os portões de Helheim.
Sem pé nem cabeça
Helheim Hassle é um jogo difícil de encaixar em apenas um gênero. Ele é parte adventure, parte puzzle game, parte jogo de plataforma, e há até um pouquinho de MetroidVania na receita.
Aliás, falar em “partes” é muito apropriado aqui, pois a principal mecânica do jogo vem do corpo reanimado de Bjørn: podemos desacoplar e controlar seus membros separadamente, e fazer isso da maneira correta é a chave do sucesso para superar puzzles malucos e passar por situações, no mínimo, bizarras.
Por exemplo, controlando só a cabeça rolante do garoto, podemos passar por lugares estreitos que seu corpo não alcançaria. Controlando apenas uma perna dele, podemos saltar muito mais alto, e alcançar lugares inacessíveis para as outras partes do corpo. O próximo passo é descobrir como liberar a passagem para que todas as partes do corpo de Bjørn consigam passam e se reunir.
A maluquice não para por aí: podemos combinar partes diferentes do corpo de Bjørn (braço + cabeça, ou perna + braço + cabeça), e isso abre novas possibilidades de exploração e interação, uma vez que tem coisas que você só pode fazer com uma parte específica do corpo.
Por exemplo, você só pode pegar coisas ou subir escadas se tiver um braço “equipado”. Para conversar com outros personagens, precisa da sua cabeça — afinal, sua boca está nela. Combinar as diferentes partes do corpo do personagem de maneiras inusitadas é o que nos permite progredir.
Puzzles malucos
Felizmente, os puzzles do game são engenhosos e malucos o bastante para aproveitar esta mecânica pouco convencional. Durante a campanha, vamos ter que motivar trolls marombeiros em uma academia, ofender o hobby favorito de um anão, e muito mais.
Vou descrever aqui uma das situações mais malucas/geniais que o jogo me apresentou: em dado momento, um dragão engole uma das pernas de Bjørn… mas podemos continuar controlando a perna, que está dentro do dragão!
Devemos então, alternar entre a perna (dentro do dragão) e a cabeça de Bjørn (do lado de fora): dizendo as coisas certas para ele, glândulas se incham, ou s movem internamente em seu corpo, abrindo caminhos ou tornando-se plataformas que podemos usar no controle da perna.
É neste tipo de puzzle que Helheim Hassle realmente acerta e utiliza bem suas mecânicas. Em perseguições e trechos de plataforma — onde devemos, por exemplo, lançar uma parte de nosso corpo em um lugar específico — o jogo funciona, mas carece de mais precisão nos controles. Fora dos puzzles e desse lado mais adventure do jogo, falta o tempero (sem noção) que contextualiza os enigmas e faz deles os momentos mais legais do jogo.
Audiovisual
Helheim Hassle parece um verdadeiro desenho animado interativo, e falo isso como um grade elogio: a arte do jogo e incrível, caricata e cheia de personalidade. A Perfectly Paranormal sabe criar ótimos personagens, e aqui até os coadjuvantes mais simplórios têm algo de legal.
As excelentes dublagens enriquecem ainda mais a experiência: Pesto é um personagem extremamente carismático, e boa parte disso vem da excelente dublagem do personagem. O jogo é cheio de piadas e referências a outros indie games, e no geral o humor é sempre na medida certa: é impossível não rir diante dos diálogos e situações absurdas que vamos encontrar!
Infelizmente, é no departamento audiovisual que está a maior escorregada do jogo: Helheim Hassle foi legendado em alguns idiomas, mas o português brasileiro não é um deles. Ter um bom nível de inglês é essencial não só para não perder as piadas, mas também para saber o que você deve fazer, para onde deve ir, com quem deve falar.
Conclusão
Helheim Hassle é um jogo despretensioso, sem noção e divertido que, tal qual Manual Samuel, cativa a gente por sua esquisitice e seu humor bizarro.
Seus puzzles nunca são particularmente complexos, pois a ideia aqui não é deixar o jogador empacado nem frustrado: queremos seguir com a história, e ver qual será a próxima situação maluca que teremos que encarar, e como iremos “desmontar” o pobre Bjørn para resolvê-la.
Uma pena que o jogo não tenha legendas em português, pois a maior parte de sua graça está nos diálogos afiados. Se a barreira do idioma não é um problema para você, e jogos “sem noção” despertam seu interesse, vai fundo que Helheim Hassle é um prato cheio — e tem demo disponível, para todo mundo experimentar antes de tirar o escorpião do bolso!
Helheim Hassle foi lançado em 18 de agosto, com versões para PC, PLaystation 4, Xbox One e Nintendo Switch (versão analisada).